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2 A IMPRENSA CARIOCA E A CONSTRUÇÃO DO NOME DO AUTOR (1890-1940) — O jornalismo é para todo o escritor brasileiro um grande bem.

2.2 Os anos de 1910 a 1920: o crítico

Na década de 1910, Pereira da Silva retorna definitivamente ao Rio de Janeiro, após sua estada no Paraná, como promotor público. A partir desse período, acompanhamos sua trajetória como crítico literário e autor de livros de poesia. Encontramos alguns artigos críticos do autor nas páginas de jornais como Gazeta de Notícias (1912), Era Nova (1922), Autores e Livros (1941-1944) e Revista da Academia Brasileira de Letras (1934-1940), como também notícias a respeito das publicações de seus livros de poesia nesses e em outros periódicos, que serão analisados ao longo deste capítulo.

Em 1912, Pereira da Silva passa a contribuir para a Gazeta de Notícias, ―[...] o jornal mais literário da época‖ (BROCA, 2004, p.161), também um periódico de grande prestígio, almejado por todo escritor, conforme assegura o próprio Bilac (1916, p.07): ―Nunca houve dama, fidalga e bela, que mais inacessível parecesse ao amor de um pobre namorado: - escrever na Gazeta; ser colaborador da Gazeta; ser da casa, estar ao lado da gente ilustre que lhe dava brilho, - que sonho!‖. Assim, neste jornal, também um jornal identificado com o sistema político vigente, não é o poeta Pereira da Silva que surge, mas o crítico literário, debruçando-se sobre o livro Eu (1912), do também poeta e paraibano Augusto dos Anjos,

sobre o qual afirma pretender apenas ―exprimir as impressões pessoais ou subjetivas que me deixaram a sua poesia e a sua poética‖ (SILVA, 1912, p.02). Esses oferecimentos sugerem um compadrio dos escritores que estabelecem uma troca de elogios aos próprios livros, uma prática muito comum herdada do século XIX, a que Silva (2015b) em seus estudos acerca das cartas de Machado de Assis, chama de crítica-amiga.

Figura 3 "A poesia e a poética do Sr. Augusto dos Anjos", por PS, em Gazeta de Notícias (1912)

Fonte: Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 07 de Agosto de 1912, p. 02. (Ver transcrição na página 217)

Justamente nesse contexto de ―crítica-amiga‖ que Pereira da Silva inicia sua matéria a respeito do livro de poesias Eu (1912), de Augusto dos Anjos, recém-lançado, afirmando estar correspondendo à gentileza deste poeta em ter se lembrado de seu nome, oferecendo-lhe o seu livro. A notícia crítica ganha destaque nas páginas da Gazeta do Rio (1912), por estar localizada em sua segunda página e ao lado de notícias políticas e policiais, que chamam a atenção do leitor. Exprimida entre essas notícias, mas não menos importante pelas razões já proferidas, o artigo de Pereira da Silva, como é de se esperar de uma notícia elogiosa, enaltece

a poesia de Augusto dos Anjos, enfatizando o sucesso de sua obra, compreendendo que sua técnica científica e naturalista, a sua poética extravagante, esquisita e esdrúxula não diminui a emoção nem a beleza estética de seus versos.

O Sr. Augusto dos Anjos, se não fosse fundamentalmente poeta, não teria conseguido com sua técnica científica os efeitos emocionantes que dão ao seu livro uma originalidade extravagante, mais incontestavelmente estética. E a sua estética é efetiva, é real – é a expressão viva de um estado d‘alma que não é só seu, mas de todos os espíritos voluptuosamente fascinados pela ciência positiva, que talvez, não engane, mas é certo que não satisfaz (SILVA, 1912, p.02).

Essa troca de gentilezas é, acima de tudo, uma forma de se dar visibilidade, próprias da característica e papel exercidos pelo jornal na difusão da literatura. Desse modo, Pereira da Silva ao ter seu nome associado a uma instância de consagração de escritores como a Gazeta de Notícias, devido às relações que possuía com reconhecidos grupos em torno dos jornais e revistas literárias de prestígio, também atraiu para si outros escritores, ávidos de consagração dentro do campo literário, como ocorrera com Augusto dos Anjos, um jovem poeta. Tal posição de crítico literário em jornais de prestígio coloca Pereira da Silva também como um produtor de bens simbólicos em seu tempo, exercendo uma função legitimadora, que passa a interferir diretamente na formação de um sistema literário de seu tempo, instaurando discursos na construção do nome de um autor, nesse caso específico, o nome Augusto dos Anjos. O que de fato aconteceu: Augusto dos Anjos pertence hoje ao cânone nacional.

Outro jovem escritor da Paraíba que obteve de Pereira da Silva uma nota elogiosa foi José Américo de Almeida (1887-1980) que na época era procurador-geral desse estado, já atuando em seu meio intelectual ao lado de novelistas como Carlos Dias Fernandes, tendo publicado em 1921 seu primeiro livro, Poetas da Abolição. No ano seguinte, oferece a Pereira da Silva a sua novela Reflexões de uma cabra (1922). A notícia a respeito desse oferecimento é transcrita em uma carta publicada pela revista paraibana Era Nova (1922)14.

A revista paraibana Era Nova (1921-1924), considerada um periódico de grande prestígio na Paraíba, publica a transcrição de uma carta que fora enviada por Pereira da Silva a José Américo de Almeida, em virtude de sua leitura da novela Reflexões de uma cabra (1922), deste autor, colaborador desta mesma revista. Estando esse gênero epistolar, no suporte jornal, acaba por revelar usos e apropriações diversas de sua utilidade originária, ou

14 A revista literária Era Nova encontra-se disponível no site <

http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/acervo.html>, que abriga, desde 2007, projetos de pesquisas financiados pelo CNPq, tendo nos jornais paraibanos o corpus para reconstituir as práticas de leitura e escrita do século XIX na Paraíba.

seja, serve à campanha de divulgação do livro recém-publicado, que encontra em Pereira da Silva uma instância de consagração de um autor e de uma obra. O título da seção, na qual é transcrita a carta, recebe o nome da novela referida, ―Reflexões de uma cabra!‖ e, logo abaixo do título, numa espécie de subtítulo, encontra-se a seguinte introdução explicativa, justificando o lugar ocupado por Pereira da Silva perante a comunidade de leitores do periódico: ―De Pereira da Silva, príncipe dos poetas paraibanos e diretor da prestigiosa revista carioca O Mundo Literário, recebeu o Dr. José Américo de Almeida, nosso brilhante colaborador, a carta abaixo transcrita, notável pela substância dos conceitos e pelo primor da forma (ERA NOVA, 1922, s/p).

Figura 4 Carta de PS a José Américo de Almeida, em Era Nova (1922)

Fonte: Era Nova, Paraíba, 01 de setembro de 1922. In: http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/eranova1922.html

Na carta de Pereira da Silva, percebe-se, com era de se esperar, um tom elogioso à novela de José Américo de Almeida, também colaborador de Era Nova, permeado de uma crítica impressionista, como podemos perceber na conclusão da carta, sobre a novela Reflexões de uma Cabra, após tecer alguns comentários a respeito da humanidade dos personagens da obra:

Passamos por outros tantos fantasistas, quando ninguém, nesta miséria mundana, materialista, melhor do que nós o vazio sonoro com que vamos rolando da manjedoura de Belém às culminâncias... do Calvário. O que ainda nos vale, meu caro, é a estrela dos magos. Sem esse milagre, que ficou em nossa alma, já não suportaríamos mais este exílio de todos os dias e de todas as noites... – Direi algo do teu livro no próximo n˚ da minha revista15 (SILVA, 1922, s/p).

O encerramento da carta revela outro aspecto que merece destaque, pois representa a visão do poeta a respeito do cenário intelectual brasileiro, em que, mais uma vez, insere os autores paraibanos: trata-se da divulgação e a valorização de seus autores e obras em sua revista. Confirmando essa valorização, Pereira da Silva acrescenta o quanto essas personalidades paraibanas e do Nordeste são significativas na formação cultural brasileira, como se percebe em outro trecho abaixo transcrito da carta, quando se refere a José Américo de Almeida:

Não imagina com que regozijo mental reconheço no seu talento a verdadeira orientação de uma literatura genuinamente brasileira. Era do Norte que eu esperava essa emulação para o estudo, a crítica, a apreciação, a apologética ou o sarcasmo de que é autenticamente nosso: qualidades e defeitos, vícios e virtudes (SILVA, 1922, s/p).

A valorização da produção literária da Paraíba pode ser também percebida em outra carta de Pereira da Silva transcrita em Era Nova (1922), como resposta de agradecimento pelo artigo publicado nesta revista por Guimarães Sobrinho, um de seus redatores, sobre o livro Holocausto (1921). Nesta carta, portando-se com humilde retórica, própria do capatio benevolentiae, afirma Pereira da Silva, ao agradecer as palavras acerca de seu livro:

A Paraíba oferece tal coeficiente propulsar da história cultural brasileira que eu não poderia aspirar maior honra do que a de ver o meu nome ao par de tantos outros ilustres nas artes e nas letras. Apesar de não ter, até hoje, um só filho seu na Academia de Letras, estou certo de que a posteridade nunca deixou de reparar injustiças e assim procederá com os poetas e escritores da

nossa terra. A um deles, Augusto dos Anjos, (que nome augural!) já a morte, embora prematura, atraiu os louros de uma glória imperecedora (SILVA, 1922, s/p).

A sugestão de uma reparação à injustiça de não ter um nome paraibano na Academia Brasileira de Letras, citada pelo autor reforça a campanha de Pereira da Silva para adentrar nesta Casa de Machado de Assis, sobre o qual iremos tratar mais adiante.

A transcrição desta carta para o jornal Era Nova também assume usos e apropriações – além das já referidas em outros momentos neste – que nos faz reportar ao final do século XIX, quando ela também foi responsável pela instauração de uma crítica literária seletiva que solidificou uma ―panelinha‖ de literatura. Segundo Silva (2015b), o próprio

Machado de Assis e alguns de seus companheiros promoveram uma crítica literária que, de alguma forma, contribuiu para a promoção de muitos escritores, se não eternizados na história da literatura brasileira, no mínimo, prestigiados em seu próprio tempo pela classe intelectual, que era próprio do público leitor (SILVA, 2015b, p.158).

O mesmo observa-se ocorrer nas cartas transcritas em Era Nova (1922). As epístolas vão revelando Pereira da Silva agradecendo as considerações sobre seu livro e tecendo outras a respeito de autores ainda estreantes no cenário literário, de modo que nos sugere um laço entre os intelectuais e a benevolência no trato de um discurso retórico apropriado. No caso dos autores que Pereira da Silva retoma em suas cartas: Augusto dos Anjos e José Américo de Almeida, mais tarde, tornam-se eternizados pela história da literatura.

Dentre os protocolos assumidos por esse gênero nos jornais, como analisa Barbosa (2011), o que nos interessa é tratar-se esse gênero e sua escrita no jornal um artifício de convencimento, cujo destinatário é a própria comunidade de leitores do jornal, buscando estabelecer um diálogo entre comunidades diferentes, uma vez que na carta transcrita Pereira da Silva compromete-se em publicar artigo sobre o livro de José Américo de Almeida em seu jornal O Mundo Literário. Desse modo, a transcrição da carta para Era Nova revela a tentativa do jornal em dar ao autor José Américo de Almeida um lugar de destaque para a comunidade de leitores deste periódico como também projetar esse autor e sua literatura na imprensa carioca, sendo, portanto, um grande passo para sua consagração e para a própria circulação da novela escrita pelo autor. Ao mesmo tempo, Pereira da Silva é colocado por Era Nova em posição de destaque como um grande crítico de prestígio na imprensa periódica. Seu lugar de prestígio é reforçado em outras notas, quando a Era Nova anuncia a revista O Mundo Literário, da qual Pereira da Silva era redator. Sobre a revista, tem-se o seguinte comentário:

―[...] puramente literário [...]. Por isso mesmo, merece ser lida e amparada por todos que se interessam pelas coisas do espírito, a brilhante revista de Pereira da Silva e Théo Filho. Recomendamos, portanto, aos nossos leitores o útil e interessante mensário‖ (ERA NOVA, 1922, s/p).

Pereira da Silva também escreve sobre outros autores nacionais, publicados em jornais como o Suplemento Literário Autores e Livros, um periódico direcionado a notícias e divulgação da cultura brasileira em suas várias expressões artístico-culturais. O mesmo ocorre com a Revista da Academia Brasileira de Letras, uma publicação mensal contendo a transcrição de discursos e pronunciamentos feitos por seus membros assim como artigos e ensaios críticos de autores e obras, na qual se percebe participação de Pereira da Silva, a exemplo do artigo sobre a poesia de Machado de Assis (Ver transcrição na página 219), em homenagem às comemorações do centenário de nascimento deste autor.