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CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS SOB AS PERSPECTIVAS GERENCIAL, MILITAR E ECONÔMICA

4 TEORIA DE ESTADO

4.2 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS SOB AS PERSPECTIVAS GERENCIAL, MILITAR E ECONÔMICA

Poggi (2012) emprega o termo statualization5 para explicar o conjunto de

processos e regras empregados na Europa Ocidental ao longo dos séculos XII e XVII. A statualization se deu por meio da adoção de regras por parte dos territórios para regular os comportamentos do Estado, que se referem à administração, força militar e relações políticas e econômicas e dos indivíduos, tais como:

a) despersonalização como regra para os funcionários; b) formalização das normas;

c) regras integradas aos processos sociais;

d) diferenciação endereçada a distintos problemas e o emprego de recursos materiais e simbólicos para tal fim; e,

e) organização exercida por uma pluralidade de sujeitos - indivíduos e coletividade.

A perspectiva gerencial teve início na Idade Medieval com as concepções e práticas concernentes à administração política de extensos territórios. Para isso, foram desenvolvidas práticas de recrutamento, treinamento e emprego de administradores que criaram técnicas que foram adotadas ao longo do tempo. Os Estados modernos adotaram essas práticas para coletar e usar recursos e prover serviços (especialmente judicial e policial) para as comunidades locais (POGGI, 2012). Isso marca o início das instituições de justiça e do tesouro / arrecadação fiscal na Europa. Os funcionários têm um papel importante em fazer com que a população local aceite um quadro de regras de interesses e obrigações. Desse modo, os Estados usam a administração e a legislação (poder instrumental e

5A palavra statualization não tem tradução para português, mas diante da forma como foi empregada

no texto, pelo autor, depreende-se que se refere ao estabelecimento de regras que serviriam para regular os comportamentos do Estado e dos indivíduos.

estrutural), como instrumentos para submeter os indivíduos e instituições aos seus interesses e objetivos políticos.

Pela perspectiva militar houve outra prática ou regra constituída por dois diferentes meios do exercício da força. A primeira é relacionada à capacidade do Estado de garantir a segurança individual e evitar a desordem pública pelo emprego da polícia e do sistema judiciário. A segunda garante a soberania em relação a outros Estados. Ambas as forças, interna e externa, podem ser usadas como elementos discursivos e normativos para justificar a legitimidade do Estado tanto por governantes como por grupos dominantes.

Essa perspectiva apresenta dois significantes aspectos na formação do Estado: a influência no sistema fiscal para garantir recursos para as polícias e forças armadas, e a visão política das esferas econômicas e tecnológicas. As guerras tiveram um papel decisivo em desenhar o mapa da Europa, portanto, os Estados encontraram na guerra um insubstituível instrumento para periodicamente revisitar seu equilíbrio (POGGI, 2012). As guerras também contribuíram para o investimento em desenvolvimento de tecnologias que, de outro modo, somente existiriam ulteriormente. Regras foram criadas para regular comportamento de indivíduos, corporações e de Estados como resultado do uso legítimo da força empregada.

A perspectiva econômica remonta aos fins da Idade Média quando transformações políticas, sociais e econômicas forneceram os elementos para o surgimento do capitalismo. Em síntese, o comerciante burguês passou a calcular custos e lucros das mercadorias a serem convertidos em uma determinada quantia monetária. Com esse processo de monetarização, o comerciante começou a almejar a obtenção de lucros e o acúmulo de capitais. Essa prática exigiu uma constante demanda pela expansão do comércio, e isso incitou a crescente classe comerciante burguesa a apoiar a formação de Estados Nacionais.

Essas transformações que marcaram a passagem da Idade Média para a Idade Moderna incentivaram o nascimento do capitalismo mercantil e das grandes navegações para a descoberta e o domínio de novas áreas de exploração econômica por meio do processo de colonização.

Os princípios básicos do capitalismo - acumulação de riquezas e concorrência - provocaram sérios rompimentos. O primeiro deles ocorre com a separação entre os interesses da burguesia e da nobreza, esta vista como empecilho ao desenvolvimento pleno do capitalismo. A burguesia requeria mais autonomia nas

decisões econômicas. Essa ideia foi reforçada pelos princípios da filosofia iluminista que defenderam uma maior autonomia das instituições políticas e redução da ação autoritária da realeza. Essa insatisfação desembocou nas revoluções liberais que ganharam espaço na Inglaterra do século XVII, onde houve uma limitação do poder real em favor de uma maior autonomia da economia durante o processo da Revolução Inglesa.

No decorrer dos séculos XVIII e XIX, as revoluções industriais e tecnológicas contribuíram para imprimir um novo ritmo de progresso e integração da economia e do capitalismo às decisões políticas do Estado, dando nova feição a essa relação.

Segundo, a expansão do capitalismo promoveu a separação entre os que detinham os meios de produção e os que eram mão de obra. Os pequenos produtores foram perdendo condições de competir com a produção industrial em larga escala e, assim, alguns passaram de proprietários a empregados nas grandes indústrias. O capitalismo gerou tanto uma riqueza custeada pela exploração da mão de obra quanto a formação de grandes monopólios industriais. No início do século XX, o sistema capitalista foi posto em xeque por aprofundar a distância entre as elites detentoras do meio de produção e a classe operária.

A perspectiva econômica capitalista, de acordo com Karl Marx, mostra que os processos de produção e distribuição de riqueza e os conflitos entre empregados e empregadores tornaram-se um fenômeno político generalizado e de formação do Estado em particular (POGGI, 2012). Além disso, enfatiza a relação contratual entre empregados e empregadores e o retorno da concepção romana de propriedade (dominium), a qual estabelece o contrato como dispositivo-chave para a criação e transmissão de direitos sobre os meios de produção e o que é produzido.

O Estado é o mediador dessa relação de trabalho, pois de um lado é requisitado pelos proprietários dos meios de produção a defender seus interesses e, por outro, é solicitado a defender os direitos dos trabalhadores urbanos e do campo. Assim, o Estado seria resultado dessa luta de classe e do modelo social, político e econômico decorrente dela ou provocador dela. Continuamente, a economia foi assumindo importante papel na formação do Estado e das regras que regulam comportamentos humanos e organizacionais.

Wallerstein (1984) afirma que os Estados criam instituições que se estabelecem como lugares de negociação e conflito (HELD, 1989) e se modificam

constantemente em forma, extensão e fronteiras por meio da ação recíproca de outros Estados e da sociedade.

O Estado conclama o uso legítimo da força para moldar o comportamento de suas instituições e da sociedade e, para tanto, lança mão de diferentes poderes para alcançar os seus objetivos:

a) instrumental - quando faz uso da força física;

b) estrutural - quando usa instituições, regras e formas de administração; c) simbólico - quando cria e propaga ideias e imagens;

d) informacional - quando utiliza a informação para moldar comportamentos e determinar como e quando recursos materiais, humanos e informacionais são usados para alcançar os objetivos políticos.