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CAPÍTULO 3: OBJETIVOS, HIPÓTESES E PROCEDIMENTOS

3.1. Objetivos e hipóteses de trabalho

A tese de doutorado pretende constituir-se em um estudo empírico sobre aquisição de PB como L1, com base em um corpus constituído de gravações da fala de três crianças, P., A. e H., entre 01;10,25 e 05;11,12 de idade, em interação livre em ambiente familiar.

Este trabalho tem por objetivos centrais: (a) acompanhar longitudinalmente o processo de aquisição do objeto direto anafórico e novo de 3ª pessoa no PB e, secundariamente, o do sujeito, a fim de definir qual o percurso da gramática das crianças brasileiras; (b) verificar como se dá a aquisição de objetos nulos e lexicalmente realizados, isto é, se a construção de uma e outra estratégia é motivada por contextos estruturais e/ou semânticos diferentes ou não, tais como a conjugação dos traços semânticos de animacidade e especificidade do antecedente, a atuação do tempo e do modo das formas verbais (cf. Lopes, no prelo), e fatores de natureza sintática, como a grade argumental determinada pelo verbo e a estrutura de CP; (c) determinar quais formas de objeto e sujeito seriam mais freqüentes na gramática infantil; (d) comparar os resultados de cada indivíduo, a fim de apontar o padrão lingüístico desenvolvido por

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cada um, a partir do confronto de semelhanças ou diferenças em sua produção; (e) contrapor os resultados obtidos não só aos de outros autores sobre a aquisição do

objeto direto e do sujeito (Simões, 1997; Lopes, 2003; Lopes & Cyrino, 2005; Magalhães, 2006; Casagrande, 2007), mas também a trabalhos diacrônicos e sincrônicos sobre PB e PE como L1 (Duarte, 1986, 1995; Cyrino, 1997, 2002, 2003; entre outros); (f) observar a possível assimetria sujeito e objeto em aquisição tratada por outros pesquisadores, entre eles, Lopes (1999, 2003), relacionada ao emprego de sujeitos e objetos nulos, mas também à expressão de DPs em geral, como sinalizou a autora1; (g) a partir da interpretação dos dados lingüísticos, buscar-se-á concluir se houve continuidade, no sentido de apresentar similaridades com as propriedades da gramática- alvo, ou seja, um desenvolvimento gradual em direção à gramática do adulto, e/ou descontinuidade, caso se diferencie substancialmente dela ao longo do processo.

Será também verificado se a correlação entre a substituição gradativa de nulos dêiticos, os primeiros a se manifestarem na gramática infantil, por nulos anafóricos e, simultaneamente, pronomes lexicais realmente se efetiva, como indicaram Cyrino & Lopes (2005).

Será ainda avaliada a interação entre os traços semânticos de animacidade e especificidade no licenciamento de argumentos nulos anafóricos, como também na representação de formas plenas. Sendo assim, pretende-se checar a atuação da hierarquia referencial proposta por Cyrino, Duarte & Kato (2000), reformulada por Cyrino & Lopes (2005). Em outros termos, avaliar se há uma distribuição livre entre nulos e expressos em geral (DPs, nomes nus e pronomes), ou se essa distribuição é de alguma forma condicionada a traços estruturais e/ou semânticos do antecedente.

Marginalmente, pretende-se acompanhar como funciona a anáfora de complemento nulo (NCA) em PB como L1. A partir da observação das estruturas de CP construídas pelas crianças, poderá ficar comprovado se o objeto nulo se manifesta livremente ou sofre restrições em ilhas fortes e fracas, como em PE.

Convém esclarecer que se adota, neste trabalho, a concepção de faixa etária/idade como estados de gramática, relacionados ao processo de desenvolvimento do conhecimento lingüístico de indivíduos em fase de aquisição. Portanto, na tentativa

1 Lopes (1999a:154-5) afirma que “para além da assimetria em termos de argumentos nulos para o

de definir o padrão lingüístico de cada criança ou mesmo a possibilidade de identidade entre elas, serão interpretados os resultados distribuídos por idade, ao longo do desenvolvimento de cada uma, o que é conhecido na literatura gerativista como gramáticas intermediárias.

Além disso, é incorporada a classificação das famílias das três crianças – baixo, médio e alto grau de letramento –, dada pelo projeto coordenado pela Profª Dra. Roxane Rojo (UNICAMP). O fato de a criança estar mais ou menos envolvida com atividades linguajeiras – seu contato com a língua escrita através da leitura, contação de histórias por irmãos e adultos, a audição constante de trechos bíblicos, por exemplo –, a escolaridade e o nível sócio-econômico de seus pais, a convivência com outras crianças de mesma idade ou mais velhas, dentro ou fora do ambiente familiar, o ingresso na pré- escola mais cedo serão considerados a partir do trabalho de Rojo, a fim de determinar se são fatores marcantes (ou não), ou mesmo necessariamente decisivos na constituição de sua gramática. Mais do que uma questão social, há uma questão cognitiva. O que se busca verificar é se o input a que a criança está exposta pode influenciar o desenvolvimento de gramáticas específicas. Ou, ainda, indicar percursos distintos que possam, eventualmente, chegar a uma gramática superficialmente semelhante.

Pergunta-se, pois, se as três crianças terão gramáticas bastante comuns, ou um núcleo comum e periferias distintas, ou simplesmente gramáticas distintas em função do

input a que estão expostas. Essas respostas serão buscadas no decorrer da análise.

3.1.2. Hipóteses de trabalho

Assume-se que a gramática construída pela criança é o resultado da fixação de parâmetros a partir de dados positivos, “simples e robustos” (cf. Lightfoot, 1991), não necessariamente os mesmos da gramática de seus pais, correspondentes a estruturas superficiais audíveis com freqüência e interpretáveis – “instruções” fornecidas pelas interfaces Forma Fonética (FF) e Forma Lógica (FL) (cf. Lightfoot, 1991; Cyrino, 1993 e Kato, 1997).

No PB, língua que está mostrando uma mudança na marcação dos Parâmetros de Sujeito e Objeto Nulos, no entanto, “obscureceu-se a evidência positiva necessária

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criança inovou as possibilidades de objeto nulo no PB e, conseqüentemente, houve uma mudança no paradigma pronominal da língua” (Cyrino, 1997:281).

Quais seriam então esses novos valores do Parâmetro de Objeto Nulo? Como as crianças brasileiras estariam construindo suas gramáticas? Supõe-se que haveria um comportamento sintático diferenciado conforme cada uma avança em faixa etária. Acredita-se, por exemplo, que H., filha de professores universitários, apresente um padrão lingüístico mais próximo (ou semelhante) ao das crianças estudadas a partir do

corpus constituído pela UNICAMP nos anos 70, como R., por exemplo (cf. Lopes,

2003; Magalhães, 2006; Casagrande, 2007), cujos pais também têm alto nível de escolaridade. A gramática de P., por outro lado, apresentaria outro perfil, exatamente por ter como input um padrão bastante diferenciado. O fato de seus pais terem baixo nível de escolaridade, de sua avó utilizar expressões e construções tipicamente populares e não ser percebido qualquer contato da criança ou da família com a escrita, pode se refletir, de certa forma, nas ‘escolhas’ lexicais e sintáticas feitas pela criança. Embora não se possa afirmar o efeito de tais fatores, isso não pode ser ignorado.

Com base em tais diferenças em relação ao grau de letramento das famílias, segundo o critério de Rojo, espera-se que os resultados revelem que as três crianças percorrem caminhos diferenciados ao longo do seu desenvolvimento em direção à gramática-alvo. A pergunta mais ampla a ser explorada e respondida neste trabalho é se os resultados apontam semelhanças entre as gramáticas.

A expectativa inicial é a de que o desenvolvimento das três crianças, que estão expostas a estímulos distintos, revele algumas diferenças lingüísticas interessantes, pelo menos no caso de H. e P.. Em se tratando de H., por exemplo, deve haver um padrão destoante das demais, justamente por estar exposta a muitas atividades do mundo letrado e, mais do que isso, experimentá-las, interagir com histórias, recontá-las, freqüentar pré-escola desde cedo e ser estimulada por professores, pais e irmãos mais velhos a ser “socialmente motivada”2. Supõe-se que H. constrói sua gramática com base em um input mais próximo ao padrão de indivíduos mais escolarizados.

Por outro lado, a gramática de P., que pertence a um meio menos letrado e não convive com atividades linguajeiras, pelo menos nas gravações do projeto, deve revelar

2 Kato utiliza essa expressão para se referir à aprendizagem da escrita e de uma L2. Aqui foi adaptada como referência a muitas e diferenciadas atividades do “mundo letrado”.

um padrão bem mais distante de H. que de A. Porque estão expostas a inputs diferenciados, as crianças podem desenvolvam gramáticas distintas, ou, eventualmente, passem por gramáticas intermediárias distintas. A variabilidade faz parte do continuum da mudança. Ao final do processo é possível que as três crianças cheguem a uma gramática superficialmente semelhante.

Além disso, os resultados deverão revelar que as gramáticas intermediárias são diferenciadas da gramática adulta, com, por exemplo, uma expressão menor de pronomes nominativos e uma maior de DPs e nomes nus.

Outra das hipóteses centrais que orientam o trabalho, em relação à assimetria sujeito e objeto em PB, é a de que sejam encontrados mais objetos lexicais, principalmente sob a forma de DPs, e menos DPs sujeitos, como constatado por Lopes, e, ao contrário, mais sujeitos nulos e menos objetos nulos.

Em relação à opção de preenchimento por pronomes, deve haver mais ocorrências na função de sujeito do que na de complemento. Como na gramática-alvo o clítico acusativo de 3ª pessoa já não aparece, acredita-se que nos arquivos investigados também não ocorrerá. Por outro lado, o pronome nominativo na função de objeto, não deve manifestar-se significativamente, como já indicaram outros pesquisadores (cf. Lopes, 2003; Casagrande, 2007).

Quanto à aquisição do objeto direto no PB especificamente, espera-se haver uma atuação de traços semânticos do antecedente e determinados contextos estruturais, tais como, por exemplo, a predominância do traço [+ humano] em objetos sob a forma de pronome nominativo.

Esclarecidas as propostas, passa-se a descrever a amostra e explicitar a metodologia de trabalho que orientou o levantamento dos dados.