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Data e horário da entrevista: 17 de julho de 2012, às 10:00 horas Local da entrevista: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas

Entrevistadores: Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Informativo confidencial em nome do entrevistado. Alguns nomes foram suprimidos do informe, uma vez que não possuímos autorização dos citados para publicá-los.

Antônio Modesto da Silveira1 nasceu no dia 23 de janeiro de

1927 em Ponte Alta, Uberaba, Minas Gerais. Filho de lavradores sem terra do interior de Minas Gerais, Modesto só entrou na escola com sete anos, quando foi morar em Conquista, no Triângulo Mineiro, com seu pai. Em seguida, foi morar em Uberlândia com sua mãe, mas ainda com nove anos teve que parar de estudar, pois precisava trabalhar para ajudar no sustento da casa. Modesto retornou aos estudos com dezesseis anos, após conseguir uma bolsa de estudos no Ginásio Oswaldo Cruz. Aos 21 anos, Modesto foi morar no Rio de Janeiro sozinho, pois conseguiu em- prego no Colégio Brasil-América e bolsa de estudo para cursar o segundo grau no Colégio Rui Barbosa – hoje Colégio Pedro II, no Humaitá. Até entrar para o curso de Direito, que era um de seus sonhos, Modesto tra- balhou como tradutor no jornal O Globo e foi oficial de Marinha Mer- cante (viajou pelo mundo durante sete anos). Modesto estudou na Univer- sidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) de 1958 a 1962. Ao se for- mar, abriu um escritório com três colegas da faculdade José Quarto de Oliveira Borges, Maurício de Oliveira e Werneck Vianna. No dia do Gol- pe Militar, Modesto foi procurado por diversas pessoas de esquerda, fa- miliares ou companheiros que tiveram algum ente desaparecido, como trabalhadores, lideranças estudantis e sindicais. Sendo assim, a sua atua- ção como advogado de perseguidos políticos começou no dia 1º de abril de 1964 e durou todo o período da ditadura militar. Modesto é citado unanimemente, pelos demais advogados do Rio de Janeiro da época, como o advogado que mais defendeu presos políticos. Modesto continua advogando. Em 2012, foi nomeado, pela Presidenta da República Dilma Rousseff, conselheiro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

Bom dia, Doutor Modesto. Para começar, nós gostaríamos de voltar um pouco à sua formação e vida de estudante na atual UERJ.

Bom dia. No meu tempo e na minha condição de menino de origem muito humilde, a maior guerra que eu travei na vida foi conseguir estudar. Eu poderia detalhar a história de como foi, mas não cabe aqui. Se coubesse, diria com prazer. Sou de origem humilde, de lavradores sem terra do Triângulo Mineiro. Minha vida foi em Uberaba, Uberlândia,

1 Para mais informações sobre a vida de Modesto da Silveira, veja: SILVEIRA, Antônio

Modesto da. Antônio Modesto da Silveira (depoimento, 2000). Rio de Janeiro, CPDOC/ALERJ, 2001.

Triângulo Mineiro em geral e periferia. Eu vim para o Rio já razoavel- mente bem, fui convidado para vir trabalhar e estudar. Estudei e acabei – tem toda uma longa história de viagens pelo mundo. O importante é dizer que eu fiz um bom curso de Direito na UERJ. Eu entrei em 1958 na fa- culdade; em 1957 eu fiz o vestibular e passei muito bem. Concluí em 1962. Logo depois, menos de dois anos, veio o Golpe político-militar de 1º de abril de 1964.

No dia primeiro de abril havia um comício marcado para a Ci- nelândia, mas o comício foi frustrado por uma greve de transportes. De qualquer maneira, eu e outro amigo fomos até lá para ver. O comício era convocado por lideranças políticas, intelectuais e também sindicais, para dar apoio ao governo. A gente sabia antes que haveria um Golpe da di- reita. Não sabíamos a extensão nem quem eram os forjadores do Golpe, mas depois ficou claro até pela filosofia representada. Então, em primeiro de abril eu fui para Cinelândia; por acaso meu escritório era ali. Quando eu cheguei havia muita gente. Ocorreu uma coisa marcante: pela Avenida Rio Branco em direção ao Obelisco, desceram muitos tanques e, quando esses foram chegando, o povo aplaudiu pensando que era o Exército do Governo apoiando Jango. Os tanques colocaram seus canhões apontando para as pessoas. Nós sacamos, na hora, que era um Golpe na rua já. E então o povo começou a vaiar os tanques e os seus comandantes.

Atrás dos tanques vinham soldados com fuzis, começando a ti- rar o povo da praça. Ao mesmo tempo, dois homens à paisana deram dois tiros, ou até mais, e perto de mim caiu um homem. Os dois tiros eram de dois homens que, ao mesmo tempo, correram para a entrada do Clube Militar, esquina da Av. Rio Branco com a Rua Santa Luzia. Correram para aquelas portas medievais, de ferro, muito grandes; elas se abriram um pouquinho, os dois atiradores entraram e trancaram as portas. O povo que estava na rua entendeu tudo perfeitamente. Enquanto isso, os solda- dos que tinham saído por detrás dos tanques foram evacuando a praça, com ameaças de baioneta. O povo foi saindo, inclusive eu, que só cruzei um quarteirão e fui para o meu escritório, na Rua Álvaro Alvim. Chegan- do lá eu encontrei muitas pessoas me esperando, já pedindo socorro. Ali mesmo, depois de ouvir os dados precários que me deram, fui direto ao DOPS, que era a polícia de repressão política. Lá, estrategicamente, eu era um advogado não muito experiente, atravessei a rua, deixei o DOPS, aquele prédio bonito, clássico, e fui para um dos dois bares em frente. Fui ao “Bar Don Juan”, aquele que foi título de um romance de Antonio Callado.

O senhor disse que logo no primeiro de abril já havia gente no seu escritório. Por que o senhor foi procurado? O senhor tinha relação prévia com essas pessoas?

Ou eu tinha relação, ou eles tomaram conhecimento que era para me procurar. Outros procuraram o Sobral Pinto. Quando eu estava no Bar Don Juan, o Sobral Pinto chegou – velho advogado, conhecido e respeitado. Ele era advogado do Governador da época, Carlos Lacerda, que era o chefão do DOPS, da polícia do estado. Ele estava tentando ver seus clientes e não conseguiu. Quando ele não conseguiu, eu vi que não adiantaria eu tentar. Atravessei a rua, fui falar com ele – ele nem me co- nhecia – e disse, “se o senhor que é Sobral Pinto não conseguiu entrar, o senhor acha que eu vou entrar? O seu objetivo é o mesmo que o meu, visitar presos”. Ele disse que não adiantava. Nesse caso, o meu caminho era voltar para o escritório e preparar habeas corpus. Ainda havia habeas

corpus naquela época. Ele disse: “faça isso, é o que eu vou fazer tam-

bém”. Ele foi para o escritório dele e eu fui para o meu.

Comecei nesse mergulho, em águas sujas, que não terminou até hoje. Embora a gente tenha saído da ditadura em 1985 para respirar, os resíduos da época, as sequelas, muitas delas, continuam até hoje. Desde sequelas psicológicas e físicas – tem gente que ainda hoje exibe marcas físicas no corpo. Advogados eu defendi uns vinte, alguns deles eram ad- vogados sindicais ou de trabalhadores em geral. Desse mergulho de pri- meiro de abril, que continua até hoje, mais suave, em águas melhores, eu não consegui sair. Segundo Heleno Fragoso, grande jurista, eu seria o advogado que mais defendeu presos políticos.

O senhor faz ideia de quantos?

Eu não tenho a mínima ideia, mas eu sei que foram uns poucos milhares. Às vezes, no meio do processo, raramente era um acusado. Geralmente era um grupo de presos, acusados de pertencer a uma célula do partido, ou um grupo com certa intenção redemocratizadora. Quase sempre era um grupo de cinco, grupo de 11. Às vezes era um número indeterminado que passava de mil pessoas. Por exemplo, dois processos, dos maiores, eram tão grandes que não puderam ser levados a julgamen- to, nem sequer apuração. Não daria! Os processos do PCB e da UNE eram tão grandes que havia caixotes com toneladas de material. Seriam necessários inúmeros juízes e advogados para sua leitura e decisão. Seria necessário um Maracanã. Por causa disso, eles, sabendo que não daria para fazer um estudo senão em dez, vinte ou trinta anos, não mexeram nesses processos e foram pegando as grandes lideranças e envolvendo-as

de um modo ou de outro. Pegavam alguma acusaçãozinha e julgavam os principais líderes em outros processos, processos menores, de 50 ou 100 pessoas. Dava, então, para julgar. Eles adotaram essa tática para evitar processos que não acabariam nunca, e não acabaram nunca, porque não ousaram sequer abrir esse material todo. Suponho que hoje tudo esteja nos arquivos do Superior Tribunal Militar, em Brasília. Quando o Tribu- nal foi para Brasília, lá ficou também o arquivo da Justiça Militar, no subsolo do prédio do Superior Tribunal Militar (STM).

Após a ida de Jango à China, o governo chinês enviou um gru- po de chineses ao Brasil para estreitar as relações diplomáticas e comer- ciais entre ambos os países. Com o Golpe, os nove chineses foram presos, tendo sido Sobral o advogado deles. Ainda em 1964, um dos grupos que eu defendi foi o chamado “Grupo Angolano” – eram uns jovens estudan- tes angolanos que estavam aqui apoiados por brasileiros e até portugue- ses, lutando pela independência de Angola e Moçambique, aquela luta de libertação.

Muitos estudantes em Paris e Lisboa também se articulavam no século XVIII, para pregar a justeza da libertação do Brasil e de outros países. Receberam apoio de intelectuais, mas foram todos presos: angola- nos, brasileiros, portugueses. Cada grupo desses tem a sua história, e cada membro desse grupo tem a sua história pessoal. Mas todas as histórias são trágicas, ou cômicas, mas em geral, tragicômicas. Em todo o Brasil ocorreu isso.

Eu no escritório tinha colegas, dois dos quais saíram, outros se agregaram, e foi quando, logo depois, eu recebi vários estudantes. A Rosa Cardoso era uma pernambucana que estudava aqui, foi trabalhar e conti- nuou conosco, a rigor, até hoje. Mesmo tendo ido para São Paulo, onde ela defendeu a Presidenta Dilma Rousseff. Nós defendíamos no Rio de Janeiro, de onde irradiavam as coisas. Eu fui defender muitos perseguidos políticos, além dos do Rio – centenas, milhares talvez. Eu ia muito a Juiz de Fora e São Paulo, e de vez em quando ao Rio Grande do Sul e Curitiba, onde havia Auditorias Militares e, portanto, julgamento de processos de presos políticos. Também ia a Brasília, quando foi criada. Recife foi um centro de perseguição muito grande, além de Salvador. Eu fui mais vezes, até a pedido da Igreja, da CNBB, pois os dirigentes da CNBB eram hu- manistas que queriam defender também os seus religiosos. Estava haven- do muita perseguição a religiosos de simples crentes até arcebispos. A liderança católica era muito perseguida, pois o líder era Dom Helder Câmara, que, apesar de pregar humanismo e filosofia da Igreja Nova, era candi-

dato a Prêmio Nobel da Paz. E a ditadura fez tudo para ele não ser eleito. Deve ter corrompido, pressionado, não sei o que ela fez.

O Ministro da Justiça da época, o Buzaid2, fez uma peregri- nação internacional, indo de país e país. Ele chamava o Dom Helder de Fidel Castro de batina.

Lembrei-me do Buzaidinho, Rezendinho, e outros filhos da di- tadura, aqueles que sequestraram e mataram uma menina de sete anos, acho que Lidia3, durante o período da ditadura. Isso em Brasília.

Uma dúvida: o senhor defendeu tanta gente que não sei nem se tem como responder essa pergunta. Como era a chegada do cliente ao advogado? Era normalmente por família, amigo?

Todas as formas. Geralmente quem presenciou ou viu a prisão ou sequestro. Principalmente no caso de estudantes, que andam muito juntos, operários também. Às vezes um via a prisão e procurava um ad- vogado. Em resumo, com estudantes, sindicalistas e organizações de es- querda acontecia de forma semelhante. Há poucos dias eu estava sentado num restaurante e alguém falou assim, “Modesto”. Uma moça que estava com outra na mesa vizinha ouviu meu nome, olhou e foi à minha mesa e tirou da bolsa um velho cartão meu e me mostrou. “Quando alguém cor- ria o risco de ser sequestrado ou preso, nós distribuíamos cartão dos ad- vogados de nossa confiança. O seu era dos preferidos.” Eu disse para a moça: “A ditadura acabou, estamos em plena liberdade”. Ela me disse: “Não, esse cartão me protegeu durante tantos anos, então eu acho que ele tem uma força qualquer e eu vou mantê-lo na minha bolsa o resto da vida, como meu porta fortuna”. Virou um santinho. Por aí você vê como é o esquema da época, como os estudantes faziam. A “falecida” FNFI era perto do meu escritório; então, de vez em quando, aparecia uma mocinha

jovenzinha estudante chorando que levaram a colega, amiga, irmã, e pe-

dia ajuda.

2 Alfredo Buzaid nasceu em 1914. Era advogado, professor e jurista brasileiro, mais

conhecido por ter ocupado o cargo de Ministro da Justiça durante o governo Médici. Para mais informações a seu respeito, v. glossário.

3 O Caso Ana Lídia se refere ao sequestro, tortura e estupro de uma menina de sete

anos, em 1973. A vítima tinha sido levada a um sítio cuja propriedade era de Eurico Resende, então Vice-Líder da Arena no Senado Federal. Suspeita-se que o crime te- nha sido cometido por Alfredo Buzaid Júnior.

Os clientes, quando chegavam ao senhor, já estavam pre- sos? A regra é que eles já estivessem presos?

A regra é quando já estava preso, às vezes, preventivamente. Nós éramos procurados pela família ou algum amigo, colega de faculda- de, ou então conhecido que vinha, pedia orientação ou ajuda. Aliás, a regra não era a prisão, era o sequestro do perseguido político por parte de um dos muitos órgãos de repressão.

E o custeio do processo, quem fazia?

Custeio? Olha, normalmente o advogado de área criminalista era muito generoso. Em área criminalista, ainda mais de perseguidos políticos, eu nunca falei em honorários. Eu vivia de outras áreas. Eles é que tocavam por questão de ética, e eu perguntava se ele podia pagar. Às vezes tinham mulher e filho, passavam fome, e eu nem aceitava ainda que eles oferecessem. Mas os advogados, em geral, eram muito fraternos. Sobral Pinto era dos mais solidários. Parecíamos uma organização de profissionais orgânicos. Dentro do juramento e deveres entendíamos que aquelas pessoas não tinham cometido crime nenhum, eram “crimes” evolutivos. Isso porque eram idealistas que queriam alguma coisa melhor para seu país para o mundo e, por causa disso, eram perseguidos por aqueles que tinham objetivos individualistas, violentos, nazistas, como ocorreu no golpe brasileiro.

Nos outros golpes latino-americanos, foi efeito dominó, come- çado no Brasil e espalhado pela América Latina. O objetivo era todo o mesmo: direita exploradora e assassina. Todas elas. Geralmente manipu- lado previamente ou preparado e organizado pelo Império Americano. O Brasil quase foi invadido pela primeira vez na história no dia primeiro de abril. Se os golpistas não dessem conta do recado, não conseguissem tomar o poder democrático de João Goulart, estava na nossa costa a IV Frota americana para invadir o Brasil. Era a IV Frota, que desativada foi reanimada, para eventual invasão do Brasil caso os golpistas brasileiros não conseguissem dar o golpe plenamente.

Quando o cliente chegava preso, é sabido que muitas vezes essa prisão não era declarada, não havia documentação jurídica da prisão daquela pessoa. Qual era a estratégia do advogado? Como o advogado procedia?

Nós precisávamos de algum dado concreto. Não se pode sim- plesmente inventar fatos. Vou dar um exemplo: eu tinha cliente preso em

tudo quanto é prisão e quartel. Então eu visitava meus clientes e reco- mendava, “fica de olho no nome tal, codinome tal, tipo físico tal, e você fica de olho para ver se ele está ou passou por aqui”. Muitas vezes já conheciam a pessoa e diziam que não tinha passado. Em uma prisão ou outra, alguém acabava dando uma dica. Pois bem, dessa dica você estabe- lecia uma lógica das coisas e às vezes eu ia, como fui ao caso do Gildásio, que foi sequestrado aqui e levado para São Paulo, e quando foi transferi- do a gente já sabia que ele estava marcado para morrer. Provavelmente morreria. O mesmo no caso do Afonso Celso Nogueira Monteiro4, advo-

gado que tinha sido vereador, deputado, e está marcado fisicamente até hoje pelas torturas. Está vivo, lúcido e mora em Niterói.

Quando você obtinha um dado objetivo e concreto, às vezes era suficiente para entrar com habeas corpus, até o seu fim pelo AI-5, em 1968. Então, eu adotava uma tática intermediária: eu ia ao responsável pela prisão e dizia como disse ao diretor do DOPS, ao delegado chefe, “afinal, tudo tem história; eu sei que fulano passou aqui pelos dados que obtive”. O DOPS tinha uma anotação com uma data e o codinome numa parede. Ninguém sabia de quem era aquele codinome, mas eu sabia por- que a família ou um companheiro tinha me falado. Eu ia às prisões e per- guntava pra gente presa; pedia para passar para os colegas de prisão para ver se tinha algum sinal de determinada pessoa. Um cliente meu disse: “eu vi esse nome nessa e nessa data, registrado ali, não era nem a lápis, parece que usou uma pedrinha”. Foi o suficiente, pois eu sabia o codino- me. E era a data em que ele tinha sumido. Passou pelo DOPS e tinha sido levado para outro lugar. Eu procurei o delegado chefe e disse: “eu sei que este cliente passou por aqui; vocês estão dizendo que ele não está aqui, então eu vou lhe pedir para checar na sua “área verde”, o DOI-CODI”. Eu sabia que o delegado do DOPS era um homem de ligação entre o DOPS e o DOI-CODI. Eu disse que iria tomar uma providência. De qualquer ma- neira, eu teria de contar o que eu sabia, e eu sabia de muita coisa. E para dizer o que sabia, teria que envolver o DOPS e sua direção. Isso poderia ser evitado se a lei fosse cumprida legalizando a prisão de Gildásio, bem como respeitando sua integridade física e moral.

Como o senhor procedia para descobrir onde estava o preso? Era uma tática que a gente adotava junto à própria polícia. Às vezes, ocorria que mesmo dentro da polícia e até do DOI-CODI, havia

4 Afonso Celso Nogueira Monteiro nasceu em 1922. Comunista ainda na década de 40,

pessoas de bem que foram levadas para cooperar ou torturar e matar. Alguns deles se incomodavam com aquilo. Eu recebi várias vezes telefo- nemas anônimos que eu alimentava até eles me darem dados confiáveis. A terceira maneira, muito comum também, é que nós, quando já havia inquérito distribuído ou processo, entrávamos com petição junto ao Au- ditor de uma Auditoria Militar, para o qual seria, ou já tinha sido distri- buído inquérito, pedindo informações para a gente poder situar e defender dentro da lei. O juiz quase sempre, mesmo sendo conservador ou até apoiando a ditadura, preferia não violar a lei. Então ele atendia nossos pedidos. O General, Coronel, Delegado Federal ou Estadual dava infor- mações que vinham verdadeiras, meio mentirosas, ou mentirosas. Quando eram mentirosas se a gente sacava, “ameaçava” o cara. Nós acabávamos levantando a ponta de uma cortina muito importante que ajudava a salvar vidas, minimizar a tortura, ou evitar que meninas fossem estupradas até em fila. Eu me lembro dos fatos como se fossem agora. É muita emoção! Eram situações as mais estapafúrdias e incríveis! Os advogados de presos