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CAPÍTULO II SEGURO AGRÍCOLA NO RIO GRANDE DO SUL

2.6 O Seguro Agrícola ano a ano

2.6.2 Ano 2000

A meta estabelecida pelo Programa para o ano de 2000 foi a implementação do seguro agrícola para a safra 2000/2001, envolvendo a busca de seguradoras privadas interessadas em operar o seguro agrícola no estado; as definições sobre o projeto-piloto (culturas, regiões, subsídio); a definição do formato jurídico para a contratação de seguradoras privadas e a implantação do projeto-piloto para a cultura do milho e do feijão.

O processo de implantação do seguro agrícola no ano de 2000 teve dois momentos distintos: (a) período janeiro-julho, caracterizado pela elaboração do produto de seguro e da operacionalização do programa; (b) período agosto-dezembro, caracterizado pela implementação do programa. Como será descrito adiante, a implementação do programa no segundo semestre não teve uma correspondência direta com o que foi elaborado no primeiro semestre. Questões que fugiram à governabilidade da Secretaria da Agricultura provocaram grandes alterações na execução inicial do programa de seguro agrícola.

No primeiro momento, a Secretaria da Agricultura buscou estabelecer as bases do que seria um seguro de custeio, partindo do que existia de mais consolidado na experiência nacional, desenvolvido pela COSESP em São Paulo. O resultado deste trabalho foi apresentado na segunda reunião do Conselho de Administração, realizada no dia 08 de junho, por meio do documento ‘Seguro Agrícola Solidário – Fase I’ (RIO GRANDE DO SUL, 2000b), enquanto proposta da Secretaria da Agricultura e Abastecimento. Sua apreciação e aprovação ocorreram na terceira reunião do Conselho de Administração, realizada no dia 26 de junho.

Compunham a proposta:

a) Público beneficiário: agricultores familiares definidos segundo a lei agrícola estadual – Lei Nº 9.861/93 – e que também deveriam estar organizados em grupos de no

mínimo quatro agricultores contratantes do seguro; possuir área de propriedade de até 25 hectares e área de cultivo entre um e cinco hectares; residir no mesmo município em que se localiza a área segurada, de preferência na mesma comunidade ou comunidade vizinha; realizar a contratação do seguro antes do plantio da cultura (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.6). A exigência de organização dos agricultores em grupos respondia à necessidade de otimizar as vistorias de técnicos às lavouras, em caso de perdas50, e buscava fomentar a cultura do mutualismo de seguro entre os agricultores familiares;

b) Importância segurada: custo de produção calculado para diferentes níveis tecnológicos;

c) Subsídio: 50% do valor do prêmio devido pelos agricultores familiares que aderissem ao seguro;

d) Culturas contempladas: milho, feijão e soja (o Conselho de Administração não aprovaria a inclusão da soja);

e) Zoneamento agrícola para milho, feijão e soja; f) Estimativa do custo potencial em subsídios; g) Financiamento do programa;

h) Estrutura, fluxo e procedimentos operacionais;

i) Abrangência: 101 municípios constantes das regiões Missões, Fronteira Noroeste, Médio Alto Uruguai e Norte, regiões que definiram, no Orçamento Participativo Estadual51, o tema agricultura como primeira prioridade e, nesta, o seguro agrícola entre as quatro primeiras prioridades.

Quanto à forma de contratação do seguro agrícola, era considerado que ele ocorria no âmbito privado, entre o agricultor e a seguradora. Mas como proceder para o pagamento de subsídio?

Grosso modo, duas alternativas eram possíveis.

1) o agricultor efetuaria o pagamento total do prêmio e, posteriormente, buscaria junto ao Estado, a título de subsídio, o ressarcimento de parte do prêmio. Nesse caso, a

50

A avaliação parcial de perdas, realizada logo após a ocorrência do evento sem perda total e seguida de avaliação final na colheita, seria substituída por uma declaração do agricultor que sofrera as perdas, acompanhado pelas assinaturas dos demais componentes do grupo.

51 O Orçamento Participativo Estadual foi um processo de democracia participativa direta fomentado no

Governo de Olívio Dutra que propugnava a participação direta dos cidadãos na definição das prioridades do Orçamento Estadual, por meio de assembléias públicas municipais.

relação a estabelecer pelo Estado seria apenas com o agricultor. Não interessaria ao Estado, então, uma relação formal com as seguradoras. Essa alternativa foi abandonada, dado que em uma agricultura com baixo dispêndio monetário seria muito difícil esperar que os agricultores familiares adiantassem parte do gasto (prêmio) para o posterior ressarcimento. Seria ainda um elemento complicador a falta de confiança na capacidade do Estado ressarcir recursos que, por direito, pertenceriam aos agricultores.

2) o agricultor pagaria à seguradora apenas a parte por ele devida, sendo o subsídio repassado diretamente do Estado para a seguradora, mas em nome do agricultor, pessoa física. Essa foi a alternativa escolhida, dado ter sido considerada facilitadora para o agricultor. Mas, por outro lado, exigia que o Estado constituísse um referencial jurídico que oferecesse legalidade ao conjunto da operação.

Considerando-se a experiência consolidada desenvolvida pela COSESP, que em muito contribuiria para o desenvolvimento de um projeto-piloto, surgiu a possibilidade de contratação direta desta seguradora, com base na inexigibilidade de licitação, assentada no fato dela se constituir em uma estrutura de Estado anterior a vigência da lei de licitações, Lei nº 8.666. Esta possibilidade logo foi abandonada pela formulação dada pela figura do credenciamento e na inexigibilidade de licitação devido a inviabilidade de competição por contratação de todos descrita no item ‘2.2.4. Formatação jurídica do programa e o credenciamento de seguradoras’.

No final do mês de junho de 2000, a COSESP sofreu perdas de grande monta no seguro agrícola que operava, fruto de sinistros ocorridos no trigo no Paraná atingidos por forte geada. As indenizações ultrapassaram o montante de R$ 100 milhões, o que levou a empresa a adiar seus planos de ampliação de sua área de atuação para o Rio Grande do Sul. Assim, a COSESP não apresentou proposta para credenciar-se à execução do programa de seguro agrícola subsidiado gaúcho.

Apenas no mês de agosto de 2000 o Estado, por meio da Secretaria Geral de Governo, Procuradoria Geral do Estado e Secretaria da Agricultura e Abastecimento, concluiu a formatação jurídica para o credenciamento de seguradoras ao sistema de seguro agrícola, acarretando um atraso no início da implementação do seguro agrícola subsidiado.

O processo de credenciamento de seguradoras ao sistema estadual de seguro agrícola iniciou com uma audiência pública, amplamente divulgada junto às seguradoras que operam no mercado nacional, por meio da publicação do edital ‘Aviso de Audiência Preliminar’, onde foi apresentada a proposta do programa estadual de

seguro agrícola a cada interessada que respondeu a convocação pública. Foram cinco seguradoras que agendaram entrevistas, incluindo empresas com atuação no ramo e outras interessadas em ampliar sua atuação (Ata Nº 01 e Ata Nº 02 da Audiência Preliminar).

Posteriormente, a Secretaria da Agricultura e Abastecimento publicou o Edital de Divulgação de Condições de Adesão de Empresas Seguradoras ao Sistema de Seguro Agrícola do Rio Grande do Sul, enviando-o a todas as seguradoras do País. A empresa que respondeu ao Edital foi a Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais. O contrato foi assinado com a Secretaria da Agricultura em setembro de 2000 e as contratações tiveram início em 18 de setembro, com o lançamento do programa. A seguradora Porto Seguro não apresentou produto para operar o seguro agrícola para a cultura do feijão. Assim, sendo foi oferecido aos agricultores apenas seguro agrícola subsidiado para a cultura do milho.

Neste primeiro ano de execução do Programa Estadual de Seguro Agrícola, foi muito pequeno o número de contratos de seguro realizados: apenas 65 agricultores contrataram o seguro agrícola subsidiado. A Secretaria da Agricultura destacou como elementos que afetaram o desempenho do Programa aqueles sobre os quais não tinha nenhuma governabilidade, principalmente elementos conjunturais. Outros, sobre os quais o Governo do Estado tinha governabilidade, também afetaram seu desempenho, como a definição tardia da base jurídica do Programa (RIO GRANDE DO SUL, 2000b).

O elemento de maior impacto no desempenho do Programa foi, sem dúvida, o pouco conhecimento dos agricultores familiares sobre o Programa Estadual e sobre o produto de seguro agrícola oferecido pela seguradora. A percepção do seguro agrícola como um instrumento de proteção exige um maior período de maturação e assimilação de parte dos agricultores. Ao contrário disto, o período de sensibilização, divulgação e comercialização do seguro foi bastante curto. (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.3. Grifos no original)

Foram apenas 19 dias úteis para a comercialização do seguro.

A Secretaria da Agricultura considerava que, baseada na grande visibilidade da demanda social pelo seguro agrícola, bastaria a divulgação de sua disponibilidade para ocorrer a imediata busca por sua contratação. Isto não ocorreu. Cabe aqui ressaltar o relativo distanciamento ocorrido entre o discurso público das lideranças dos sindicatos e movimentos sociais rurais, demandando seguro agrícola, e a mobilização da base destes sindicatos e movimentos para sua efetiva contratação. O esforço dispendido pela

massiva de seguro agrícola subsidiado. Daí o grande investimento na preparação da operacionalização do programa, principalmente com a informatização de todo o processo. Mas não seria esse o limitante para a contratação do seguro agrícola.

Outro elemento que teve grande impacto foi o descontentamento demonstrado pelos agricultores e suas lideranças quanto às características do produto de seguro agrícola oferecido pela seguradora. A cobertura do seguro da perda média municipal (baseado em dados levantados pelo IBGE), ao invés da esperada cobertura das perdas individuais, não satisfazia às expectativas geradas em relação ao seguro agrícola. Aliado a isso, as altas taxas para contratação que, sendo diferenciadas para cada município, variavam de 6,5% até 16,0% da importância segurada (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.4). Mesmo com subsídios governamentais ao prêmio, os valores eram elevados para os agricultores familiares. Como referência, o PROAGRO - Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - operava com taxa de 2,0% do valor segurado para o milho cultivado pelos agricultores familiares.

Um aspecto que escapou à governabilidade do governo estadual foi a grande adesão de agricultores ao PRONAF (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar). Isso não seria problema para os resultados do programa estadual não fosse o fato do Conselho Monetário Nacional ter estabelecido a obrigatoriedade de contratação do PROAGRO para obter financiamentos do PRONAF.

Segundo avaliação da Secretaria da Agricultura, mesmo

...que tal decisão tenha sido revista em 10 de agosto, as agências do Banco do Brasil continuaram oferecendo o Proagro aos agricultores aderentes do Pronaf. Esta espécie de ‘venda casada’ teve reflexos negativos na decisão de compra do Seguro por parte dos agricultores. Por um lado, ambos os produtos, apesar de significativas diferenças, estão relacionados com garantias contra fenômenos climáticos adversos. Por outro lado, a baixa renda média dos agricultores dificulta a aquisição simultânea dos dois, Proagro e Seguro Agrícola. (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.4 e 5 )

Como elementos conjunturais temos, em primeiro lugar, o grande envolvimento que os Sindicatos de Trabalhadores Rurais tiveram em atividades relativas ao recadastramento dos agricultores no Imposto Territorial Rural (ITR) e a preparação de propostas de agricultores ao PRONAF, que coincidiu com o período de comercialização do seguro (setembro/outubro), absorvendo a capacidade de dedicação de funcionários e dirigentes para o esclarecimento dos agricultores familiares sobre uma nova política pública, o Programa Estadual de Seguro Agrícola. Também, o fato do período de

comercialização do seguro coincidir com a reta final da campanha eleitoral municipal de 2000, tornando-o “...vítima do acirramento de disputas políticas e eleitorais, se constituindo em um elemento da pauta de campanha em muitos municípios” (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.5).

Por fim, um elemento conjuntural no plano nacional, “...o impacto negativo ocasionado por indefinições institucionais devidas, em parte, ao processo de privatização do IRB Brasil Re (Instituto de Resseguros do Brasil) e pelas perdas sofridas pela COSESP (Companhia de Seguros do Estado de São Paulo) nos meses de junho e julho”(RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.5).

O IRB é uma resseguradora sob controle público que centraliza as operações de resseguro no país. Várias medidas tomadas pelo governo federal no final de 1999 no sentido de preparar a privatização do Instituto foram contestadas judicialmente por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, que teve despacho favorável no primeiro semestre de 2000, anulando aquelas iniciativas. Entre o conjunto de medidas, estava a transferência da gestão do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR) para a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Essa medida específica não foi apontada na ADIN, mas contribuiu para gerar uma situação de insegurança entre as seguradoras que operavam - ou tinham intenção de operar - no mercado de seguro agrícola. O período que se seguiu foi de indefinição quanto a quem teria a atribuição de gestão do FESR, a SUSEP ou o IRB.

Em relação à COSESP, a seguradora já havia sofrido perdas na safra 1999/2000, que se somaram às grandes perdas sofridas pela ocorrência de geadas em junho/julho de 2000. Em conseqüência disso, a COSESP acumulou perdas superiores a R$ 100 milhões, que deveriam ser ressarcidas pelo FESR. Entretanto, este possuía apenas R$ 68 milhões como saldo contábil, não tendo previsão orçamentária constante do Orçamento da União do ano de 2000. Em resumo, referente ao sinistro ocorrido na metade de 2000, parte dos agricultores foi indenizada no final do ano e outra parte dos agricultores foi indenizada apenas no ano seguinte, quando a seguradora propagava que pagava indenizações em um prazo de 30 dias após a vistoria. Foi necessário a aprovação de Projeto de Lei no Congresso Nacional para fazer a suplementação de recursos no Orçamento da União e o repasse de recursos para o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural visando a cobertura dos prejuízos das seguradoras (COSESP).

A indefinição em relação ao IRB e a insuficiência do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural – FESR geraram insegurança de parte das seguradoras na oferta de produtos voltados ao seguro agrícola. (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.5 e 6)

O balanço dos resultados do primeiro ano de execução do Programa Estadual de Seguro Agrícola, realizado pela Secretaria da Agricultura, apontou, além do número reduzido de contratos efetivados (apenas 65), a baixa capilaridade na contratação, concentrada em poucos municípios. Pouco mais de 10% dos municípios abrangidos pelo projeto-piloto efetivaram algum contrato de seguro agrícola subsidiado e, destes, três municípios concentraram 71% do total de contratos52.

Como destaque, mostrou-se eficiente o processo implantado para a operacionalização do programa, envolvendo a troca de dados, informações e recursos financeiros entre os diferentes agentes participantes do sistema. Desta forma, considerava-se ter sido atingido o objetivo de estar disponível para a contratação massiva por parte dos agricultores familiares.

Segundo a Secretaria da Agricultura

o processo de operacionalização do Seguro Agrícola ocorreu de forma muito bem sucedida. Quaisquer dúvidas em relação à operacionalização do sistema de contratação e transmissão de informações dissiparam-se a partir do momento em que os primeiros contratos foram assinados pelos produtores. Confirmou-se que a agilidade do sistema permite à Secretaria da Agricultura e Abastecimento ter acesso aos dados apenas vinte e quatro horas após a contratação do seguros. (RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p. 8)

O ano de 2000 encerra-se com a identificação do desafio de ampliar o seguro agrícola, no formato executado, para outras culturas (feijão, trigo e uva), bem como da extensão para um maior número de municípios. Também, o desafio de incidir sobre o aprimoramento dos produtos de seguro agrícola oferecidos pelas seguradoras credenciadas e buscar um seguro básico que abrangesse a “...grande maioria dos agricultores, simples na sua contratação e eficaz na proteção da atividade agrícola do Estado”(RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p.9 e 10).

52 Ressalte-se que, dado o pequeno número total de contratos, o elevado número relativo – 71% – refere-

se a um número absoluto que é pequeno em termos qualitativos (um município contratou 24 seguros e dois contrataram 11, totalizando 46 contratos de seguro nos três municípios). RIO GRANDE DO SUL, 2000b, p. 06 e 07.