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3 PEREIRA DA SILVA: ENTRE A CRUZ E O MUNDO

3.1 Revista Rosa Cruz: entre cruzes e rosas

3.1.2 Cruz e Sousa: uma homenagem, uma estratégia

No que se refere ao surgimento da revista Rosa Cruz, encontramos mais notícias por meio da publicação de Tavares Bastos (1969), do livro O Simbolismo no Brasil e outros escritos, no qual reúne diferentes trabalhos de diversas épocas em memória dos escritores simbolistas, com quem teve convivência, considerando-se, portanto, um ―sobrevivente tardio de um pequeno grupo de discípulos de Cruz e Souza, formado em torno da figura inconfundível de Saturnino Meirelles, [...]‖ (BASTOS, 1969, p.5). Neste livro, Tavares Bastos traz o texto Como surgiram os místicos da Rosa-Cruz, publicado pela primeira vez no Jornal do Comércio (RJ), em 14 de março de 1937. Neste artigo, o autor conta a história do surgimento da revista, disserta sobre sua organização e faz referência honrosa ao seu diretor Saturnino de Meirelles, transcrevendo-lhe cartas, nas quais Saturnino de Meirelles desabafa sobre as dificuldades em manter a revista Rosa-Cruz em circulação.

Quanto ao propósito de homenagem a Cruz e Sousa, objetivo levantado pelos autores citados neste capítulo, tal fato chamou a atenção do pesquisador Petry (2001), que, em sua dissertação de mestrado, aponta para outras chaves de leitura prováveis. Este autor aponta para outras entradas de leitura a partir de um estudo minucioso que fez a respeito da revista Rosa-Cruz, numa análise centrada unicamente nos elementos da revista e, com base nela, o autor conclui que a revista não apresenta indícios suficientes que possam servir de justificativa que sustente a hipótese, já amplamente aceita pelos discursos lidos para esta tese, de que Rosa Cruz foi um periódico escrito unicamente para homenagear Cruz e Sousa. Entre esses indícios estão o fato de que

[...] não há textos analíticosrelativos ao poeta, não há homenagem explícitas, não há textos apresentando essa proposta para a revista, ou seja, não há argumentos, na revista – é preciso deixar claro que estamos "mergulhados" no arquivo –, de uma função homenagem (PETRY, 2001, p.178).

Petry (2001) acrescenta que entre os fatos que levaram autores a considerar Rosa Cruz uma revista em homenagem a Cruz e Sousa estão os de questões externas à revista, como o grupo a que ela pertence:

[...] foram Saturnino de Meirelles juntamente com Nestor Victor os responsáveis por dar um funeral digno a Cruz e Souza, ambos também herdaram o inventário do escritor – em conjunto com as declarações de Cassiano Tavares Bastos, Andrade Muricy e Antonio Dimas fortalecem a leitura de que a revista Rosa-Cruz possui a função de homenagem (PETRY, 2001, p.177).

Continuando sua defesa, a fim de justificar que o método utilizado para a análise da revista Rosa Cruz aponta outra ou outras possibilidades de leitura, Petry (2001), com base na lista de autores que têm seus textos publicados em seus exemplares, divide seus colaboradores em 4 grupos: o de estrangeiros, o do trio simbolista, o dos menores e o dos anônimos.

No primeiro grupo encontram-se contribuições de autores ligados ao movimento ou à ideologia simbolista, todas escolhidas pelo editor da revista para complementar suas publicações, totalizando 10 nomes, com 14 textos publicados. Entre eles estão João Barreira, Charles Baudelaire, Maurice Bigeon, Tristan Corbière, Conde de Lautréamont, Maurice Maeterlinck, Stéphane Mallarmé, Friedrich Nietzsche, Sar Péladan e Arthur Rimbaud.

Já o segundo grupo é composto pelo trio simbolista brasileiro Alphonsus de Guimaraens, Luiz Delfino e Cruz e Sousa. Segundo Petry (2001), este foi o que mais publicou, totalizando 32 colaborações, entre poemas e ensaios críticos. O terceiro grupo, chamado de ―menores‖, mas não menos importantes, estão presentes autores estudados pela crítica especializada no movimento simbolista, totalizando 72 textos, entre poemas e ensaios; sendo, portanto, o grupo dominante da revista e o responsável pelo seu custeio. A esse grupo pertence o poeta Pereira da Silva. O quarto e último grupo, ainda segundo Petry (2001), são compostos por autores que ele chamou de ―desconhecidos‖, porque não possuíam crítica consolidada na época nem atualmente ou aparecem em referências, mas sem informações seguras suficientes. Este grupo totalizou a publicação de 13 textos. A respeito do grupo dos ―menores‖ e dos ―desconhecidos‖, Petry (2001) acrescenta que muitos dos que pertenceram ao grupo dos ―menores‖ podem, atualmente, ser considerados do grupo dos ―desconhecidos‖, uma vez que alguns foram perdendo seu espaço dentro da história e da produção literárias. É o

caso de Pereira da Silva que, apesar de ter pertencido a um grupo que colaborava economicamente com a Revista e ter possuído uma crítica literária significativa em seu tempo, conforme abordaremos em capítulo posterior, atualmente encontra-se no rol dos ―esquecidos‖ pela história da literatura atual.

Petry (2001) conclui sua categorização justificando o fato de que além do objetivo da revista em homenagear o poeta simbolista Cruz e Sousa, uma vez que este possuía o maior número de textos individuais (16 textos publicados), a Rosa Cruz serviu, principalmente, de veículo para publicação de novos autores simbolistas. Este fato se confirma no que se refere a Pereira da Silva, pois ele começa a contribuir para essa revista em 1904, ano que marca seu retorno ao Rio de Janeiro, um ano depois da publicação do seu primeiro livro Vae Soli! (1903). Nesse sentido, a revista Rosa Cruz serviu para alguns autores, a exemplo de Pereira da Silva, como um instrumento de inserção no mundo literário e jornalístico carioca, sem fugir de suas raízes estéticas, além de uma possibilidade de ver seus textos inéditos publicados, isto é, criar um público e se dar visibilidade dentro do campo de produção literária.

O primeiro ensaio de Pereira da Silva publicado na revista Rosa Cruz foi em junho de 1904, portanto, na segunda fase do periódico. Assim, o poeta contribui com poesias e ensaios críticos em todos os exemplares de Rosa Cruz do ano de 1904, como podem ser verificados nas imagens abaixo, cópias dos sumários das revistas desse ano.

Figura 22 Sumário das Revistas Rosa Cruz de 1904

Nessas edições de 1904, Pereira da Silva contribui com ensaios críticos, crônicas poéticas e poesias. Na primeira edição de junho, temos Maurice Maeterlinck26, um ensaio crítico sobre alguns dos livros deste autor simbolista, cuja ilustração, feita pelo também colaborador da revista Mauricio Jubim, encontra-se na página seguinte à folha de rosto da revista. O segundo é o soneto ―Segunda voz‖, de tema espiritualista, marca predominante nas poesias de Pereira da Silva. Na edição de julho, o poeta assina ―Da eterna consolatione‖ e ―A outra luz‖, ambos de caráter intimista, melancólico e espiritualista, sendo o primeiro uma espécie de crônica poética; e o segundo, um soneto. Por fim, na edição de agosto, Pereira da Silva escreve outra crônica poética intitulada ―Adoração‖, tendo também nessa edição A. S. de Castro Meneses27, colaborador da Revista Rosa Cruz, dedicado ao poeta seu soneto ―Beethoven‖. Os gêneros aqui mencionados, que não foram publicados nos livros de poesia de Pereira da Silva, encontram-se em nossos anexos.

Nesse sentido, portanto, a análise do arquivo da revista e sua indexação, com suas listas de autores e grupos divididos por autor, aliados aos indícios externos ao periódico, isto é, o fato de pertencer seu editor a um grupo ligado a Cruz e Sousa, podemos chegar à conclusão de que as duas entradas não estão em campos opostos, ao contrário, interligam-se. Homenagear Cruz e Sousa, pertencer a um grupo simbolista e fundar uma revista para esse fim é uma forma de buscar estratégias de manutenção de uma estética abalada pelas conjunturas literárias de seu tempo, como também, uma estratégia por parte dos autores ―novos‖ em inserir-se neste campo de produção literária e jornalística, uma vez que:

[...] não se pode negar que os jornais, proporcionando trabalho aos intelectuais, mesmo quando se tratava de simples rotina de redação, sem nenhum cunho literário, facilitava a vida de muitos deles, dando-lhe um

second métier condigno, no qual podiam, certamente, criar ambiente para as

atividades do escritor (BROCA, 2004, p.286).

As análises aqui apresentadas a respeito da revista Rosa Cruz, nesse sentido, tornam-se importantes, pois são dados reveladores do lugar que Pereira da Silva ocupou na esfera literária e jornalística e as lutas empreendidas por ele para inserir-se no campo de produção literária de seu tempo. O fato de Pereira da Silva pertencer ao grupo de autores que contribuía

26 Poeta e dramaturgo belga, Maurice Polydore Marie Bernard Maeterlinck (1962-1949) é considerado o

principal expoente do teatro simbolista. Estreando na França como poeta simbolista, escreveu várias obras de poesia e teatro, como ―A intrusa‖ e ―O Cego‖, ambas de 1890. Recebeu o prêmio Nobel da Literatura em 1911 e em 1932 recebeu o título de conde da Bélgica.

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Álvaro de Castro Menezes contribuiu com dez textos na Revista Rosa Cruz, tendo participado de seu grupo formador. No entanto, até o momento, não obtivemos nenhuma informação a seu respeito até o momento.

financeiramente para a publicação da revista, os que a patrocinavam, mostra-nos uma necessidade do poeta: criar em torno de si alianças capazes de inserir-se no mercado de bens simbólicos. No entanto, a postura adotada pelo editor de Rosa Cruz, isto é, o isolamento estético e a ausência de anúncios, acabam por restringir muito esse círculo de alianças.

Essa postura da revista vai ao encontro do estilo de vida que Pereira da Silva adotou ao longo de sua trajetória: um isolamento estético, político e social, restrito aos seus pares, e sem grandes lucros do ponto de vista econômico, como Azevedo (1966) relembra, em seu livro Eles deixaram saudades, ao relatar o episódio da morte de Pereira da Silva, transcrevendo trechos da seção de Austregésilo de Athayde, em O Jornal, sobre o velório do poeta. Nela, Austregésilo de Athayde considera uma incoerência ver o caixão do poeta na ABL com toda pompa e cerimônias, pois considera que:

A morte do homem não deve ser diferente da sua vida. E, Pereira da Silva era a negação da pompa, das cerimônias protocolares, das coisas vistosas com que se enfeita a vaidade humana. Tudo nele era discreto, vinha muito do fundo da alma e tinha a mesma aparência triste e despreocupada de seu físico. [...] Nunca assinava os artigos e teimosamente preferia ficar anônimo nos editoriais que poderiam bem colocá-lo entre os mais ilustres servidores da imprensa em nossa terra (AZEVEDO, 1966, p.35).

O livro Eles deixaram saudades (1966) reúne uma coletânea de artigos sobre poetas que Jorge Azevedo julgou importantes e merecedores de serem lembrados, entre eles os poetas Pereira da Silva, Alphonsus de Guimaraens e Olavo Bilac, numa lista de 32 nomes. O próprio título do livro encerra em si mesmo o propósito dessa antologia: reavivar figuras do passado. No entanto, apesar de todo esforço por reavivar a poesia do passado, Pereira da Silva, diferentemente de Alphonsus de Guimaraens e Olavo Bilac, também relembrados nessa coletânea, e tantos outros da revista Rosa Cruz foram sendo apagados da memória cultural brasileira.