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POLÍTICA DE INFORMAÇÃO E ESTADO INFORMACIONAL

3 INFORMAÇÃO, POLÍTICA E PODER

3.2 POLÍTICA DE INFORMAÇÃO E ESTADO INFORMACIONAL

O papel da informação e a sua respectiva gestão são transformados ao longo do tempo por meio das mudanças pelas quais os países e sociedades foram se formando e alterando percepções, cultura e anseios. Desde a Idade Antiga, ferramentas de coleta, armazenamento e disseminação da informação foram criadas

e aperfeiçoadas, contudo, poucas mãos exerciam controle sobre o seu acesso e uso.

No período medieval, apenas a nobreza e a Igreja Católica (no Ocidente) dominavam os meios de produção e restringiam o acesso à informação. A Igreja Católica teve importante papel de mediadora de comportamentos sociais interferindo nas decisões do reino. Ela era detentora de grandes acervos em suas bibliotecas e exercia um ferrenho controle sobre a produção do conhecimento haja vista o que aconteceu a Galileu e à sua descoberta sobre a posição da Terra em relação ao Sol. O tratamento da informação no final do período medieval ainda era assistemático e disperso entre a Igreja Católica e alguns órgãos que, embora atrelados ao governo central, eram indiferentes aos seus interesses. O governo central não se preocupava com a sistematização da coleta e disseminação da informação porque ela não era estratégica para a condução dos seus territórios e interesses. A informação concernente à propriedade e produção só interessava ao órgão responsável pela coleta de impostos; a natalidade e mortalidade à igreja; informação sobre outros reinos só interessava ao governo central se isso envolvesse ameaça ao seu território e riquezas (HIGGS, 2001). Esse autor afirma que a sociedade pré-moderna da Inglaterra é um exemplo da forma assistemática de coleta e tratamento da informação devido à falta de perspectiva do governo central de usá-la para planejamento.

Apesar do controle sobre a informação, o período de desfecho da Idade Medieval assiste à ascensão de revoltas populares na França e grandes transformações nos campos político, econômico, filosófico e religioso no Ocidente. A Idade Moderna inicia-se com o amadurecimento das ideias iluministas que contribuem para o desenvolvimento científico na busca de conhecimento e novas respostas para os problemas postos pelas configurações das relações sociais em constante mutação. Diante dos avanços científicos e do aumento da produção de conhecimento – que já vinha sendo ampliada desde a criação da máquina de tipos móveis de Gutenberg – a informação começou sendo utilizada como fonte de alimentação e propagação das ideias científicas, políticas, econômicas e sociais.

Essa mudança de status altera completamente a forma como os Estados modernos encaram a gestão da informação e, por conseguinte, a política que a norteia. Em meados do século XX, assiste-se a uma corrida desenfreada para criar aparatos tecnológicos que serviriam para coletar, armazenar e distribuir informações

científicas e tecnológicas, governamentais e aquelas consideradas estratégicas para tomada de decisão no âmbito internacional. Os Estados começam a se preocupar em criar políticas que deem conta de regular o ciclo de produção, coleta, tratamento, armazenamento, disseminação e uso da informação para atender aos seus objetivos e aos anseios da sociedade.

Problemas como direito intelectual, propriedade intelectual e registro de patentes ganham outra dimensão com o uso da internet e a possibilidade de expandir os estoques de informação ao longo do século XX. A comunicação é rápida e instantânea de um ponto a outro do globo. A informação é trocada e usada simultaneamente por inúmeras pessoas com diferentes propósitos. Velhos e novos problemas requerem ações e diretrizes que permitam alcançar os anseios por mais democracia e participação da sociedade nas decisões dos Estados contemporâneos.

A sociedade também se metamorfoseia e revela diversas e heterogêneas identidades. Velhos e modernos problemas são trazidos à tona por movimentos coordenados por grupos ditos minoria, tais como os que levantam a bandeira do feminismo, racismo, gênero e liberdade religiosa. A informação para além de recurso é vista como uma força constitutiva da sociedade. A busca por igualdade de direitos, reconhecimento das diferenças (religiosas, sexuais, de cor), cidadania, por transparência das ações do governo e participação na tomada de decisão da “coisa pública” transforma a informação em um dos principais instrumentos de empoderamento da sociedade.

O Estado é, em certa medida, pressionado pela sociedade para disponibilizar informações que permitam o exercício da cidadania no decorrer do último século. A entrada do século XXI é marcada pelo contínuo, acelerado e forte desenvolvimento tecnológico em alguns países europeus, nos Estados Unidos e Japão, e por profundas diferenças sociais e econômicas existentes tanto em países considerados desenvolvidos como os que estão enquadrados na alcunha de em desenvolvimento. Tal diversidade de contexto exige políticas de informação que deem conta dessas transformações.

As novas formas de coleta, tratamento, disseminação e uso da informação, devido à sua importância para o Estado, foram sendo reguladas por políticas de informação geralmente associadas às questões que ganharam notoriedade em determinado tempo e espaço social. Essa política, como qualquer outra, conta com a

presença de inúmeros interesses e objetivos de múltiplos e heterogêneos atores sociais. Todos esses de alguma forma envolvidos nas diferentes fases do processo de tomada de decisão, implementação e avaliação dos resultados.

Devido à multiplicidade de atores, é intrínseco o conflito de interesses que gera uma arena, na qual o poder de cada um influencia na formulação, implementação e avaliação da política. Por esse motivo, González de Gómez (1999) compreende a política de informação sob o domínio coletivo de ação, no qual os conflitos entre formulações de objetivos, planos, orçamentos, prioridades e metas não são equacionados ou resolvidos apenas tecnicamente, mas requerem a reformulação deliberativa de princípios e regras que dependem da relação de força dos atores envolvidos.

As políticas de informação têm sua origem geralmente associada à política de informação científica e tecnológica, pelos menos em alguns países do Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial. A ciência e a tecnologia tornaram-se imprescindíveis para o desenvolvimento econômico e social, e ficou mais evidente o fato de que a informação seria a base das relações sociais e de suas atividades ulteriores. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) recomendou, em meados do século passado, a criação de uma política nacional de informação que englobasse planejamento e diretrizes para elaboração de ações capazes de assegurar o desenvolvimento econômico e social dos países (SILVA, 2009).

O escopo da política de informação tem caráter distinto em cada Estado. Isso depende do nível de desenvolvimento econômico, político e social e é reflexo de como a informação foi tratada para mediar as mudanças provocadas pelas tecnologias, globalização, ideologias, modos de produção capitalista e teorias econômicas. Alguns Estados optaram por se tornarem virtuais ao substituir capital fixo por capital intangível (ROSENCRANCE, 1996), ao perceberem o potencial desse último como impulso econômico e de domínio sobre outros Estados. Por exemplo, os Estados Unidos usaram a esfera informacional como instrumento privilegiado de ampliação, consolidação e manutenção de hegemonia sobre as demais nações (BRITO, 2015).

A política de informação é produto de escolhas anteriores e pode impactar em decisões futuras – ela é situada histórica e politicamente. A política pode ser compreendida pelo seu lado concreto (geralmente explícito) relativo às normas,

regulamentos, orçamentos e legislações e, o abstrato, ou seja, não formalizado em documentos, tais como: conflitos de interesses dos atores, interpretações distintas acerca da informação, processo de negociação e exercício de poder em distintos graus.

No campo concreto, a política de informação pode ser entendida como um conjunto de premissas, decisões e ações produzidas pelo Estado em parceria com atores não estatais (JARDIM, 2005). Essas decisões são firmadas e validadas por meio de instrumentos legais e regulações. Desse modo, a política de informação é viabilizada por um conjunto de leis, regulamentos, posições doutrinárias e outras tomadas de decisões e práticas com efeitos constitutivos que fomentam ou regulam a criação, processamento, fluxos, acesso e uso da informação em toda a sociedade (BRAMAN, 2011). Esse conjunto engloba aspectos administrativos, legais, científicos, culturais, tecnológicos, de produção, uso e preservação da informação de natureza pública ou privada de interesse público (JARDIM, 2005).

O papel fundamental dessa política é prover estrutura legal e institucional para a troca formal de informação, e isto implica que a política esteja atrelada às metas políticas e burocráticas do Estado - não sendo estas necessariamente congruentes entre si (ROWLANDS, 1996). Informação, Estado, política e poder são constructos teóricos interligados. O Estado pode exercer poder sobre outros Estados e no próprio ambiente doméstico por meio de vários canais. Todavia, a informação ocupa um lugar privilegiado numa economia capitalista de intensivo uso tecnológico.

No campo abstrato, as políticas de informação e também de comunicação são formas de poder do Estado (BRAMAN, 1995). Elas se constituem em um domínio em que o Estado exerce poder de distintas formas que condicionarão o seu poder futuro e o de outros Estados como apontado nos estudos de Brito (2015).

Braman (2009) chama atenção para a ampliação da extensão do domínio da política de informação no século XXI, no qual o uso intensivo da informação se torna cada vez mais acentuado e decisivo para o rumo da economia mundial e dos países, em especial, os desenvolvidos majoritariamente. Por um lado, a informação adquire um poder que permeia e modela as relações sociais, ao mesmo tempo, em que é modelada por elas.

Por outro, o Estado contemporâneo é caracterizado pela interdependência múltipla com outras entidades estatais e não estatais, dependência da informação e da rede mundial de telecomunicações tanto para mediar suas relações sociais

quanto para controlar a criação, processamento, distribuição, utilização e fluxos da informação. Diante dessa constatação, Braman (2009) acrescenta o poder informacional e a política de informação ao estudo do Estado-nação e à sua transformação de burocrático em informacional.

Entender política de informação e comunicação como poder é particularmente importante no contexto contemporâneo devido às mudanças qualitativas no nível de dependência das tecnologias de informação e no grau das atividades consideradas informacionais. Porquanto, os modos de criação, processamento, fluxos e usos são configurados por divisões políticas e socioeconômicas que, por sua vez, os reproduzem. A formulação de políticas deve ter em contar essas diferenças qualitativas do fenômeno informação nos distintos níveis da estrutura social (BRAMAN, 1989). Por conseguinte, o uso de tecnologias de informação permite ao Estado, assim como a outras instituições, desenvolver uma emergente forma de Estado, especializado em criar modos de poder específicos para o ambiente da rede global de telecomunicações (BRAMAN, 1995).

Não há um horizonte natural para o Estado, nada para barrá-lo, exceto o que é criado deliberadamente pelo próprio Estado. É com a política de informação que o horizonte é desenhado e que o Estado define a sua estrutura e os seus modos de interação com outros para além e dentro do próprio Estado (BRAMAN, 1995). Em seus estudos, esta autora assevera que o Estado metamorfoseou-se e continua a exercer poder ao mudar de burocrático para informacional.

Mesmo diante das mudanças econômicas e políticas – que apregoavam o fim do Estado – e das ameaças representadas pelas tecnologias de informação e comunicação, tais como: dependência de fornecedores internacionais, redes e gerentes de dados, invasão de privacidade, de programas e bases de dados; distorção e destruição de programas ou dados; perda de memória institucional decorrente da manutenção de registros eletrônicos e efemeridades de mídias de armazenamento, o Estado encontrou novas formas de manifestar poder.