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CAPÍTULO I SITUANDO O SEGURO AGRÍCOLA

1.5 Conclusão do Capítulo

O objetivo deste item é pontuar algumas questões, a título de conclusão, que serão, posteriormente, confrontadas com o conteúdo dos capítulos seguintes.

Antes de tudo, cabe destacar a discussão sobre percepções de risco na perspectiva colocada pela teoria cultural dos riscos. Enfatizar o caráter cultural das definições de risco, estabelecendo a análise nessa dimensão como caminho para a compreensão das percepções de risco de determinada sociedade, parece constituir-se em uma abordagem rica e complexa. A perspectiva de análise segundo a qual não seria possível alguém se preocupar com todos os riscos potenciais ao mesmo tempo - levando as pessoas a, orientados por fatores sociais e culturais, filtrar àqueles riscos que irão povoar suas preocupações, separando-os daqueles que serão ignorados -, suscita reflexões interessantes sobre o rural. Os temas dos agrotóxicos ou da soja geneticamente modificada - quando a ciência já tem conhecimento acumulado sobre os riscos associados ao primeiro caso e os riscos associados ao segundo conformam um debate público -, têm conduzido os agricultores que utilizam essas tecnologias a comportamentos instigantes, sob perspectiva da análise de percepções de risco orientada pela teoria cultural. Estudos têm evidenciado que no caso dos agrotóxicos, é comum que agricultores apliquem os produtos em cultivos comerciais, mas não em cultivos para consumo próprio, como na horta doméstica; no caso da soja transgênica, as sementes contrabandeadas tiveram grande aceitação no Rio Grande do Sul, levando a uma adesão massiva à nova tecnologia (MENASCHE, 2003)23.

Acredito ser muito enriquecedor o acúmulo que esta perspectiva de análise pode trazer para a formulação de estratégias de controle dos riscos, embora, como anteriormente apontado, ela pouco tem se dedicado nesse sentido. Considero que políticas públicas para a minimização de riscos agrícolas - na forma de programa de seguro agrícola e/ou outras políticas similares ou complementares - terão dificuldades para sua implementação plena enquanto essa dimensão não for contemplada na agenda dos gestores da política.

adversos demonstrou o crescimento das ocorrências de catástrofes naturais nas últimas duas décadas, principalmente devido a eventos climáticos extremos; evidenciou o aumento da temperatura global, determinando o que pode ser a maior mudança climática ocorrida na terra nos últimos 10 mil anos; resgatou a perspectiva do aumento das chuvas, das secas, da freqüência e severidade dos eventos climáticos extremos; informou que as empresas resseguradoras internacionais já atuam com o cenário em que a mudança do clima é um fato; apresentou estudos demonstrando que, no caso do Estado do Rio Grande do Sul, a variabilidade de rendimentos da produção agrícola é associada ao fenômeno El Niño. Com a discussão apresentada, parece evidente que ao lado de medidas que busquem estancar (senão reverter) o processo de mudança do clima, é urgente o desenvolvimento de estratégias de adaptação aos efeitos previstos. Nesse sentido, a implementação imediata de políticas para a minimização de riscos é um imperativo, e a instituição de programas de seguro agrícola deve ser considerada para o caso particular da agricultura.

Já no que se refere aos seguros na agricultura sob a perspectiva do papel do Estado, vale comentar que as discussões das duas oficinas sobre seguros, realizadas no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (2003), sintetizam bem as principais orientações, quais sejam: (a) mais é vantajoso investir recursos na redução do risco de desastres naturais do que intervir após as catástrofes; (b) devido às pressões orçamentárias, é cada vez mais difícil para os Estados absorverem os custos de programas de seguros para catástrofes naturais, surgindo a associação entre os setores público e privado como uma alternativa para desviar esses custos ao setor privado, por meio da transferência de riscos relacionados aos desastres naturais; (c) a grande incerteza na avaliação de riscos de fenômenos meteorológicos extremos, associado à conjuntura desfavorável do setor privado de seguros (atentados de Nova Iorque, graves catástrofes naturais, perdas no mercado de ações), tem tornado os prêmios de seguro privado para catástrofes muito elevados, não sendo um momento muito favorável para a ampliação da cobertura de riscos de desastres devido ao clima; (d) um programa de seguros para risco climático, dirigido a setores empobrecidos da população em países menos desenvolvidos, requer subvenções do Estado; (e) o seguro não é uma opção

23 Para o caso dos agrotóxicos, ver também o trabalho de Júlia Guivant: Percepção dos olericultores da

viável de gestão de risco em regiões em que desastres como secas ocorrem com freqüência, pois não existe a incerteza, elemento essencial em seguros (nesses casos, a maior intervenção do Estado é uma necessidade).

A análise de experiências internacionais significativas selecionadas sobre seguros para a agricultura, casos dos Estados Unidos e da Espanha, o patamar atual das negociações internacionais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o debate sobre o tema na União Européia, oferecem um importante referencial para a análise do programa de seguro agrícola subsidiado no Rio Grande do Sul.

O resgate das experiências em seguro agrícola dos Estados Unidos e da Espanha, destaques mundiais nesse instrumento de política pública para a agricultura, demonstra que é necessária a participação do Estado para dar abrangência significativa a este instrumento de gestão de riscos. A relação entre o setor público e o setor privado, em que o Estado subvenciona o prêmio do seguro e assume parte do resseguro (risco catastrófico) e as seguradoras privadas assumem o risco dos agricultores, constitui-se em uma alternativa viável para a implementação de políticas de garantias à atividade agrícola. Ao Estado, esse modelo tem a capacidade de proporcionar melhores condições para a gestão orçamentária, tanto em termos de previsão como de execução, diferente das ajudas diretas em caso de catástrofes naturais, onde os gastos são esporádicos mas vultosos. À sociedade, o modelo em questão permite a transparência do custo econômico-financeiro da política, que, ao ser confrontado com os benefícios econômico-sociais, oferece os elementos para incidir sobre o gasto público. Os casos analisados permitem concluir que é possível a transparência do custo do programa de seguros no que se refere ao risco ‘puro’ do seguro (baseado em análise atuarial) e ao custo de gestão (no setor público e no setor privado). Aos agricultores, comparando-se com políticas públicas de apoio a catástrofes naturais – intervenção ex-post -, o modelo permite condições de previsibilidade para a gestão do risco agrícola, externalizando à propriedade parte do risco da atividade. A apólice de seguro constitui-se em um documento (contrato) que garante um direito que o agricultor adquiriu, não ficando à mercê das injunções de diversas ordens (políticas, orçamentárias, financeiras) a que é submetido na busca de reparo posterior à perda ocorrida. As experiências dos Estados Unidos e Espanha também demonstram a forte regulamentação a que estão sujeitas as

saúde ocupacional, São Paulo, 22(82), p.47-57, 1994.

seguradoras na operação dos seguros agrícolas. Nos dois países, o setor público é responsável pelo desenho dos produtos de seguro a ser oferecido aos agricultores. No caso da Espanha, a legislação estabelece a constituição de um “pool” de seguradoras (AGROSEGURO) para o gerenciamento do programa no âmbito da iniciativa privada.

De outro lado, o debate sobre seguros na agricultura em andamento na União Européia e o atual quadro normativo existente no âmbito da Organização Mundial do Comércio, demonstram que os seguros, enquanto instrumentos de gestão de riscos rurais, podem vir a compor, em futuro próximo, a ‘cesta básica’ de políticas públicas para a agricultura, com reconhecimento internacional.

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Conforme exposto no início do capítulo, buscamos ao longo dessas páginas iniciais situar a discussão sobre o seguro agrícola, evidenciando a relevância do tema. Assim, a abordagem realizada oferece determinado contexto de reflexões, debates e experiências sob as quais é conduzida a iniciativa do Governo do Estado do Rio Grande do Sul na implementação do programa de seguro agrícola subsidiado, tema do próximo capítulo.