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Pereira da Silva e a Academia: entre a mortalidade e a imortalidade

3 PEREIRA DA SILVA: ENTRE A CRUZ E O MUNDO

4 AS INSTÂNCIAS DE CONSAGRAÇÃO: MANUTENÇÃO E APAGAMENTO DO AUTOR

4.2 Pereira da Silva e a Academia: entre a mortalidade e a imortalidade

A Academia Brasileira de Letras é uma instituição cultural inaugurada em 20 de julho de 1897. Entre seus objetivos está o de cultivar a língua e a literatura nacionais. As primeiras notícias a respeito de sua fundação foram noticiadas pelos jornais Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio. No entanto, segundo Jorge (1999), a ideia de fundar esta instituição remota aos tempos do Império, época do reinado de Dom Pedro II.

Sob os auspícios desse soberano, na sessão do dia 10 de junho de 1847 do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi apresentada uma proposta para ser criada uma sociedade que se ocupasse, especialmente, da literatura, da linguística e da arte dramática. [...] Ainda em 1847, no dia 22 de junho, o parecer sobre a proposta obteve a sua aprovação. Segundo este parecer, a sociedade se denominaria ―Academia de Literatura Brasileira‖, [..] diga-se

Academia Brasileira (JORGE, 1999, p.19 (grifos do autor)).

Apesar da aclamação, a iniciativa ficou suspensa, conforme afirma Jorge (1999), só retornado as discussões a esse respeito trinta anos após, numa reunião ocorrida no mesmo Instituto Histórico em 24 de maio de 1878, sobre a presidência de D. Pedro II, sendo a proposta defendida por figuras ilustres da época como José de Alencar, Franklin Távora, entre outros, para consolidar-se, finalmente, após a proclamação da República.

As preparações para a fundação da ABL, a que tivemos acesso, são anunciadas nas páginas do jornal Gazeta de Notícias desde novembro de 1896. Nesta data, em matéria de capa intitulada ―Academia de Letras‖, o periódico anuncia como se dará a sua constituição. O jornal afirma que a ideia de sua fundação foi retomada por Lúcio Mendonça, em virtude de se encontrar um homem de letras, o Sr. Dr. Alberto Torres, na posição de diretor do ministério do interior do governo. Lúcio Mendonça vê esta ocasião como uma boa oportunidade de colocar em prática o projeto nunca consolidado até então. Acrescentam-se ainda as considerações de Venâncio Filho (2004), em discurso proferido em conferência na ABL, no dia nove de março de 2004 na sessão de abertura do ciclo Origens da Academia, o qual afirma que ―[...] a iniciativa foi facilitada pela existência de duas publicações: a Semana de Valentim Magalhães, e a Revista Brasileira de José Veríssimo, focos de reunião, esta última em ante- sala da Academia‖ (VENÂNCIO FILHO, 2004, p.09). O momento realmente parecia propício:

A Academia de Letras será fundada pelo governo, e o decreto de sua criação terá provavelmente a data de 15 de novembro; na mesma data o governo nomeará os dez primeiros membros desse instituto, e eles elegerão outros vinte e mais dez correspondentes, dentro os escritores nacionais residentes nos Estados ou no estrangeiro. As vagas que se derem depois serão preenchidas por eleição (Gazeta de Notícias, ano XXII, 10 de novembro de 1896, no 315, p.01).

Apesar de ter tido as verbas iniciais custeadas por governo, como também a concessão de uma sala para suas reuniões, essa instituição pretendia ser constituída sem distinção de credo político, sendo composta por homens que ocupassem posições ilustres dentro do cenário cultural que também não manifestassem nenhum envolvimento de ordem política. Por essa razão, o jornal afirma que estes mesmos homens não aceitariam uma nomeação oficial, mas uma eleição entre seus pares. Entre os seus membros, conforme noticia a Gazeta de Notícias, elegeu-se um presidente, um bibliotecário e um secretário, sendo este último perpétuo. Finalmente, nas sucessões de notícias a respeito das reuniões preparatórias para a formatação da ABL, o periódico deixa claro que as letras nacionais possuíam um número grande de expoentes merecedores de ocupar essas vagas. No entanto, seguindo o modelo da Academia Francesa, apenas poderiam compor o quadro do Petit Trianon, quarenta ilustres homens das artes, sendo eleitos inicialmente trinta:

A princípio, disse-se, uma dificuldade surgiu pavorosa diante do espírito do legislador: era saber se ao certo tinham existência real, comprovada, entre nós, trinta cavalheiros dados às letras... Verificou-se após ligeiro exame que existiam – nada menos de trinta mil. Daí a consequente segunda dificuldade: a eleição inteligente e justiceira dos que deixariam na penumbra os 29.970 restantes. E, nesse momento, remédio salvador e eficaz ocorreu ao promotor da ideia: nomear para os trinta lugares os que compõem o cenáculo literário onde oficia como grande sacerdote o Dr. Castro Lopes (Gazeta de Notícias, ano XXII, 10 de novembro de 1896, no 315, p.01).

Essas palavras revelam o esforço de se atribuir status cultural à ABL, ou seja, ser uma instância de consagração e legitimação do campo literário. Assim, apesar de muitos serem os capazes de pertencer a ela, poucos serão os eleitos de fato, poucos terão o direito à imortalidade. Assim, eleitos os trinta primeiros, seguem-se notícias a respeito da escolha de seus patronos, ficando assim distribuída, conforme noticia a Gazeta de Notícias:

Figura 29 Membros da Academia de Letras, Gazeta de Notícias40 (1897)

Fonte: Gazeta de Notícias, 12 de fevereiro de 1897. Ano XXIII, no 43.

O que essa lista pode revelar-nos é que, contraditoriamente ao que foi destinada a Academia: uma instância de consagração e distinção artística, essa mesma consagração e distinção existente na época desses imortais – figuras de destaque na vida literária, e mesmo após 1897 muitos obtiveram uma trajetória de êxito –, passados mais de um século, muitos desses nomes caíram no esquecimento. Assim, concordando com as palavras do acadêmico Venâncio Filho:

Quem se recorda hoje de Luís Murat, Filinto de Almeida, Teixeira de Melo, Urbano Duarte, cujo centenário da morte em 2002 ocorreu em branca nuvem, Garcia Redondo, Pedro Rabelo, Luís Guimarães Júnior? Antes que se erija o monumento ao acadêmico desconhecido, cabe a nós manter viva a chama votiva de nossos predecessores, como agora estamos fazendo com

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De acordo com uma disposição do seu regimento, alguns membros da Academia de Letras já escolheram para designar suas cadeiras os nomes dos seguintes vultos da nossa literatura: Afonso Celso escolheu Theophilo Dias; Araripe Júnior, Gregório de Matos; Arthur Azevedo, Martins Pena; Barão de Loreio, Junqueira Freire; Coelho Neto, Álvares de Azevedo; Eduardo Prado, Visconde do Rio Branco; Graça Aranha, Tobias Barreto; Inglês de Souza, Manuel de Almeida; Joaquim Nabuco, Mariel Monteiro; José do Patrocínio, Joaquim Serra; José Veríssimo, João Lisboa; Lúcio de Mendonça, Fagundes Varela; Luiz Murat, Adelino Fontoura; Machado de Assis, José de Alencar; Olavo Bilac, Gonçalves Dias; Pedro Rabello, Pardal Mallet; Rodrigo Otávio, Raul Pompeia; Silva Ramos, Thomaz Gonzaga; Teixeira de Mello, Casimiro de Abreu; Valentin Magalhães, Castro Alves; Visconde de Taunay, Francisco Otaviano. Os restantes não designaram os nomes das respectivas cadeiras.

Lúcio de Mendonça na véspera do seu nascimento (VENÂNCIO FILHO, 2004, p.10).

O mesmo também ocorrera a Pereira da Silva. Salvo os esforços em manter viva a memória de seus membros, o que constantemente ocorre em sessões de homenagens nas datas comemorativas de nascimento e morte dos autores, pertencer à Academia Brasileira de Letras não garante sua manutenção dentro do campo literário, uma vez que tais esforços ficam reclusos às salas do Petit Trianon, o que acaba não garantindo uma permanência no cânone nacional, o conhecimento e reconhecimento destes autores por uma comunidade de leitores que possam dar sentido, visibilidade e circulação ao escrito.

Assim, quinto ocupante da cadeira de número 18, Pereira da Silva foi eleito em 23 de novembro de 1933, na vaga deixada pelo seu amigo e poeta Luis Carlos da Fonseca Medeiros de Barros (1880-1932), após três sucessivas tentativas frustradas, apesar da grande campanha em seu favor, realizada pelos jornais e pelos acadêmicos amigos seus como o próprio Luis Carlos que sempre votou no colega. Dessa última vez, a campanha foi ainda maior, porque a vaga era de seu amigo íntimo que, à beira da morte, pediu aos companheiros acadêmicos que elegessem Pereira da Silva para sua vaga, segundo Azevedo (1966). O desejo de Luis Carlos é atendido e, no ano seguinte, aos 26 de junho, o autor toma posse definitivamente na ABL e é recebido pelo acadêmico Adelmar Tavares – acontecimento este, conforme já foi abordado, amplamente divulgado pela imprensa jornalística.

Durante sua permanência na ABL, Pereira da Silva foi um membro atuante, participando de várias sessões, apresentando discursos sobre Machado de Assis, Gonçalves Dias, Silva Alvarenga, Adelmar Tavares, Paulo Barreto, Luiz Murat, Luiz Carlos, entre outros, além de ocupar cargos de direção como o de bibliotecário, em 1938, e o de 1º secretário, em 1941, conforme atestam as publicações da Revista da Academia Brasileira de Letras dos referidos anos.

Figura 30 Diretoria da ABL (1938)

Fonte: Revista da Academia Brasileira de Letras. Anais de 1938. Ano 30. Volume 55.

Figura 31 Diretoria da ABL (1941)

Após sua morte, seu nome é relembrado nas sessões acadêmicas dirigidas às comemorações dos aniversários de nascimento de seus autores, conforme pudemos verificar nos exemplares da Revista da Academia Brasileira de Letras, cujo último registro data do ano de 1966, em comemoração ao nascimento de Pereira da Silva, em discurso proferido por Peregrino Júnior que substituiu o autor na cadeira no 34, com quem também possuía grande amizade desde o tempo em que ambos trabalhavam na Central do Brasil.

Conclui seu discurso atestando o fato de que Pereira da Silva, apesar de ter tido em seu momento ―repercussão excepcional na vida literária‖, está totalmente esquecido, ―[...] pois a última vez que dele se falou foi exatamente no discurso em que lhe fiz elogio aqui nesta casa‖ (PEREGRINO JÚNIOR, 1966, p.36).

No entanto, nem só de admiração e respeito conviveu Pereira da Silva durante sua estada na ABL. Jorge (1999), em suas críticas sarcásticas com toques de humor à instituição acadêmica das letras, relembra um episódio em que o acadêmico Celso Vieira se opôs à mulatice de Pereira da Silva, denunciando, assim, casos de racismo dentro do Petit Trianon.

A ocasião narrada data do dia 23 de julho de 1933, ano em que o nome de Pereira da Silva concorria à vaga deixada pelo poeta Luis Carlos na ABL com perspectivas certas de vitória, conforme analisamos no primeiro capítulo desta tese. Nela, o já sucessor de Santos Dummont, o pernambucano e autor de uma biografia sobre o padre Anchieta, Celso Vieira, segundo Jorge (1999), declarou ao acadêmico Humberto de Campos que a Academia, sendo um ―instituto representativo de um país dominado pela raça branca‖, encontra-se ameaçada pelos homens de cor. Entretanto, não se tratava de qualquer homem de cor, mas especialmente os ―poetas mulatos e desleixados, como o Pereira da Silva.‖ (JORGE, 1999, p.176), a quem também critica a qualidade de sua produção poética. Ou seja, além de preto e pobre, um mal poeta.

Em contrapartida, Jorge (1999, p.177) discorda da opinião de Celso Vieira, a quem chama de ―escritor medíocre, tedioso, de estilo duro, indigesto‖, cujas críticas são um paradoxo, por parecer o mesmo com a cara de ―um negrão pintado de branco‖, que só conseguiu, com os olhos de seu preconceito, ―[...] enxergar e condenar o sangue de mulato do elegíaco nascido na serra da Borborema‖ (JORGE, 1999, p.177). Para Jorge (1999, p.176), Pereira da Silva era de fato um grande poeta, ―mas um grande poeta cheio de tristeza, de desalento, de pessimismo‖.

A condição humilde com que vivia Pereira da Silva é lembrada por Fonseca (1993), ao relatar a ocasião em que o Interventor Federal da Paraíba, Gratuliano de Brito, recebe de Alcides Carneiro um telegrama em que este solicita à Paraíba a compra do fardão para seu

poeta conterrâneo em virtude de ele não reunir condições econômicas suficientes para fazê-la. O que de fato ocorreu. O governo paraibano não só ofereceu o fardão ao seu conterrâneo como a bancada do Estado na Assembleia Nacional Constituinte,

[...] juntamente com amigos e admiradores, promoveram uma grande festa na noite de 25 de junho de 1934 na Associação Brasileira de Imprensa, tendo na oportunidade falado em nome dos paraibanos o Dr. Castro Pinto. Sob viva emoção, Pereira da Silva fez o discurso de agradecimento, [...] (FONSECA, 1993, p.15).

A notícia acerca dessa homenagem está no jornal A imprensa (PB), de 07 de julho de 1934, reproduzida por Fonseca (1993, p.92) em seu documento biográfico sobre Pereira da Silva. Nela, anuncia estarem os poetas Tasso da Silveira e Cecília Meireles entre os presentes, que também recitaram versos do poeta homenageado.

A presença e o espaço que recebeu Pereira da Silva pela imprensa periódica, além de ser, entre os escritores nascidos na Paraíba, o primeiro a ocupar uma cadeira na ABL, tornaram-no patrono da cadeira no 34 da Academia Paraibana de Letras, fundada em 14 de setembro de 1941. No entanto, à exceção das publicações de discursos acadêmicos, geralmente em ocasião de datas especiais, a exemplo da Coletânea de discursos com notas bibliográficas de paraibanos na Academia Brasileira de Letras, de Manuel Batista de Medeiros, que ainda obteve duas edições; além de alguns documentos e a antologia Coletânea de poetas paraibanos, de Luiz Pinto, encontrados na biblioteca da APL, pouco ou nada pôde conhecer-se sobre Pereira da Silva em últimas visitas a esta casa.

Acrescenta-se ainda a essa ausência na APL o fato de não existir na sua biblioteca nenhum livro do autor, um silêncio que também contribui para o apagamento do escritor e a consequente ausência de uma comunidade de leitores para seus livros, mesmo entre seus pares, apesar dos artigos sobre eles publicados nos periódicos Era Nova e A União, ao qual nos referimos no primeiro capítulo, revelarem o que Silva (2015b) chama de ―crítica-amiga‖. Ao contrário, na ABL, foram-nos apresentadas várias edições da Revista da ABL, com textos escritos por e sobre Pereira da Silva, além de dois de seus livros, Holocausto (1921) e O pó das sandálias (1923). No primeiro, encontra-se uma dedicatória escrita pelo próprio Pereira da Silva, conforme figura 33.

Figura 32 Holocausto (1921), de PS, autografado

Fonte: SILVA, A. J. P. da. Holocausto. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1921 (acervo da ABL).

As Academias, apesar de exercerem um papel significativo para a formação do cânone literário, uma vez que seus nomes passam a servir como uma das referências para certa comunidade de leitores e ponto de partida para pesquisadores, como foi o caso desta pesquisa, não conseguem manter o nome do autor consagrado ao longo do tempo. Muitos de seus membros permanecem no esquecimento, sendo apenas retomados por iniciativas ora acadêmicas, ora políticas ora individuais. A referência à comemoração da morte de Pereira da Silva no discurso proferido por Peregrino Júnior, que analisamos anteriormente, foi a última palavra sobre o autor na ABL, de acordo com as edições da Revista da Academia Brasileira de Letras a que tivemos acesso. Tal fato demonstra o também apagamento de Pereira da Silva nesta instância de consagração e manutenção do campo literário.

Dessa forma, a morte de seus amigos e companheiros de jornais, de seus pares, foi fator que pode marcar, segundo as fontes pesquisadas, quando começou o apagamento do nome do autor, assim como ocorrera com os jornais e a crítica literária. Essa hipótese torna-se válida para nós, uma vez que após a morte de Pereira da Silva, sua retomada histórico-literária dá-se dentro do meio acadêmico, fruto de pesquisas sobre a literatura paraibana, a exemplo das pesquisas realizadas pelo pesquisador Hildeberto Barbosa.

Além disso, o nome de Pereira da Silva não ecoou em outra instância, o sistema de ensino, instituição responsável para a consagração definitiva de um nome e de uma obra.