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7 ESTADO BRASILEIRO E SUAS REFORMAS ADMINISTRATIVAS

7.2 ANOS 30: RUPTURAS E CONTINUIDADES

A chamada Revolução de 1930, mais do que uma nova conjugação de forças políticas, representou o ponto de inflexão da economia brasileira de base agrária. Abrucio, Pedroti e Pó (2010) dizem que o modelo de administração inaugurado por Getúlio Vargas abre uma nova era por três razões: a) ampliação do papel do Estado nos âmbitos econômico, político e social em nome do projeto modernizante nacional- desenvolvimentista; b) constituiu uma nova burocracia baseada nos moldes weberianos como combate aos laços clientelistas e patrimonialistas; c) a essa burocracia profissional, meritocrática e universalista foi dada a responsabilidade de produzir políticas públicas em larga escala.

Os primórdios da industrialização brasileira são afetados, paradoxalmente, de forma positiva pela Grande Depressão americana de 1929. Ao mesmo tempo em que abalou contundentemente as exportações brasileiras de café, principal item da pauta de exportações da época, ensejou também um processo de aceleração da política de industrialização via substituição de importações, como saída para a crise. Ou seja, as decrescentes receitas da balança comercial já não eram suficientes para financiar a importação de bens industrializados de que o país necessitava. A fonte de divisas (exportação do café) que financiou o primeiro ciclo da industrialização brasileira dava sinais de esgotamento e eram necessárias medidas de superação desse estrangulamento econômico. O Estado era então o único ator que poderia exercer esse papel naquela conjuntura.

Para atingir tal intento, Getúlio Vargas entendia que as estruturas do aparelho oligárquico vigentes eram inadequadas ao projeto modernizante da economia brasileira de substituição de importações. Inicia-se o processo de profissionalismo do serviço público no Brasil, podendo ser considerado como a primeira tentativa de modernização da administração pública brasileira.

A reforma do escopo do Estado e de sua administração pública tornou-se premente. A cultura patrimonialista com vícios paternalistas na administração pública não se coadunava com as novas necessidades modernizadoras de governabilidade. Havia a necessidade da racionalização burocrática do serviço público, notadamente nas áreas de pessoal, de material e de finanças, como medida de combate aos vícios existentes.

Aquele período foi caracterizado por forte industrialização, reforma do serviço público e criação de empresas públicas. O resultado da instável aliança política entre Getúlio Vargas e demais atores o fez tomar decisões arbitrárias que culminaram em um governo autoritário e organizado burocraticamente no seu primeiro mandato, bem ao contrário do Estado liberal sonhado no passado.

A administração de Getúlio Vargas transferiu o poder dos estados para o governo central, assumindo importante papel para a sociedade e a economia. Do ponto de vista econômico, havia um intenso movimento de industrialização e urbanização acompanhado por políticas públicas. O processo de modernização envolveu um Estado capaz de agir nos setores da economia, na criação de diferentes instituições públicas e na implantação de novas políticas.

Apesar da derrocada das oligarquias paulista e mineira, elas ainda detinham forte poder político durante boa parte do século XX, o que deixava Getúlio Vargas cauteloso ao elaborar políticas de bem-estar. Engenhosamente, o Presidente concentrou atenção nas questões dos trabalhadores urbanos vinculados à indústria, mas não se intrometeu nas relações dos trabalhadores rurais, onde o predomínio das oligarquias ainda era vigente (MEDEIROS, 2001).

Por exemplo, Getúlio Vargas fez uso do clientelismo que lhe permitiu manter as velhas oligarquias políticas sob controle na sua primeira gestão. Criou o corporativismo como estratégia para organizar as relações do Estado com a sociedade e estimulou o insulamento burocrático como forma de proteger as agências da influência política das elites políticas da época.

A despeito do formalismo liberal presente na Constituição de 1891, o clientelismo apresentou-se como traço distintivo da República Velha enquanto modo dominante de articulação entre sociedade e sistemas político e social. Contudo, a cultura do clientelismo como um padrão de troca não exigia como condição necessária a presença do agrarismo e do atraso oligárquico. Como padrão específico de troca social, o clientelismo também pertence à modernidade e

manifesta compatibilidade com outras formas de configuração social (LESSA, 2003, p. 7).

O corporativismo completava a estratégia de modernização do Estado ao permitir a intermediação dos interesses de empresários e trabalhadores. Já o clientelismo era o instrumento político por excelência para garantir a implantação de políticas modernas e, simultaneamente, era o seu maior adversário (BRESSER- PEREIRA, 2003).

Getúlio Vargas organizou o aparato do Estado seguindo o modelo weberiano burocrático. Nesse modelo, adotam-se a departamentalização, o concurso público para ocupação de cargos administrativos e o sistema de meritocracia. A burocracia foi adotada por vários países desenvolvidos no final do século XIX, mas no Brasil isso aconteceu tardiamente (BRESSER-PEREIRA, 2001), e foi vista como meio de substituir antigas práticas de patrimonialismo e coronelismo prejudiciais para a estrutura administrativa (BRESSER-PEREIRA, 1998; CRUZ, 2008). Infelizmente, o modelo burocrático proposto na reforma falhou em colocar fim às antigas práticas da patronagem e foi criticado por sua obediência acrítica às normas. A reforma fez exceção ao patrimonialismo na emergente democracia com o formato do clientelismo.

A reforma promovida pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), de base burocrática, centrou mais nas normas e procedimentos do que na meritocracia. Essa modernização ambígua valorizou “mais os meios em si do que os fins relacionados à burocracia weberiana” (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2010, p. 43). Vale ressaltar que os tecnoburocratas não eram apenas técnicos. Eles eram técnicos políticos que se envolviam permanentemente em estratégias políticas para garantir sua autonomia sempre precária nessa obscura reforma do serviço público.

A adoção da burocracia do tipo profissional foi a escolha apropriada para acomodar os interesses políticos do governante e de outros atores (CRUZ, 2008). Nesses termos, a preocupação implícita da reforma realizada por Vargas foi criar uma burocracia responsiva ao seu governo e não necessariamente à prestação de serviços públicos.

Getúlio Vargas centralizou o poder em suas mãos e estabeleceu o Estado Novo em 1937. Ele impôs o fechamento do Congresso, elaborou uma nova constituição, a qual deu a ele controle sobre os poderes Legislativo e Judiciário e impôs o fechamento dos partidos. O governo de Getúlio Vargas apresentou

resultados positivos na estruturação de empregos, sistema burocrático da administração direta, investimentos na infraestrutura da indústria de base, crucial para a modernização econômica. O movimento a favor da democracia cresceu ao final da II Segunda Guerra Mundial, e Vargas foi deposto em 1945 pelos militares comandados por generais que compunham o seu ministério. O seu segundo governo na década de 1950 só reforçou o caráter autoritário e desenvolvimentista.

Os presidentes que o sucederam continuaram com a política do Estado nacional-desenvolvimentista, principalmente o período de Juscelino Kubitschek e o uso das gramáticas. De um lado, esta política trouxe, em certa medida, modernização econômica e administrativa. Por outro lado, ocasionou forte dependência econômica a instituições internacionais como, por exemplo, o Banco Mundial e produziu um subdesenvolvimento urbano e rural.

A instauração do universalismo de procedimentos intentados na reforma do serviço público e da implantação de um sistema de mérito a partir de 1930 não alcançou sua plenitude. Paradoxalmente, as elites as quais se julgavam portadoras de valores modernos e universalistas, não estavam então particularmente interessadas na democracia. “Até os anos 60, elas estavam muito mais preocupadas com o desenvolvimento que então se identificava com a industrialização” (BRESSER-PEREIRA, 2003, p. 12).

7.3 ANOS 60: POLÍTICA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA SOB A CONDUÇÃO