• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: PORTUGUÊS BRASILEIRO E PORTUGUÊS EUROPEU: DUAS

1.2. O objeto nulo em PB – pesquisas diacrônicas e sincrônicas

1.2.3. O objeto nulo na fala de estudantes

A fim de observar a representação do objeto direto anafórico, Corrêa (1991) desenvolveu uma pesquisa sincrônica a partir do exame de textos orais e escritos, elaborados por estudantes, após a apresentação de uma peça teatral com exclusiva utilização de linguagem gestual. Formou-se um grupo de 40 alunos de 1ª a 8ª série do Ensino Fundamental, cinco em cada série. Outro grupo de cinco “voluntários”, com formação universitária completa, foi submetido aos mesmos procedimentos, além de mais cinco adultos não escolarizados, que produziram uma narrativa oral.

Sua mais interessante descoberta foi a interferência do fator escolarização sobre a variável, ao pôr em foco o papel da escola na manutenção e recuperação, até certo ponto, do clítico – a forma prestigiada pela norma gramatical. Para tal constatação, vale a pena interpretar os resultados de língua oral dos informantes,7 distribuídos em suas respectivas séries, além do comportamento lingüístico dos não escolarizados, descritos na tabela adiante:8 TIPOS DE OBJETO Clítico Acusativo Pronome Lexical SN Anaf. Objeto Nulo Outros 9 — 24,4 7,3 63,2 4,9 — 24,1 3,4 72,4 — 3ª/4ª série — 8,2 13,0 74,1 4,7 5ª/6ª série 3,0 18,0 7,0 67,0 5,0 7ª/8ª série 0,9 18,7 7,2 66,0 7,1 Universitários 7,7 5,1 10,2 48,7 28,3 Total 1,5 17,0 7,8 67,2 6,5

Tabela 1.2. Ocorrência de objeto direto anafórico em textos orais (%)

Na fala, o emprego do clítico acusativo aparece mais tardiamente que as outras estratégias,10 na 5ª/6ª série, e chega a inexpressivos 7,7% no mais alto grau de

escolaridade. Quanto ao pronome nominativo, decresce na fala à medida que aumenta o

7 Os resultados da produção escrita dos alunos não interessam no momento para o estudo.

8 Adaptação da tabela 2 de Corrêa (1991:56), tendo sido feito um recorte centrado apenas em ocorrências com objeto direto anafórico.

9 Corrêa agrupa sob o rótulo “outros” os pronomes demonstrativos e os indefinidos. 10 O clítico manifesta-se primeiramente na escrita da 3ª/4ª série.

15

nível de escolaridade, embora o sistema escolar não consiga inibi-lo totalmente, nem no último estágio. O uso do objeto nulo, por outro lado, mantém-se quase estável em todas as séries, caindo apenas entre os universitários (48,7%), sendo o preferido entre as demais formas em todos os segmentos escolares.

O comportamento lingüístico dos não escolarizados é bastante semelhante ao das crianças de séries iniciais, o que reforça a tese de que é a Escola a responsável pela transmissão do clítico acusativo, embora não consiga recuperá-lo plenamente, e confirma a afirmação de Kato (1994a:233) e Galves (1998:90) de que esse já é um

“fóssil” na gramática brasileira.

A análise apontou outros aspectos muitíssimos interessantes:

(a) a aprendizagem da concordância verbal ao longo das séries coincide com o gradativo preenchimento do objeto;

(b) crianças, adolescentes e adultos11 dão preferência à categoria vazia quando esta acumula mais de uma função, ou seja, quando funciona também como sujeito de completiva (37%)12, e quando seu referente exerce a mesma função (a de objeto), independentemente do grau de escolaridade, em 81% dos casos (cf. quadro 6 de Corrêa, 1991:74);

(c) o emprego mais freqüente da categoria vazia ocorre em mini-orações (construções com predicativo), quando seguida de sintagmas preposicionais.

Averbug (1998) estuda o desempenho lingüístico de estudantes cariocas em

relação ao fenômeno objeto direto, com base no corpus do Projeto Discurso e

Gramática – UFRJ, com 48 informantes distribuídos em seis níveis de escolaridade

(Classe de Alfabetização, ou C.A. infantil, C.A. adulto, 4ª série, 8ª série, última série de Ensino Médio e última do Ensino Superior) – oito por série , ainda sob forte influência da pressão escolar. Foi analisado um total de 96 registros, do gênero “narrativa recontada”, nas modalidades oral e escrita.

Foram quatro as estratégias investigadas: clítico acusativo; pronome lexical; SN anafórico, incluídos nessa categoria os demonstrativos, DPs e nomes nus; objeto nulo. Esta é a “fotografia” da distribuição geral das estratégias: (a) o clítico, recomendado

11 Entre os analfabetos, este fator não exerce nenhuma influência.

12 Estes percentuais levaram em conta todas as ocorrências com objeto direto, fossem eles anafóricos ou não.

pela tradição gramatical, praticamente está ausente (0,25%); (b) o uso do pronome lexical fica em 15,15%; (c) o de objeto nulo (43,1%) concorre com o de SN anafórico (41,5%) – ambos possivelmente estratégias para fugir, de um lado, à formalidade do clítico e, de outro talvez, ao estigma que recai sobre o uso do nominativo.

0,25 15,15 41,5 43,1 0 10 20 30 40 50 LÍNGUA ORAL

CLÍTICO PRONOME LEXICAL SN ANAFÓRICO OBJETO NULO

Gráfico 1.1. Objeto direto na fala de estudantes (%)13

A análise também destaca, como Corrêa (1991), a atuação da escolaridade:

ESCOLARIDADE Clítico Pron. Lexical SN Anaf. Objeto Nulo Total

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % 5 17 14 48 10 35 29 100 1 3 10 26 10 26 18 45 39 100 4ª série 15 22 23 33 31 45 69 100 8ª série 12 17 21 30 37 53 70 100 Ensino Médio 8 9 48 55 32 36 88 100 Ensino Superior 8 9 43 49 37 42 88 100

Tabela 1.3. Estratégias de objeto direto em língua falada segundo o nível de escolaridade

Curiosamente o único dado de clítico aparece na fala de um adulto que está em processo de alfabetização e não entre os universitários, o que indica que o sistema escolar não atua nesse sentido, pelo menos em relação à fala.14 Quanto ao uso do pronome nominativo, a queda gradativa de 17% para 9% no Ensino Superior revela alguma eficácia da Escola, apesar de não eliminá-lo completamente. É no C.A. adulto

13 Gráfico adaptado de Averbug (1998), sem os resultados de língua escrita, por não ser tema desta tese. 14 O mesmo não se dá na escrita, que tem o maior percentual de clíticos na 8ª série: 24%.

17

que aparece o maior percentual da variante estigmatizada: 26%.

SNs anafóricos e objetos nulos concorrem, de certo modo, na produção oral dos universitários: 49% e 42%. Especialmente no C.A. infantil e no Ensino Médio, o apagamento do objeto é superado pelo preenchimento com SNs anafóricos, com uma diferença em torno de 16%. Nas demais séries, ocorre o inverso. A 8ª série é a que detém o maior índice de nulos, representando mais de metade do total: 53%.

Se se compararem essas informações com as da dissertação de Corrêa (1991), percebe-se que neste corpus: (a) a estratégia de uso de SNs anafóricos foi bem mais produtiva (b) o desempenho da Classe de Alfabetização de adultos é similar aos não escolarizados de Corrêa, apesar da maior expressão de SNs; (c) o emprego do nulo anafórico está mais equilibrado, em relação ao uso de SNs anafóricos, ao contrário dos resultados de Corrêa, em que há um largo privilégio de objetos nulos; (d) nos dois trabalhos é insignificante, em termos de freqüência, o uso do clítico.