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4. Pombal e o Pombalismo

5.7. António Ribeiro dos Santos

Este jurista, historiador e poeta, nascido no ano 1745, concluiu em 1770 a sua obra De Sacerdotio et Imperio, destinada a constituir a sua dissertação de doutoramento em cânones,

146 Cf. C., SANTOS, Jansenismo em Portugal, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2007, p. 39. 147 F., LEMOS, Relação Geral do Estado da Universidade (1777), Coimbra, 1980, pp. 212-213.

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que seria apresentada na Universidade de Coimbra. Esta obra inseriu-se no campo da ação pombalina e constituiu um instrumento imediato de clarificação pedagógica que deveria imprimir-se às Faculdades de Cânones e de Teologia148.

Esta obra não é uma simples exposição jurisprudencial onde se delimitam os poderes temporal e eclesiástico, as seis dissertações que a compõem mostram uma exigência de fundamentação teológica e filosófica, com incidências epistemológicas. Discorre sobre a religião natural e revelada, sendo que, em relação a esta última procura estabelecer o sentido dogmático da religião cristã, única e verdadeira, ao contrário das religiões pagãs. Expõe também os critérios metodológicos que complementam a tradição e os fundamentos dogmáticos, criticando a metodologia escolástica. Ribeiro dos Santos manifesta também algumas reservas perante a demasiada abertura ao racionalismo das Luzes, como se colige das prevenções antideístas e do uso cauteloso da razão na dissertação De Deo149. Posto isto, denota-se neste autor a emergência de uma sensibilidade distinta do meio cultural da sua época.

Ribeiro dos Santos apresenta a Igreja como a «Congregatio hominum a Deo per Evangelicam Doctrinam convocatorum, veram fidem Christianam sub legitimorum Pastorum regimine profitentium»150. A Igreja tem por cabeça Jesus Cristo e goza dos atributos da inerrabilidade e da eternidade. As suas notas específicas são a unidade, a santidade, a universalidade e a antiguidade. Mas a definição essencial da Igreja prende-se com as matérias atinentes à «potestate clavium» e ao seu poder indeclinável de doutrinar autenticamente151.

Ribeiro dos Santos seguia a linha teórica dos episcopalistas como Pereira de Figueiredo. Ribeiro dos Santos faz uma crítica sistemática ao papismo e às pretensões expressas pelos seus teóricos defendendo uma doutrina episcopalista e conciliarista que respeitasse e favorecesse o

148 J., ESTEVES PEREIRA, O Pensamento Político em Portugal no Século XVIII: António Ribeiro dos Santos,

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2005, p. 88.

149 Ibidem, p. 118.

150 A., RIBEIRO DOS SANTOS, De Sacerdotio et Imperio selectae dissertationes queis praemintitur dissertatio de Deo, de Religione natural ac revelata, tanquam earum basis, et fundamentum, pro supremo júris canonici gradu obtinendo, Academia Coninbricensi propugnandae, Lisboa, 1770, p. 37.

151 Cf. J., ESTEVES PEREIRA, O Pensamento Político em Portugal no Século XVIII: António Ribeiro dos Santos,

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reforço do poder do Estado. O Papa não devia ser o Senhor dos bispos mas o primeiro entre os irmãos bispos152e a Igreja devia ser mãe e não senhora. Contestou assim a competência do poder espiritual de interferir nas áreas de ação do poder temporal, defendeu a sujeição da Igreja ao Estado no plano político-temporal, dando ao rei prerrogativas de intervenção no domínio da Igreja, na sua dimensão temporal:

«O sacerdócio […] submete-se ao regime de império, não na ordem moral, mas na ordem política […]. Naquelas coisas que não são essências, um pode submeter-se ao outro […]. Para que se circunscreva em limites corretos toda esta subordinação, deve notar-se […] que a Igreja é, simultaneamente, corpo místico e corpo político, místico ou sacro, em virtude da religião que professa e dos filhos de Deus, de que é esposa; político e civil, em virtude do estado imperial em que pública e livremente ingressou e do qual, sem dúvida, se fez membro.»153

A doutrina deste autor estabelece as bases teórica da laicização do Estado e da sociedade portuguesa que o compõe e remete a ação da Igreja, principalmente para domínio estritamente religioso, questão sempre difícil de delimitar, que lhe é essencial, apelando para a sua maior espiritualização, embora não deixe de dar fundamento teórico à possibilidade desta ser um instrumentum regni154.

Ribeiro dos Santos teoriza a concentração do exercício absoluto de todos os poderes legislativo, executivo e judicial nas mãos do monarca. Ao rei os súbditos devem obediência absoluta e este está acima das leis civis e do direito consuetudinário que não o obrigam, nem mesmo no plano da consciência. O rei não tem qualquer superior na terra, hierarquicamente situa-se logo a seguir a Deus, sendo Deus o único a quem deve prestar contas. A sociedade civil, querida por Deus, é a estrutura em que os homens vivem, em regime político e com vista à tranquilidade e felicidade regrada. Assim como para a coesão da sociedade eclesiástica se

152 A., RIBEIRO DOS SANTOS, De Sacerdotio et Imperio selectae dissertationes queis praemintitur dissertatio de Deo, de Religione natural ac revelata, tanquam earum basis, et fundamentum, pro supremo júris canonici gradu obtinendo, Academia Coninbricensi propugnandae, Lisboa, 1770, p. 60.

153 Ibidem, pp. 94-95.

154 Cf. J., FRANCO, O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX): Das Origens ao Marquês de Pombal, Vol. I, Gradiva, Lisboa, 2006, p. 343.

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exige a religião e a harmonia do género humano. Também a constância desta harmonia se exige, institucionalmente, para o domínio civil. O imperante tem de seu ofício a promoção da paz e da utilidade comum dos súbditos. O seu poder tem a origem em Deus e o seu exercício não tem qualquer tipo de limitação excluída a divina155. Tudo isto só é compatível com uma sociedade que se autocompreende como confessional.

Ribeiro dos Santos afirmou as vantagens do apoio mútuo do trono e do altar, apontando, dentro de um contexto regalista, para a cooperação entre o espiritual e o temporal, sendo que o primeiro escudava e ambientava ideologicamente o segundo e este criava condições favoráveis ao desempenho do primeiro156.

155 Cf. J., ESTEVES PEREIRA, O Pensamento Político em Portugal no Século XVIII: António Ribeiro dos Santos,

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2005, pp. 132-137.

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Quarto capítulo