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CAPÍTULO 2: AQUISIÇÃO EM PORTUGUÊS BRASILEIRO

2.1. O problema lógico da aquisição

A Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981, 1986) concebe: (a) princípios inatos, rígidos, invariáveis, universais, comuns a todas as línguas, que, portanto, não precisam ser aprendidos; (b) parâmetros, com valores abertos, variáveis, a ser fixados a partir da experiência lingüística (input), via aprendizagem.

Construída na fase de aquisição pela criança, a gramática de sua língua (Língua-

I) não é necessariamente uma gramática idêntica a de seus pais,1 mas o resultado da

fixação de parâmetros a partir de dados “simples e robustos” (cf. Lightfoot, 1991; Meisel, 1997), correspondentes a estruturas superficiais audíveis e salientes, isto é, evidências positivas – “instruções” fornecidas pelas interfaces Forma Fonética (FF) e Forma Lógica (FL) (cf. Lightfoot, 1991, apud Cyrino, 1993).

Para Meisel (1997), estudos de aquisição da linguagem podem elucidar algumas questões controversas sobre a Teoria de Princípios e Parâmetros. Um pressuposto da Teoria é que as propriedades não-parametrizadas da gramática (ou princípios

universais) não apresentam variação translingüística, nem de indivíduo para indivíduo,

porque fazem parte da GU (Gramática Universal), pertencem “ao conhecimento

implícito da criança desde o início”. Por outro lado, da “aprendizagem” e/ou “escolha”

pela criança de propriedades parametrizadas (ou parâmetros) resulta a variação entre gramáticas, ou seja, gramáticas específicas. Além disso, segundo Meisel (1997:24), “o

ajuste adequado dos parâmetros precisa ser desencadeado pela experiência” (cf. em

Lightfoot, 1991, triggering experience; “experiência detonadora” em Cyrino, 2004). Em outros termos, assim Guasti (2002:19) resume a questão:

“In summary, UG is the human genetic endowment that is responsible for the course of language acquisition. It includes principles and parameters that encode the invariant and variant properties of languages, respectively. Parameters define the range of variation that is possible in language; and together, principles and parameters define the notion

1 A gramática individual não ser idêntica a dos pais não quer dizer que o contato com eles e outras pessoas de seu meio não construa sua gramática, já que pistas (cues) do input são as que detonam a marcação de parâmetros pela criança.

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“possible human language”. Language acquisition is a selective process whereby the child sets the values of parameters on the basis of the linguistic environment.”

Um problema se coloca: como a criança sabe tanto, em tão pouco tempo, de um sistema abstrato que é a linguagem, se recebe dados do input desordenados, truncados (argumento da pobreza de estímulos). Esse questionamento é também conhecido na teoria como Problema de Platão. Embora esteja em contato com um número finito de sentenças, a criança é capaz de construir um número infinito delas, independente das condições de aquisição ou da variação verificada no input.

A proposta do inatismo defende que o conhecimento implícito de que a criança já dispõe sobre sua língua é mais rico e mais complexo do que a experiência lingüística a que está exposta, o que reforça a existência da faculdade da linguagem. A faculdade da linguagem, segundo Chomsky (1986), é uma teoria sobre o conhecimento gramatical inato, incluída a GU, com princípios e parâmetros, e um conjunto de sistemas cognitivos, computacionais – um componente da mente humana modular, geneticamente determinado, que guia o processo de aquisição e restringe as formas gramaticais das línguas naturais. Não se nega, no entanto, a importância do meio externo na concepção mentalista; sem qualquer contato com dados lingüísticos a criança não pode acionar os parâmetros de sua língua.

Entre as hipóteses que surgiram dentro de uma visão behaviorista, contrária à de Chomsky (cf. Guasti, 2000), para explicar como se dá o processo de aquisição, estão: (a) a da imitação; (b) a do reforço positivo ou negativo. A primeira delas é inválida porque, além de não justificar, por exemplo, como “erros” surgem na fala da criança (cf no PB, fazeu), significaria considerar o output igual ao input – o que seria, no mínimo, incoerente. Quanto à hipótese do reforço, já está mais do que comprovado (cf. Lightfoot, 1991) que de nada adianta os pais corrigirem seus filhos. Instruções não funcionam nem fazem a criança dominar mais eficaz e rapidamente “regras” de sua gramática. Na verdade, pais tendem a corrigir o conteúdo da fala de seus filhos (adequação pragmática, efeito moral etc), mas raramente corrigem a estrutura sintática daquilo que eles produzem. Na amostra estudada há uma passagem interessante de uma conversa entre um pai e a criança:2

2 Este trecho faz parte do arquivo FAMIH-4, não selecionado para análise, quando H., uma das crianças investigadas, tinha 02;03,05 de idade.

(1) P: Quebro a cadeira de tão grande que a Alice ficô quando ela tomo uma bebidinha que tinha lá e que falava assim: “Beba-me...”

C: Beba...no. P: “Beba-me.” C: (Apontando) Ó fozinha. P: Olha a florzinha. C: Beba...no. P: “Beba-me.” C: Beba-ne. P: “Beba-me.” (02;03,05 – FAMIH-4)

Fica ilustrada com esse trecho da gravação de H. a “inutilidade” da correção pelo adulto, mais ainda por tentar fazer com que a criança domine o emprego de um clítico acusativo, uma forma pouco freqüente/audível no input de crianças brasileiras. Reforço negativo não promove o efeito desejado porque as crianças resistem às correções e muitas vezes nem percebem que estão sendo corrigidas. Além disso, a correção não terá efeito se a criança ainda não for capaz de suportar uma dada estrutura em um dado estágio de sua gramática (cf. ausência de evidência negativa); “então,

evidência negativa não é fonte confiável de informação” (Guasti, op.cit.:4).3

Outra das evidências que favorecem a hipótese do inatismo baseia-se no

argumento da uniformidade no processo de aquisição, já que todas as crianças são

capazes de atingir a gramática-alvo em um mesmo “período de tempo”, independentemente da qualidade dos estímulos a que estão expostas. Além disso, encontram-se processos semelhantes de desvio em relação à gramática-alvo que estão adquirindo em períodos próximos (como o uso de nulos em sujeito, infinitivas-raiz etc) Segundo a perspectiva gerativista, da GU, teoricamente o estado inicial de aquisição das línguas em geral, até atingir o estágio final, ou seja, a gramática-alvo, a tarefa da criança é adquirir o vocabulário de sua língua e fixar os valores paramétricos associados às propriedades das categorias funcionais.

Para responder como é a gramática infantil nas fases iniciais, em que os parâmetros ainda não se fixaram, Meisel (1997) e Lopes (2007) retomam os dois mecanismos sugeridos na literatura: (a) há um valor padrão (default) para o parâmetro, mesmo que não coincida com o da gramática adulta a que a criança está exposta, que deverá ser reajustado em algumas línguas, em outras não; (b) todos os valores do parâmetro (o valor default e outros) estão disponíveis por um determinado tempo, sem

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estarem fixados – proposta inicial de Lebeaux (1988), adotada por Valian (1988, 1990) e Roeper (1992).

A primeira alternativa é ilustrada pelos autores a partir do trabalho de Hyams (1986) que assume no estado inicial a marcação positiva de sujeito nulo, por crianças falantes de inglês. À medida que a criança toma contato com as estruturas da língua- alvo, com base em evidências positivas, percebe que os valores contradizem, no caso do inglês, ou reforçam, no caso do italiano, por exemplo, seu conhecimento inicial. Sendo assim, a criança que fala inglês reajusta o parâmetro do sujeito nulo para [-] ou [- pro-

drop], e a italiana, mantém o mesmo valor: [+ pro drop]. Na verdade esta proposta

apresenta uma série de problemas amplamente discutidos na literatura; a própria Hyams a reformula.

O segundo mecanismo pressupõe a não fixação de parâmetros (cf. Restrição de

Parâmetros em Mulller, 1993, apud Meisel), mas sim a eliminação de opções

alternativas. Para argumentar a favor dessa corrente, Meisel (op. cit.: 26-7) justifica que

“primeiramente as gramáticas precisam permitir a existência da possibilidade de acessar todas as opções antes de fixar um valor”. Para reforçar sua tese, lança mão do

argumento de Valian (1988, 1990) de que “a criança, desde o momento inicial de seu

desenvolvimento gramatical, tem que ser capaz de analisar e atribuir uma estrutura a uma frase que ela ouve” (Meisel, 1997:26).

Lopes (2007) também se posiciona contrária a Hyams (1986), em sua explicação sobre marcação default para parâmetro, e apóia Valian, que propõe não haver uma gramática universal inicial em que parâmetros sejam marcados com valor [+] ou [-]. Para ele a criança já “percebe” desde cedo a que língua está exposta. Seu argumento é ancorado no trabalho clássico sobre aquisição em inglês e italiano (Valian, 1991), comprovando que há diferenças qualitativas e de freqüência, na fase de omissão de sujeito de crianças americanas, entre 01;10 até 02;08, e italianas.

Simões (1997), mesmo reconhecendo a contribuição do trabalho de Bloom (1990) e Valian (1991), assume hipótese de Hyams e Wexler (1993) com base em um trabalho quantitativo4 que diz respeito à assimetria sujeito e objeto nulo. Entre outras

críticas, os autores negam que somente problemas de processamento estejam afetando a

4 A maior crítica de Valian ao trabalho de Hyams (1986) é a autora basear sua proposta em um estudo de caráter qualitativo, sem tratamento quantitativo dos dados.

omissão de sujeito, como a relação entre a extensão do VP e a dificuldade em produção de sujeitos lexicais. Particularmente na aquisição do inglês, uma língua de sujeito obrigatório, tal justificativa não caberia.

Lopes (2001b) defende que haja limitações na produção da criança por condições de processamento. Com base no quadro minimalista, especialmente em Uriagereka (1999), argumenta que a maior proporção de DPs objetos e, assimetricamente, a menor de DPs sujeitos verificada em seu trabalho sobre aquisição em inglês (cf. Lopes, 1999)5 se devam à insuficiência de memória da criança para dar conta de juntar os segmentos sentenciais enviados em múltiplos Spell-out – posicionamento que a autora reformula em 2003. Para que DP sujeito seja engendrado, há necessidade de aplicação de “múltiplos Spell-out”,6 enquanto basta uma única aplicação da regra de Spell-out para derivar DP complemento, já que o objeto está na mesma unidade de c-comando do verbo. Deve-se aplicar o menor número possível de

Spell-out por derivação (cf. Princípio de Economia do Programa Minimalista). No caso

do DP que ocupa a posição de especificador e está em outra unidade de c-comando, uma simples operação não é suficiente, já que o DP complexo seria engendrado em espaço derivacional paralelo, obrigando o sistema a aplicar novo Spell-out.

Abaixo esquematiza-se simplificadamente como o sistema funciona: Léxico

Spell- out FF

Informação fonológica

Informação semântica FL

A seguir serão apresentadas as hipóteses que tentam explicar qual é o caminho no processo de aquisição de linguagem.

5 Amostra de aquisição em inglês do banco de dados CHILDES (MacWhinney & Snow, 1985) com crianças entre 02;03 a 02;09 de idade.

6 Proposta de Uriagereka de “múltiplos Spell-out” se opõe a de Chomsky (1995), para quem Spell-out pode ser aplicado uma única vez. Melhor discussão em Lopes (1999).

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