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Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar 1964 - 1985

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ADVOCACIA EM

TEMPOS DIFÍCEIS

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Esta publicação é resultado de iniciativa fomentada com verbas do projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia, selecionada por meio de edital público, na II Chamada Pública. Por essa razão, as opiniões e dados contidos na publicação são de responsabilidade de seus organizadores e autores, e não traduzem opiniões do Governo Federal, exceto quando expresso em contrário.

Spieler, Paula (coord.).

S756 Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar 1964-1985./ coordenação Paula Spieler, Rafael Mafei Rabelo Queiroz./ Curitiba: Edição do Autor, 2013.

912p.

1. Advogados. 2. Brasil – História – Revolução, 1964. I. Queiroz, Rafael Mafei Rabelo (coord.). II. Título.

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Paula Spieler

Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Coordenadores

ADVOCACIA EM

TEMPOS DIFÍCEIS

Ditadura Militar 1964-1985

Pesquisadores: Alynne Nayara Ferreira Nunes

André Javier Ferreira Payar Catarina Dacosta Freitas Mariana Campos de Carvalho

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REALIZAÇÃO:

APOIO:

Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas

REVISÃO NA COMISSÃO DE ANISTIA:

Amarílis Busch Tavares (Diretora da Comissão de Anistia), Bruno Scalko Franke (Coordenador de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia) e

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Presidenta da República Dilma Vana Rousseff

Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo

Secretária-Executiva Marcia Pelegrini

Presidente da Comissão de Anistia Paulo Abrão

Vice-presidentes da Comissão de Anistia Sueli Aparecida Bellato José Carlos Moreira da Silva Filho

Conselheiros da Comissão de Anistia

Aline Sueli de Salles Santos Marina Silva Steinbruch Ana Maria Guedes Mário Miranda de Albuquerque Ana Maria Lima de Oliveira Marlon Alberto Weichert Carolina de Campos Melo Narciso Fernandes Barbosa Carol Proner Nilmário Miranda

Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto Prudente José Silveira Mello Eneá de Stutz e Almeida Rita Maria de Miranda Sipahi Henrique de Almeida Cardoso Roberta Camineiro Baggio Juvelino José Strozake Rodrigo Gonçalves dos Santos Luciana Silva Garcia Vanda Davi Fernandes de Oliveira Manoel Severino Moraes de Almeida Virginius José Lianza da Franca Márcia Elayne Berbich de Moraes

Diretora da Comissão de Anistia Amarílis Busch Tavares

Chefia de Gabinete Larissa Nacif Fonseca

Gabinete

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Coordenadora do Serviço de Apoio Administrativo Lívia Almeida Santos

Serviço de Apoio Administrativo Alinne Gomes Farias (Estagiária) Antonio Francisco Marcico Ribeiro

Cleiton de Oliveira Rodrigues Neire Peres do Carmo Oadir Araújo Fernandes Samuel Domingos de Oliveira

Coordenadora da Central de Atendimento Integrada – SNJ / CA Aline Carneiro de Aguiar

Central de Atendimento Integrada Camila Pereira Nery Hayara Vianna Silva

Leandro Rocha Mundim de Oliveira (Estagiário) Virna Arcanjo Freire (Estagiária)

Coordenação Executiva do Memorial da Anistia Política do Brasil Amarílis Busch Tavares

Coordenador de Projetos e Políticas de Reparação e Memória Histórica Eduardo Henrique Falcão Pires

Coordenação de Projetos e Políticas de Reparação e Memória Histórica Daniel Fernandes Rocha

Deborah Nunes Lyra Lívia Vieira Braúna

Mariana Gracie Prieto Ávila (Estagiária) Paula Regina Montenegro Generino de Andrade Paula Stein de Melo e Sousa (Consultora MJ / PNUD) Sônia Maria Alves da Costa (Consultora MJ / PNUD)

Wallison dos Santos Machado

Coordenador de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia Bruno Scalco Franke

Coordenação de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia Eliana Rocha Oliveira (Consultora MJ / PNUD)

Jeny Kim Batista

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Coordenação do Centro de Documentação e Pesquisa Andréa Valentim Alves Ferreira (Consultora MJ/ PNUD)

João Alberto Tomacheski

Pâmela Almeida Rezende (Consultora MJ/ PNUD) Rodrigo Lentz (Consultor MJ/ PNUD)

Coordenador Geral de Gestão Processual Muller Luiz Borges

Assessoria da Coordenação Geral de Gestão Processual Carolina Nunes Barbosa de Sousa

Janine Poggiali Gasporoni e Oliveira

Coordenadora de Controle Processual e Pré-Análise Natália Costa

Coordenação de Controle Processual e Pré-Análise Adriana Soares Guimarães Pereira Luana Fonseca Oliveira

Arquimedes Barros Rodrigues Marcos Denaim Correa da Silva Elaine Cristina Guedes Martins Maria José das Neves

Elisa Machado Rabelo Maria Mônica Rodrigues Lima Gardênia Azevedo de Oliveira Matheus Ramos Ávila (Estagiário) Helbert Lopes Rocha Mislene dos Santos

José Antunes Primo Junior Raiane Feitoza da Silva Juliana Priscila de Oliveira Renata Alves Neres Nogueira Leonardo Barbosa Cardoso Thiago Azevedo Luna dos Santos

Coordenadora de Julgamento e Finalização Joicy Honorato de Souza

Coordenação de Julgamento e Finalização Alexandre Tadeu de Oliveira

Ana Lourdes Reis Brod Ana Paula Barbacena Ariane Ramos de Souza (Estagiária)

Giovana Rodrigues Araújo

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Divisão de Arquivo e Memória Emilinha Soares Marques Leonardo Krieger F. Barbosa

Matheus Henrique Santos Durães (Estagiário) Pedro Henrique Santos Moraes da Silva (Estagiário)

Úrsula Beatriz Silva Sangaleti (Estagiário) Rodrigo de Jesus Silva

Rosemeire de Oliveira Araújo

Coordenador de Análise e Informação Processual Antônio José Teixeira Leite

Coordenação de Análise e Informação Processual Alan Cruz Murada

Clarina Soares Meireles Pacheco Déborah Cristina Coêlho Machado

Leonardo Aguilar Villalobos Lorena das Neves Chaveiro

Marcello Evandro de Carvalho Dias Portela Odefrânio Vidal Pierre de Messias

Rodrigo Mercante

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A Comissão de Anistia é um órgão do Estado brasileiro ligado

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MARCAS DA MEMÓRIA: UM PROJETO DE

MEMÓRIA E REPARAÇÃO COLETIVA

PARA O BRASIL

Criada em 2001, por meio de medida provisória, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça passou a integrar em definitivo a estrutura do Estado brasileiro no ano de 2002, com a aprovação de Lei n. 10.559, que regulamentou o artigo 8º do Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias.

Tendo por objetivo promover a reparação de violações a di-reitos fundamentais praticadas entre 1946 e 1988, a Comissão configura--se em espaço de reencontro do Brasil com seu passado, subvertendo o senso comum da anistia enquanto esquecimento. A Anistia no Brasil sig-nifica, a contrário senso, memória. Em sua atuação, o órgão reuniu mi-lhares de páginas de documentação oficial sobre a repressão no Brasil e, ainda, centenas de depoimentos, escritos e orais, das vítimas de tal re-pressão. E é deste grande reencontro com a história que surgem não apenas os fundamentos para a reparação às violações como, também, a necessá-ria reflexão sobre a importância da não repetição destes atos de arbítrio. Se a reparação individual é um meio de buscar reconciliar ci-dadãos cujos direitos foram violados, que têm então a oportunidade de verem o Estado reconhecer que errou, devolvendo-lhes a cidadania e, se for o caso, reparando-os financeiramente, por sua vez, as reparações coletivas, os projetos de memória e as ações para a não repetição têm o claro objetivo de permitir a toda a sociedade conhecer, compreender e, então, repudiar tais erros. A afronta aos direitos fundamentais de qual-quer cidadão singular igualmente ofende a toda a humanidade que temos em comum, e é por isso que tais violações jamais podem ser esquecidas. Esquecer a barbárie equivaleria a nos desumanizarmos.

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Comissão de Anistia passou, a partir de 2008, a realizar sessões de apre-ciação pública, em todo o território nacional, dos pedidos de anistia que recebe, de modo a tornar o passado recente acessível a todos. São as chamadas “Caravanas da Anistia”. Com isso, transferiu seu trabalho cotidiano das quatro paredes de mármore do Palácio da Justiça para a praça pública, para escolas e universidades, associações profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquer local onde perseguições ocorre-ram. Assim, passou a ativamente conscientizar as novas gerações, nasci-das na democracia, da importância de hoje vivermos em um regime livre, que deve e precisa ser continuamente aprimorado.

Com a ampliação do acesso público aos trabalhos da Comissão, cresceram exponencialmente o número de relatos de arbitrariedades, prisões, torturas, por outro lado, pôde-se romper o silêncio para ouvir centenas de depoimentos sobre resistência, coragem, bravura e luta. É neste contexto que surge o projeto “Marcas da Memória”, que expande ainda mais a reparação individual em um processo de reflexão e apren-dizado coletivo, fomentando iniciativas locais, regionais e nacionais que permitam àqueles que viveram um passado sombrio, ou que a seu estudo se dedicaram, dividir leituras de mundo que permitam a reflexão crítica sobre um tempo que precisa ser lembrado e abordado sob auspícios de-mocráticos.

Para atender estes amplos e inovadores propósitos, as ações do projeto Marcas da Memória estão divididas em quatro campos:

a) Audiências Públicas: atos e eventos para promover

pro-cessos de escuta pública dos perseguidos políticos sobre o passado e suas relações com o presente.

b) História oral: entrevistas com perseguidos políticos

basea-das em critérios teórico-metodológicos próprios da Histó-ria Oral. Todos os produtos ficam disponíveis no MemoHistó-rial da Anistia e poderão ser disponibilizadas nas bibliotecas e centros de pesquisa das universidades participantes do projeto para acesso da juventude, sociedade e pesquisado-res em geral;

c) Chamadas Públicas de fomento a iniciativas da Socieda-de Civil: por meio Socieda-de Chamadas Públicas, a Comissão

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preserva-ção de acervos, locais de memória, produções teatrais e materiais didáticos.

d) Publicações: coleções de livros de memórias dos

perse-guidos políticos; dissertações e teses de doutorado sobre o período da ditadura e a anistia no Brasil; reimpressões ou republicações de outras obras e textos históricos e rele-vantes; registros de anais de diferentes eventos sobre anis-tia política e justiça de transição. Sem fins comerciais ou lucrativos, todas as publicações são distribuídas gratuita-mente, especialmente para escolas e universidades.

O projeto “Marcas da Memória” reúne depoimentos, sistematiza informações e fomenta iniciativas culturais que permitem a toda socieda-de conhecer o passado e socieda-dele extrair lições para o futuro. Reitera, por-tanto, a premissa que apenas conhecendo o passado podemos evitar sua repetição no futuro, fazendo da Anistia um caminho para a reflexão crítica e o aprimoramento das instituições democráticas. Mais ainda: o projeto investe em olhares plurais, selecionando iniciativas por meio de edital público, garantindo igual possibilidade de acesso a todos e evitando que uma única visão de mundo imponha-se como hegemônica ante as demais. Espera-se, com este projeto, permitir que todos conheçam um passado que temos em comum e que os olhares históricos anteriormente reprimidos adquiram espaço junto ao público para que, assim, o respeito ao livre pensamento e o direito à verdade histórica disseminem-se como valores imprescindíveis para um Estado plural e respeitador dos direitos humanos.

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Advogados entrevistados

Alcyone Vieira Pinto Barreto Amadeu de Almeida Weinmann Antônio Carlos da Gama Barandier

Antônio de Pádua Barroso Antônio Modesto da Silveira

Arthur Lavigne Belisário dos Santos Junior Boris Marques da Trindade

Dyrce Drach Eny Raimundo Moreira

Fernando Fragoso

Flávio Flores da Cunha Bierrenbach Flora Strozenberg

George Francisco Tavares Humberto Jansen Machado Idibal Almeida Pivetta

Ilídio Moura José Carlos Dias José Moura Rocha Luiz Carlos Sigmaringa Seixas

Luiz Eduardo Greenhalgh Luiz Olavo Baptista Manuel de Jesus Soares

Marcello Cerqueira

Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach Maria Regina Pasquale

Mario de Passos Simas Nélio Roberto Seidl Machado

Nilo Batista

Pedro Eurico de Barros e Silva René Ariel Dotti Tales Castelo Branco

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Advogados falecidos

Aldo Lins e Silva Antônio Evaristo de Moraes Filho Augusto Sussekind de Moraes Rego

Bento Rubião Eloar Guazzelli Heleno Cláudio Fragoso Hélio Henrique Pereira Navarro Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Lino Machado Lysaneas Maciel Mércia Albuquerque Ferreira

Miguel Aldrovando Aith Osvaldo Mendonça

Paulo Cavalcanti Paulo Goldrajch Raimundo Pascoal Barbosa

Raul Lins e Silva Rômulo Gonçalves Ronilda Maria Lima Noblat

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

EMPREGADAS NAS ENTREVISTAS

ABI – Associação Brasileira de Imprensa ABIN – Agência Brasileira de Inteligência ACO – Ação Católica Operária

ACP – Ato Complementar AI – Ato Institucional AIT – Ato Institucional

ALN – Ação Libertadora Nacional AP – Aliança Popular

APML – Ação Popular Marxista-Leninista Art. – Artigo

ARENA – Aliança Renovadora Nacional CACO – Centro Acadêmico Cândido de Oliveira CALC – Centro Acadêmico Luís Cárpenter CBA – Comitê Brasileiro pela Anistia CCC – Comando de Caça aos Comunistas

CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento CENIMAR – Centro de Informações da Marinha Cf. – Confira

CIA – Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência) CIE – Centro de Informações do Exército

CIEx – Centro de Informações do Exército CISA – Centro de Informações da Aeronáutica CGI – Comissão Geral de Investigação CJM – Circunscrição Judiciária Militar

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do Brasil CPOR – Centro de Preparação de Oficiais de Reserva

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CRUSP – Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo D. – Dom

DCE – Diretório Central dos Estudantes DEC – Decreto

DEL – Decreto-Lei DER – Decreto Reservado

DERSA – Desenvolvimento Rodoviário Sociedade Anônima DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito

DNE – Diretório Nacional dos Estudantes

DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna

DOPS – Departamento de Ordem Política e Social DSN – Doutrina de Segurança Nacional

DSV – Departamento de Operação do Sistema Viário EBAP – Escola Brasileira de Administração Pública FAB – Força Aérea Brasileira

FNFI – Faculdade Nacional de Filosofia

GETAT – Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins

HCHabeas Corpus

HC – Hospital das Clínicas

IAB – Instituto dos Advogados do Brasil IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

IPM – Inquérito Policial Militar JUC – Juventude Universitária Católica LSN – Lei de Segurança Nacional

MDB – Movimento Democrático Brasileiro MOLIPO – Movimento de Libertação Popular MR-8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro NYT – New York Times

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OBAN – Operação Bandeirante

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PIC – Pelotão de Investigações Criminais PM – Polícia Militar

POC – Partido Operário Comunista

POLOP – Organização Revolucionária Marxista Política Operária PORRA – Partido Operário Revolucionário Retado e Armado PRA – Partido de Representação Acadêmica

PRP – Partido Republicano Progressista PSD – Partido Social Democrático PSOL – Partido Socialismo e Liberdade PSP – Partido Social Progressista PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro PUC – Pontifícia Universidade Católica RO – Recurso Ordinário

SOPS – Seções de Ordem Política e Social SNI – Serviço Nacional de Informações STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça STM – Superior Tribunal Militar TFP – Tradição, Família e Propriedade TJ – Tribunal de Justiça

TUCA – Teatro da Universidade Católica de São Paulo UDN – União Democrática Nacional

UEE – União Estadual dos Estudantes UEG – Universidade do Estado da Guanabara UFE – União Fronteiriça de Estudantes UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UJC – União da Juventude Comunista

UME – União Metropolitana dos Estudantes UnB – Universidade de Brasília

UNE – União Nacional dos Estudantes

UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquisa Filho” Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USP – Universidade de São Paulo

V. – Vide

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APRESENTAÇÃO

O regime militar, instaurado pelo golpe de 1964, marcou-se pela contínua repressão aos adversários políticos do governo. Para conferir legitimidade às ações persecutórias do Estado brasileiro de então, criou-se um robusto aparato jurídico, que sofreu constantes aper-feiçoamentos em prol do regime, sobretudo com a adoção do AI-5 em 13 de dezembro de 1968 que, dentre outras medidas, suspendeu a garantia do habeas corpus para os casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

Em meio a esse contexto, de regras cada vez mais voltadas à desmobilização de grupos políticos rivais e da sociedade civil em geral, muitos advogados e advogadas defenderam opositores políticos do regi-me militar que nominalregi-mente vigeu no Brasil entre 1964 a 1985.

Esses profissionais do direito tinham a difícil missão de fazer uso do próprio aparato jurídico do regime militar nas defesas de seus clientes. As perguntas que guiaram a investigação resultante neste livro foram: em um cenário jurídico de tal maneira desfavorável, como os advogados e advogadas faziam uso do direito para defender os interesses dos adversários políticos do regime? Quais instrumentos jurídicos eram utilizados na ausência do habeas corpus? Como manter-se na profissão numa área da advocacia que parecia pouco rentável e arriscada?

Zelo, probidade e independência, valores fundamentais a que o advogado deve se pautar, deveriam estar lado a lado de certa dose de criatividade e domínio das habilidades técnicas. A edição dos Atos Insti-tucionais, Atos Complementares e Decretos Reservados (ou Secretos), cuja natureza normativa e conteúdo regulado eram novidade no meio jurídico brasileiro, requeria ainda mais agudez e ponderação por parte dos advogados e advogadas. Relatar, nos ambientes forenses, as violên-cias e arbitrariedades cometidas contra os seus clientes, exigia firmeza e, acima de tudo, coragem.

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ilegalidades no cerceamento do direito de ir e vir, qualquer prisão que fugisse dos parâmetros legais não teria instrumento jurídico correspon-dente para coibi-la. Sem essa ferramenta, advogados e advogadas, se-gundo relatam as entrevistas, adotavam expedientes inominados que, se funcionassem, levavam a resultados práticos semelhantes. Em suma: contornavam óbices processuais de maneira inventiva, garantindo prote-ção jurídica mesmo àqueles a quem as leis da ditadura militar mais que-riam perseguir do que proteger.

Ao mesmo tempo, enquanto o regime recrudescia, as leis torna-vam-se mais rígidas, as denúncias de tortura e violências ocorriam com mais frequência, e os advogados, nessas circunstâncias, arriscavam-se a sofrer represálias por defenderem clientes considerados subversivos.

Nesse contexto, as 34 entrevistas, que compõem esta obra, de alguns dos principais advogados e advogadas que defenderam opositores políticos durante o regime militar de 1964-1985, trazem relevantes con-tribuições à construção desse recente capítulo da história nacional. São relatos de destemor e firmeza na defesa das prerrogativas dos advogados e dos direitos fundamentais de seus clientes. São, também, testemunhos de criatividade e destreza no manejo do direito à favor da justiça.

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PREFÁCIO

A memória como reparação.

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça integra a es-trutura do Estado brasileiro desde a aprovação de Lei 10.559/02, que regulamentou o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias da Constituição da República de 1988.

Sua missão constitucional, portanto, é a de promover políticas públicas de reparação e memória em torno das violações aos direitos fundamentais e sobre quaisquer atos de exceção praticadas entre 1946 e 1988.

Trata-se de um espaço institucional de superação da ética do esquecimento e do sigilo por uma cultura que valorize a transparência e a verdade histórica.

Para alcançar estes propósitos foi preciso promover uma vira-da hermenêutica no senso comum em torno do conceito de anistia. Se o regime autoritário pretendeu utilizá-lo como mecanismo de esquecimento e impunidade ou como um ato em que o Estado “perdoava” aos perse-guidos políticos que ele mesmo criminalizou pela Lei de Segurança Na-cional, por sua vez, na democracia a ideia de anistia é ressignificada.

Na democracia, a anistia constitucional significa memória e conhecimento dos fatos para que o Estado assuma a sua responsabilida-de pelo cometimento responsabilida-de graves violações aos direitos humanos e cumpra sua obrigação de reparar. Nestes termos, a anistia passa a significar o ato pelo qual o Estado “pede desculpas oficiais” pelos erros que come-teu no passado a cada um dos ex-perseguidos, presos políticos e familia-res dos mortos e desaparecidos. A condição de anistiado político embute o reconhecimento do legítimo direito de resistir contra a opressão.

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(1964--1985), conjugando documentos oficiais com inúmeros depoimentos e acervos agregados pelas vítimas. Esse acervo pouco a pouco é disponi-bilizado a toda a sociedade por meio do Memorial da Anistia Política do Brasil, sítio federal de memória e homenagem às vítimas, em construção na cidade de Belo Horizonte.

A necessária reflexão sobre a importância da não repetição dos atos de arbítrio insere a memória como a melhor arma humana contra a barbárie.

O exercício da memória é um ato de reparação nos marcos da Justiça de Transição. Os projetos de memória são ações de reparação coletiva e têm o claro objetivo de permitir a toda a sociedade conhecer, compreender e, então, gerar consciência crítica e condenação moral sobre tais erros.

Uma ética da memória tem sido forjada em um acelerado mo-vimento global desde o pós-guerra. Uma ética segundo a qual uma grave lesão aos direitos de qualquer cidadão singular ou a um grupo social – torturas, genocídios, massacres, desaparecimentos forçados, por exem-plo – produzidas sistematicamente e independentemente de qualquer território igualmente ofende a todos. Ignorar esses fatos equivaleria a nos desumanizarmos.

Partindo destes pressupostos e, ainda buscando valorizar a luta daqueles que resistiram, a Comissão de Anistia passou, a partir de 2008, a realizar sessões de apreciação pública, em todo o território nacional, dos pedidos de anistia, de modo a tornar o passado e o conjunto de vio-lações acessíveis a todos. As "Caravanas da Anistia” romperam com o silêncio e medo de discutir publicamente o passado e transferiram o tra-balho cotidiano da Comissão de Anistia das quatro paredes de mármore do Palácio da Justiça para a praça pública, para escolas e universida-des, associações profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquer local onde perseguições ocorreram. Assim, passou a ativamente conscien-tizar as novas gerações, nascidas na democracia, da importância de hoje vivermos em um regime político livre, que deve e precisa ser continua-mente aprimorado.

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É neste contexto que se publica este importante livro como uma parceria da Comissão de Anistia e das Escolas de Direito da Fundação Getulio Vargas. Ela retrata o importante papel da advocacia na proteção dos cidadãos que se viam completamente desamparados pelo Estado que utilizou deliberadamente mecanismos institucionais para reprimir, per-seguir, ferir direitos fundamentais e conceder ao autoritarismo contornos de um regime de legalidade.

Diante de um Estado autoritário legitimado por leis de exceção – que utilizava o direito e suas ferramentas de forma a construir um aparato legal racional-positivista em que se apoiavam as mais arbitrárias condutas – corajosos advogados e advogadas, como se depreende dos relatados ao longo das diversas entrevistas deste livro, mostram como o tecnicismo do poder constituído de forma ilegal foi revertido, de maneira criativa, a fa-vor da proteção da integridade física dos perseguidos políticos.

A advocacia-arte, portanto, envolveu o conhecimento dos me-canismos legais empregados pelo regime de exceção para torná-los uma ferramenta de combate à própria arbitrariedade do Estado. É a a ple-nitude da advocacia para preservar o instituto do direito e da justiça ameaçado durante os anos de chumbo.

O trabalho exemplar destes advogados e advogadas está aqui retratado, entre outras razões, para deixar assentadas as escolhas que fizeram nos momentos mais difíceis ao colocarem em risco suas próprias vidas para salvar as alheias. Honraram seus diplomas e juramentos.

Daí que a riqueza destes depoimentos reside no fato de não apenas retratarem o contexto político e social de uma importante época da história brasileira e da região, mas também transparece as lutas e utopias daqueles juristas que foram protagonistas na defesa da resistên-cia às ditaduras, que demonstraram coerênresistên-cia e firmeza em defesa dos direitos humanos e da ordem constitucional de 1946 interrompida por um Golpe contra as instituições democráticas.

Aos que organizaram e trabalharam para este significativo projeto somados aos que se dispuseram a compartilhar suas memórias fica um sincero agradecimento da Comissão de Anistia pelo engajamento ao movimento nacional pró-memória.

Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Paulo Abrão

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SUMÁRIO

ADVOCACIA E RESISTÊNCIA: ESTRATÉGIAS JURÍDICAS DE DEFESA DE PERSEGUIDOS POLÍTICOS EM MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA DA DITADURA DE 1964Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz... 31

I – Da Advocacia à Resistência: Os Advogados no Contexto da Oposição à Ditadura Militar ... 32 II – Do Limão à Limonada: As Estratégias de Defesa em Meio à Legislação

Repressiva ... 40

ENTREVISTAS

ALCYONE VIEIRA PINTO BARRETO... 49 AMADEU DE ALMEIDA WEINMANN... 57 ANTÔNIO CARLOS DA GAMA BARANDIER... 78 ANTÔNIO DE PÁDUA BARROSO... 85 ANTÔNIO MODESTO DA SILVEIRA... 114 ARTHUR LAVIGNE... 136 BELISÁRIO DOS SANTOS JUNIOR... 144

BORIS MARQUES DA TRINDADE... 187 DYRCE DRACH... 220 ENY RAIMUNDO MOREIRA... 233

FERNANDO FRAGOSO... 253 FLÁVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH... 267 FLORA STROZENBERG... 288

(31)

IDIBAL ALMEIDA PIVETTA... 322 ILÍDIO MOURA... 358

JOSÉ CARLOS DIAS... 376 JOSÉ MOURA ROCHA... 401 LUIZ CARLOS SIGMARINGA SEIXAS... 422 LUIZ EDUARDO GREENHALGH... 449 LUIZ OLAVO BAPTISTA... 491 MANUEL DE JESUS SOARES... 518 MARCELLO CERQUEIRA... 530 MARIA LUIZA FLORES DA CUNHA BIERRENBACH... 540

MARIA REGINA PASQUALE... 564 MARIO DE PASSOS SIMAS... 589 NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO... 637

NILO BATISTA... 647 PEDRO EURICO DE BARROS E SILVA... 660 RENÉ ARIEL DOTTI... 686

TALES CASTELO BRANCO... 719 TÉCIO LINS E SILVA... 749 VIRGÍLIO EGYDIO LOPES ENEI... 773

GLOSSÁRIO... 809

1 Personalidades... 809 2 Fatos ... 871 3 Dicionário de Termos e Expressões Jurídicas Empregadas nas Entrevistas... 872

PRINCIPAIS LEIS DO PERÍODO DE EXCEÇÃO... 873

(32)

ADVOCACIA E RESISTÊNCIA:

ESTRATÉGIAS JURÍDICAS DE DEFESA

DE PERSEGUIDOS POLÍTICOS EM

MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA

DA DITADURA DE 1964

Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Qual foi o papel do advogado durante a ditadura militar no Brasil? Como eles defendiam presos políticos mesmo sem previsão legal de ins-trumentos jurídicos? Esse livro trata sobre essas questões, mais especifi-camente sobre as estratégias utilizadas pelos advogados para defender presos políticos durante a ditadura militar1. Nosso principal objetivo é

relatar a experiência de cada advogado e as estratégias de defesa utilizadas. Embora haja diversos trabalhos sobre o período da ditadura mi-litar, não há algum que trate de forma tão detalhada sobre as contribui-ções dos advogados no nível nacional. Entrevistamos, assim, os advoga-dos e advogadas brasileiros que defenderam presos políticos nessa época, do norte ao sul do país. São eles: Alcyone Vieira Pinto Barreto, Amadeu de Almeida Weinmann, Antônio Carlos da Gama Barandier, Antônio de Pádua Barroso, Antônio Modesto da Silveira, Arthur Lavigne, Belisário dos Santos Junior, Boris Marques da Trindade, Dyrce Drach, Eny Raimundo Moreira, Fernando Fragoso, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, Flora

1 Para um estudo sobre a utilização dos julgamentos políticos pelos militares como

forma de tentar legalizar a repressão, veja: PEREIRA, Anthony. Political (In)Justice. Authoritarianism and the Rule of Law in Brazil, Chile, and Argentina. Pittsburgh:

(33)

Strozenberg, George Tavares, Humberto Jansen Machado, Idibal Almeida Pivetta, Ilídio Moura, José Carlos Dias, José Moura Rocha, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, Luiz Eduardo Greenhalgh, Luiz Olavo Baptista, Manuel de Jesus Soares, Marcello Cerqueira, Maria Luiza Flores da Cunha Bier-renbach, Maria Regina Pasquale, Mario de Passos Simas, Nélio Roberto Seidl Machado, Nilo Batista, Pedro Eurico de Barros e Silva, René Ariel Dotti, Tales Castelo Branco, Técio Lins e Silva e Virgilio Egydio Lopes Enei.

Além deles, Rosa Maria Cardoso teve papel fundamental nesse período, mas, em virtude de seu trabalho como membro da Comissão Nacional da Verdade, não pôde gravar entrevista. Ademais, não podería-mos deixar de registrar a importância para essa luta de alguns advogados que já faleceram: Aldo Lins e Silva, Antônio Evaristo de Moraes Filho, Augusto Sussekind de Moraes Rego, Bento Rubião, Eloar Guazzelli, Heleno Cláudio Fragoso, Hélio Henrique Pereira Navarro, Heráclito Fontoura Sobral Pinto, Lino Machado, Lysaneas Maciel, Mércia Albuquerque Ferreira, Miguel Aldrovando Aith, Osvaldo Mendonça, Paulo Cavalcanti, Paulo Goldrajch, Raimundo Pascoal Barbosa, Raul Lins e Silva, Ronilda Maria Lima Noblat, Vivaldo Vasconcelos e Wanda Rita Othon Sidou.

Através das entrevistas, ficou claro que esse grupo pequeno de advogados ia além dos instrumentos legais para, em última análise, salvar vidas: utilizaram muita criatividade e persistência em suas defesas. Sem receber honorários na maioria dos casos, eles eram movidos por senso de justiça e pela vontade de salvar pessoas que nem conheciam. Portanto, esses jovens advogados, que tinham na época entre 25 e 35 anos, têm muito a nos ensinar. As suas lições devem servir de exemplo para a socie-dade brasileira como um todo, e em especial àqueles que já nasceram num país democrático, a fim de que saibam sobre o nosso passado e vigiem o nosso futuro.

I

DA ADVOCACIA À RESISTÊNCIA: OS ADVOGADOS

NO CONTEXTO DA OPOSIÇÃO À DITADURA

MILITAR

(34)

“mal das conjunturas comuno-sindicalistas”, que permitiria a sobrevivên-cia da Nação Brasileira “sob a égide intocável do Estado de Direito” 2.

Como muitos outros grupos sociais, a reação da OAB Federal foi de muita cautela, com viés de otimismo, diante das incertezas políticas das mudanças de então.

A contaminação da classe com o espírito da luta pela redemo-cratização, a ponto de levar a OAB definitivamente para as trincheiras da oposição ao regime militar, viria com mais força a partir da fase de recru-descimento político, na era Costa e Silva. Vindo o AI-5 e sobretudo as ondas de violência estatal contra a imprensa e os próprios advogados, a OAB passou a adotar um tom de contraponto mais forte às iniciativas do regime. Viu-se que a violência dos primeiros meses do governo militar não era passageira, como muitos esperavam; ao contrário, seu viés era de alta, como também se perdia de vista a perspectiva de sua duração, nos ecos da retórica governista da “revolução permanente que legitima a si mesma” – e que se permitia utilizar da força necessária para seguir em seu “intento transformador”. Quando Raimundo Faoro tornou-se presi-dente do Conselho Federal da OAB, em 1977, o órgão contaminou-se de vez com o espírito da oposição e tornou-se um importante ator na luta pela redemocratização, aliado a outras organizações da sociedade civil. Embora em cenários regionais a postura dos órgãos de classe dos advo-gados possa ter sido diferente3, foi lenta a tomada de posição política

antirregime no nível federal.

Que fatores levaram a essa mudança de postura, da saudação à espreita cautelosa, daí aos protestos pontuais, e por fim à oposição políti-ca? As entrevistas e fontes pesquisadas sugerem tratar-se de verdadeiro movimento bottom up: uma posição política construída a partir do

posi-cionamento de advogados e advogadas que, a cada dia, sentiam-se mais limitados nas suas possibilidades de atuação profissional. Daí veio a to-mada de posicionamento de suas entidades de classe em defesa de suas prerrogativas, muitas vezes a pedido desses advogados que, no dia a dia dos foros e Auditorias Militares eram diminuídos ou obstaculizados no exercício de sua profissão, quando não desrespeitados e até violentados.

Advogados e advogadas que fizeram frente à ditadura envolve-ram-se nesse processo, em sua maior parte, como se envolvem em muitos

2 ORDEM dos Advogados do Brasil. Ata da 1115a sessão. 07/04/1964.

3 Alguns entrevistados revelam que, em seus respectivos estados, a posição das seções

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outros: a partir de seus clientes e dos casos nos quais se envolvem profis-sionalmente. Advogados, especialmente os de atuação criminal, repre-sentam pessoas que estão em apuros perante as autoridades estatais, e os opositores políticos do regime, do começo ao fim da ditadura militar, viram-se nessa condição perenemente. Havia, é claro, razões de ordem moral que os levavam a aceitar tais defesas, muitas vezes mal vistas por outros colegas de profissão, mas tais razões eram variáveis: uns poucos viam-se como “causídicos orgânicos”, ou seja, militantes da oposição que ajudavam à causa como podiam, e o podiam advogando; mas as entre-vistas mostram que a maioria, embora julgando-se do lado certo da cisão política da época, tinha absoluta clareza de seus deveres éticos e profissio-nais em cada defesa de perseguido político, porque eram, afinal, advoga-dos, não militantes – ao menos enquanto estivessem atuando na defesa de um constituinte seu. Assim, nem se misturavam na prática de ilegalidades cometidas por seus clientes – embora os defendessem intensamente con-tra a responsabilização por esses mesmos atos –, nem tampouco usavam de sua condição de relativa superioridade técnica em face de seus consti-tuintes para praticar proselitismo jurídico. Quisesse o acusado expressar suas convicções subversivas perante o juiz da Auditoria Militar, indican-do por profissão “revolucionário”4, que o fizesse. O advogado estava ali

para aconselhá-lo quanto às consequências de sua decisão, e não para impedi-lo de agir segundo suas convicções. Mesmo em processos de na-tureza política, seguiam sendo apenas advogados, enfim.

Se hoje se fala muito de judicialização da política, pode-se dizer que, nos anos do regime militar, o movimento contrário ocorreu: a politi-zação da justiça. Qualquer ordem política que venha em substituição a uma ordem anterior, especialmente num contexto de ruptura institucional – e não de uma transição negociada, como a que levou à Constituição de 1988 – precisa construir sua legitimidade. Isso se faz tanto pela vincula-ção do novo regime à protevincula-ção e promovincula-ção de valores substantivos de alto apreço social, como a ditadura militar procurou fazer ao retratar-se como defensora de nossas tradições cívicas e paladina do combate à cor-rupção que ela só fez aumentar, como também pelo controle dos aparatos de poder político daquela sociedade, representados sobretudo pela buro-cracia estatal, que responde pelo coração e sistema sanguíneo do sistema jurídico: do Estado e seus órgãos o direito nasce, e por eles se espalha, se aplica e se faz valer. Quem controla o regular funcionamento da

4 Episódios nesse sentido são relatados, entre outros, nos depoimentos de Idibal Pivetta,

(36)

cia estatal – os órgãos criadores e aplicadores do direito – consegue im-por seu plano político com ares de normalidade, o que é, im-por si só, um fator de sua legitimação; e como Raoul Van Caenegem diz, com simpli-cidade e precisão, “quem controla o direito controla a sociedade” 5. Por

essa razão os militares avançaram, desde os primórdios do regime, não só sobre o Legislativo, mas também sobre o Judiciário. Por essa razão, ne-cessitaram sempre de bons juristas para fundamentar juridicamente seus atos de ditadura, pois por mais incompatíveis que fossem com o Estado de Direito e a ordem constitucional vigente6; e também por isso

procura-vam dar roupagem institucional às normas e órgãos de repressão, regula-mentando e burocratizando a perseguição política.

Ao fazê-lo, porém, os militares sujeitavam a análise de seus atos à racionalidade jurídica, produto de uma cultura própria e razoavelmente hermética que muitas vezes impôs revezes imprevistos ao governo. Basta lembrar-se da consistente atuação do STF, nos primeiros meses do gover-no militar, gover-no sentido de impedir que os civis acusados de subversão fos-sem processados perante a Justiça Militar, que pela Constituição então vigente (1946) guardava competência apenas para casos de segurança externa, e não interna (art. 108, § 1o). Com base nesse dispositivo, o STF

concedeu ordem de habeas corpus a um professor de Ciências Sociais do

Rio de Janeiro, ainda em 19647. Em 1965, retirou outro pedaço da

pre-tendida competência da Justiça Militar, no célebre caso Miguel Arraes, pela aplicação de dois princípios de direito processual que, para os

5 CAENEGEM, Raoul van.

Juízes, legisladores e Professores. Rio de Janeiro: Campus

Elsevier, 2010. p. 1-46.

6 Três exemplos ilustrativos: Francisco Campos e a defesa do Ato Institucional de 9 de

Abril de 1964 (em BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da história do Brasil, v. 7, p. 485); Carlos Medeiros Silva e a sustentação da

constitu-cionalidade dos atos institucionais (“A Constituição e os Atos Institucionais”, Revista de Direito Administrativo, v. 121, p. 469-475, jul.-set. 1975; e “Atos Institucionais e

Atos Complementares”, Revista de Direito Administrativo, v. 95, p. 282-289,

jan.-mar. 1969); e Hely Lopes Meirelles e a justificação jurídica do AI-5, publicada dias após a publicação do ato (“Natureza e conteúdo do Ato Institucional 5”, Revista dos Tribunais, v. 57, n. 398, p. 419-423, 1968.

7 STF,

HC 40.974, Rel. Min. Antonio Villas Boas, j. em 01.10.1964. A postura do STF

(37)

tas, são comezinhos. Primeiro: a regra de determinação da competência processual pela função do acusado (ratione personae) prevalece sobre

aquela que estabelece competência por matéria (ratione materiae), de

forma que mesmo nos crimes militares, o foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”) deve ser observado. Segundo: a instrução criminal, isto é, a fase de produção de provas e apuração da responsabilidade do acusado, estando preso o réu, não pode se prolongar excessivamente, pois o princípio do devido processo legal compreende um direito à duração razoável do processo. Miguel Arraes estava preso há um ano e 18 dias quando o STF mandou soltá-lo8.

A decisão do STF, relatada pelo Ministro Evandro Lins e Silva, que seria cassado na esteira do AI-5, foi deliberadamente desobedecida pelos militares, gerando enorme atrito entre o Tribunal e o Executivo. Pouco tempo depois, outro membro da oposição pernambucana, o depu-tado comunista Francisco Julião, foi solto pelo Tribunal, que reformou decisão anterior do Superior Tribunal Militar que negara seu pedido de liberdade9. A crise dos HCs levou a rusgas entre militares de alta patente

e o presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, udenista até então visto como simpático ao movimento militar10. Ribeiro da Costa disse que os

militares precisavam entender que, num regime democrático, as Forças Armadas não eram mentoras da nação; Costa e Silva, então Ministro da Guerra de Castello Branco, retrucou: “o Exército não tem chefe. Não precisa de lições do STF”11.

Como era possível que os advogados pudessem usar do sistema jurídico se os militares se pretendiam acima ou à margem do STF, e por conseguinte de todo o sistema de justiça? Para entendê-lo, é preciso ter em mente que a lógica da imunidade militar, externada por Costa e Silva, concorria, dentro das Forças Armadas, com outra visão que se pode cha-mar de legalista. A visão de Costa e Silva engendrou e alimentou a “ti-grada”, apelido com o qual Delfim Netto12 designava aqueles que, nos

porões ou nas ruas, agiam como caçadores de subversivos e contavam com a impunidade de suas ações, confiando-se acima da lei e entendendo que não deviam obediência a códigos ou a juízes. A banda legalista, por

8 STF,

HC 42.108, Rel. Min Evando Lins e Silva, j. em 19.04.1965.

9 STF,

HC 42.560, Rel. Min. Evandro Lins e Silva (p/o acórdão), j. em 27.09.1965.

10 Para a posição de Ribeiro da Costa e um relato do episódio, v. SILVA, Evandro Lins.

Salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / FGV, 1997. p. 381 e ss.

11 Sobre a contenda entre militares e STF, v. GASPARI, Elio.

A Ditadura Envergo-nhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 271.

12 GASPARI,

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sua vez, tendia a um acatamento maior a regras, normas e procedimentos, o que se explica facilmente na mentalidade militar: regras são a base da hierarquia e da autoridade, elementos constitutivos da estrutural institu-cional das Forças Armadas13. O ethos usual de um militar é o de respeito

às regras, e não o de seu contorno ou violação.

Justamente porque na lógica oposta valia a força, e não o direito, os órgãos encarregados da burocracia jurisdicional militar tornaram-se, como disse José Carlos Dias em sua entrevista, uma espécie de “enterro de luxo” dos legalistas de alta patente quando a “linha dura” esteve no controle do governo. Quem crê na força, mas despreza as normas, quer comandar tropas e não enfrentar a papelada do STM, mesmo com o status

de Ministro. Daí resultou que a Justiça Militar, a mais longa justiça em funcionamento na história brasileira, teve seu órgão de cúpula em boa parte preenchido por generais de mentalidade considerada liberal por alguns entrevistados, embora não por isso progressistas. Ainda que a historiografia mais recente tenha desmentido a tese de que o STM tenha sido complacente com acusados de crimes políticos14, os depoimentos de

muitos entrevistados revelam que, embora a Justiça Militar fosse excessi-vamente comprometida com o regime, ela era palco muitas vezes mais digno para o exercício da advocacia do que a Justiça Comum: o advogado era recebido adequadamente, não se lhe cassava a palavra e, não rara-mente, saía-se vitorioso quando fosse tecnicamente o caso em face das leis repressivas da época – leis injustas podem ser aplicadas com justiça, lembremo-nos15.

Segundo muitos advogados e advogadas entrevistados, tais vitó-rias eram muitas vezes mais fáceis de conseguir na Justiça Militar do que na Justiça Comum16. Como exemplo, José Carlos Dias cita que preparou

13 Sobre a relação entre militares, autoridade e sistema jurídico, remetemos ao

depoi-mento de Flávio Bierrenbach, que além de uma pequena atuação como advogado de perseguidos políticos nos meses seguintes ao Golpe de 1964, foi indicado, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Ministro do Superior Tribunal Militar. Confira-se também sua obra Dois séculos de justiça. São Paulo: Lettera.doc, 2010.

14 Cf. MOREIRA, Angela Domingues.

Ditaduta e Justiça Militar no Brasil: a atuação

do Superior Tribunal Militar (1964-1980). Tese (Doutorado) – CPDOC/FGV. Rio de Janeiro, 2011.

15 HART, Herbert L. A.

The concept of law. Oxford: OUP, 1994. p. 160.

16 Ao comparar julgamentos políticos no Brasil, Argentina e Chile, Anthony Pereira

con-clui que somente no Brasil os advogados de presos políticos foram capazes de alterar significativamente interpretações sobre as leis de segurança nacional. PEREIRA. Op. cit., p. 12. Ademais, o autor ressalta o índice relativamente alto de absolvição desses

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uma representação ao STM quando soube que Idibal Pivetta havia sido preso. Nessa representação, ele dava ciência sobre a prisão e ressaltava que seu único motivo era o de que Idibal era advogado de preso político. Sem protocolar a representação, José Carlos Dias pediu a palavra assim que o presidente do STM abriu a sessão e, embora não estivesse inscrito, teve o aval para fazer a sustentação e, no final, lhe foi concedida a per-missão para protocolar a representação. Muito menos laudatório foi o retrato pintado, nas entrevistas, da principal autoridade civil com quem tinham de lidar, o promotor de Justiça Militar, especialmente no caso dos entrevistados paulistas.

A impossibilidade de uma relação, mesmo que burocrática e profissional, entre advogados e o sistema de justiça da época da ditadura vai se tornando mais aguda à medida que crescem as tentativas de interfe-rência do governo não só sobre as leis e a justiça, mas sobre os próprios advogados e seus meios de profissão. O fechamento do cerco à imprensa constituiu uma importante peça desse quebra-cabeças. Embora houvesse escolas de jornalismo em funcionamento desde a década de 1940 no Brasil, foi apenas nas décadas de 1960 e 1970 que o número de escolas aumentou expressivamente. Isso significa que durante a maior parte do regime militar, a classe dos jornalistas, assim também a dos escritores de livros e peças – os profissionais do texto escrito em geral, enfim – era em grande parte formada de bacharéis em direito, muitos dos quais também advogados. Os que não eram advogados eram colegas de faculdade de advogados. Havia, portanto, intensa relação profissional e pessoal entre a classe dos advogados e a classe dos jornalistas. O recrudescimento e a generalização da repressão à imprensa eram, portanto, interferência direta sobre as possibilidades profissionais e materiais de personagens egressos do mundo jurídico, ou co-habitantes dos mundos do direito e das letras. Por aí se entende o porquê de a OAB, sempre primeiramente ocupada com a defesa dos advogados, ter tomado posição institucional aguerrida contra as investidas do governo em face da imprensa.

Os primeiros estranhamentos mostrados pela OAB diante da ditadura foram classistas: ainda em 1964, o Conselho Federal da institui-ção decidiu que seus filiados, cujos direitos políticos haviam sido cassa-dos pelo governo militar, não estavam impedicassa-dos de exercer a profissão17.

A leva de prisões de advogados e advogadas a partir de 1968 e a postura da OAB em repreensão a essas medidas, protestando publicamente, alian-do-se a outras instituições de representação – como a Associação

17 ORDEM dos Advogados do Brasil.

História do Conselho Federal. Disponível em:

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leira de Imprensa – e promovendo desagravos públicos de seus filiados ofendidos nas suas prerrogativas profissionais, também levou a engaja-mentos maiores da instituição contra o regime. Aqui, eram sobretudo os advogados criminalistas as maiores vítimas dos atos de repressão ao re-gime militar, muitos dos quais entrevistados neste livro. Alguns desses mesmos advogados, em outras oportunidades, foram os profissionais designados pelas seccionais estaduais da OAB para atuar em favor de outros colegas presos. Seus depoimentos mostram bem o sentido que tinha essa luta: combater o regime por convicções políticas torna-se uma realidade só muito adiante na ditadura; em seus primeiros anos, a luta era sobretudo defensiva, buscando proteger a integridade dos advogados e as possibilidades de sua atuação profissional.

A legislação repressiva, ao impedir a utilização de habeas cor-pus ou o acesso do advogado a seu cliente, estrangulava não só a

oposi-ção do regime, mas a própria profissão do advogado criminalista. O mesmo vale para invasão de escritórios ou interceptações de telefones comerciais e residenciais de advogados, relatadas por muitos dos entre-vistados. Na medida em que o advogado colocava-se em defesa do acu-sado de subversão política, oferecia-se como obstáculo à meta governista de total desarticulação da oposição civil e política ao regime. Era neces-sário enfraquecer a defesa para atingir o perseguido que ela defendia. Por essa lógica, advogados e advogadas sofreram violências variadas, de pri-sões curtas a torturas físicas, narradas nas páginas deste livro por quem as viveu.

(41)

II

DO LIMÃO À LIMONADA: AS ESTRATÉGIAS DE

DEFESA EM MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA

De acordo com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ), 1971 a 1973 foi o período com o maior número de desapa-recidos durante a ditadura militar18. Do total de 125 desaparecidos, 98

desapareceram durante esses anos19. Esse dado coincide com o período de

maior repressão política, que ocorreu de 1969 a 1973, logo após a edição do AI-5.

O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, extinguiu o habeas corpus

para crimes políticos, crimes contra a segurança nacional, a ordem eco-nômica e social e a economia popular20. Com ele teve início um período

na história do país em que os civis, que foram presos por supostamente terem cometido esses tipos de crimes, não tinham mais a garantia consti-tucional contra o constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção. De acordo com artigo do Jornal do Brasil de 1971, a repressão era um corolário da violência “terrorista”: tratava-se do preço que precisávamos pagar para que pudesse haver “evolução para a paz”21.

A situação tornou-se ainda mais grave com a adoção, em março de 1969, do Decreto-Lei 510/69, que alterou alguns dispositivos da Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei 314/67). Dentre as alterações, desta-que-se a possibilidade do indiciado ser mantido até dez dias incomunicá-vel pelo encarregado do inquérito22. Ademais, o Decreto-Lei 510

18 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso (Orgs.).

Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:

Relume-Dumará, 1994. p. 28.

19

Idem.

20

Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. “Art. 10 - Fica suspensa a

garan-tia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”.

21 Limites da repressão.

Jornal do Brasil. 14.01.1971 apud PEREIRA, Anthony. Op. cit., p. 72.

22

Decreto-Lei 510, de 20 de março de 1969. O art. 47 passa a ter a seguinte redação:

Art. 47. Durante as investigações policiais, o indiciado poderá ser preso, pelo

En-carregado do Inquérito, até trinta (30) dias, comunicando-se a prisão à autoridade judiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado uma vez, mediante solicita-ção fundamentada do Encarregado do Inquérito à autoridade que o nomeou. § 1º O

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mentou as penas de alguns crimes, como o crime de formação ou manu-tenção de associação que seja prejudicial à segurança nacional. É também em 1969, com a edição do AI-14, que a pena de morte passou a poder ser aplicada em casos de guerra “subversiva ou revolucionária”23.

É importante ressaltar que a partir de 1965, com a edição do AI-224, os civis que haviam supostamente cometidos crimes contra a

se-gurança nacional passaram a ser julgados pela Justiça Militar. Em março de 1967, com a adoção do Decreto-Lei 314, a segurança nacional passou a compreender a segurança interna e externa25. Sendo assim, qualquer

ameaça interna à segurança nacional passou a ser julgada pela Justiça Militar, que antes só poderia julgar civis pela prática de crimes contra a segurança externa.

(…) III – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com os seus clientes, ainda quan-do estes se achem presos ou detiquan-dos em estabelecimento civil ou militar, mesmo inco-municáveis;”.

23 O AI-14 dá nova redação ao § 11, art. 150, da Constituição de 1967, que passou a

vigorar com a seguinte redação (o art. 150 trata dos direitos e garantias individuais): “Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta dis-porá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta”. (grifou-se)

24 O AI-2 alterou o § 1o, do art. 108, da Constituição de 1946, que passou a vigorar com

a seguinte redação: “Art. 108. A Justiça Militar compete processar e julgar, nos

cri-mes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas. §

1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para

repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares

(gri-fou-se). A redação antiga fazia alusão a crimes contra a segurança externa.

25

Decreto-Lei 314, de 13 de março de 1967. “Art. 3º. A segurança nacional

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Em setembro de 1969 entrou em vigor a nova Lei de Segurança Nacional, Decreto-Lei 898/69. Essa lei manteve os dispositivos das leis anteriores e aumentou as penas de determinados crimes, como assalto ou roubo a bancos: a pena, que antes era de 2a 6 anos, passou a ser de 10 a 24 anos. Se deste ato resultasse morte, a pena mínima seria de prisão perpétua e a máxima, pena de morte26. Trata-se da Lei de Segurança

Na-cional que ficou mais tempo em vigor durante a ditadura militar, de se-tembro de 1969 a dezembro de 1978, quando foi editada uma lei mais branda (Lei 6.620/ 78).

Assim, durante dez anos27, os advogados defenderam presos

políticos sem poder utilizar legalmente o habeas corpus nos casos de

constrangimento ilegal, pois inexistia mecanismo legal para libertar a pessoa que estivesse sofrendo constrangimento. Contudo, o habeas cor-pus foi extremamente importante nos casos de desaparecidos políticos.

Apesar de extinto formalmente, alguns advogados e advogadas entrevis-tados afirmaram que o habeas corpus continuava a ser utilizado, com o

próprio nome ou sob a denominação de “petição”. Outros ressaltam a substituição do habeas corpus pelo recurso em sentido estrito, conforme

será visto a seguir.

Especificamente em relação ao habeas corpus, esse foi utilizado

com o principal objetivo de evitar a morte da pessoa desaparecida. Isso porque, apesar de saberem que o habeas corpus não seria conhecido, a

sua impetração demonstrava que eles estavam cientes do desapareci-mento de determinada pessoa e, assim, evitava ou reduzia muito a possi-bilidade de que ela fosse morta. Ademais, o habeas corpus também

per-mitia em muitos casos a localização do preso. A localização dificultava o assassinato do preso, pois a autoridade competente, que já era identifica-da, teria que dar explicações sobre a morte. O habeas corpus foi, assim,

fundamental em vários casos para salvar vidas.

Segundo Dyrce Drach, o habeas corpus era o mecanismo

exis-tente para os militares saberem que aquela pessoa já tinha uma advoga-da e que ela estava acompanhando o desenrolar advoga-da situação. Contudo, o

habeas corpus não servia para localizar o preso. Para isso, Dyrce

26

Decreto-Lei 898, de 29 de setembro de 1969. “Art. 27. Assaltar, roubar ou depredar

estabelecimento de crédito ou financiamento, qualquer que seja a sua motivação: Pena: reclusão, de 10 a 24 anos. Parágrafo único. Se, da prática do ato, resultar morte: Pena: prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo”.

27 A emenda constitucional n. 11, promulgada por Geisel em 13 de outubro de 1978,

suspendeu os Atos Institucionais. Essa emenda entrou em vigor em 1o de janeiro de

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bra que era necessária a ida de quartel em quartel procurando os desapa-recidos.

Já George Tavares ressalta que o habeas corpus era utilizado

estrategicamente para encontrar o preso e saber se a prisão era por motivo político. Apesar de o habeas corpus ter sido julgado prejudicado, eles

acabavam localizando o preso. Nessa linha, Nélio Machado lembra que eles impetravam habeas corpus pois não era possível saber de antemão se

a pessoa era preso político ou não. Assim, comunicava-se o desapareci-mento a fim de obter informação sobre seu paradeiro.

Fernando Fragoso ressalta que o habeas corpus era utilizado

nesse período para saber se uma pessoa estava ou não presa. Como era comum que o investigador não comunicasse a prisão do preso, Fernando lembra que impetrava o habeas corpus apontando todas as autoridades

militares da região como possíveis carcereiros. Essa estratégia fez com que, em muitos casos, os militares do I Exército, do Comando da Marinha ou da Aeronáutica fossem forçados a dizer se aquela pessoa estava detida em suas instalações. Trata-se, nas palavras de Antônio Carlos Barandier, de uso político do habeas corpus: “o Tribunal solicitava informações e,

assim, agentes da repressão prestavam os esclarecimentos e os advogados localizavam o preso”.

Nesse sentido, Nilo Batista lembra que indicava no habeas corpus

o CENIMAR, o CISA, o DOI-CODI e o DOPS como autoridades coauto-ras. Para ele, o habeas corpus, nesse período, “se converteu num macabro

teste de sobrevivência dos presos”, pois a resposta positiva significava que a pessoa estava viva, ao passo que uma resposta negativa era um mau sinal – a pessoa poderia já estar morta.

Manuel de Jesus Soares afirma que o habeas corpus era um

“improviso”. Como não havia mecanismo legal para encontrar o preso, o

habeas corpus acabava cumprindo esse papel, pressionando o STM a

adotar uma postura mais “enérgica”. Através dele, quebrava-se a incomu-nicabilidade do preso, permitindo, assim, a adoção de outras medidas legais para visitar e entrevistar o preso.

Modesto da Silveira ressalta que quando o advogado tinha um dado objetivo e concreto, o habeas corpus poderia ser suficiente.

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O habeas corpus também permitia a divulgação internacional

das prisões. Humberto Jansen Machado conta que já conseguiu noticiar internacionalmente algumas prisões. Ele lembra que tinha diversos car-tões de correspondentes de jornais estrangeiros e, assim, logo após a lo-calização do preso, noticiava as prisões para jornais externos, incluindo o

New York Times e o Le Monde.

Outra estratégia utilizada pelos advogados era impetrar um ha-beas corpus simplesmente com o nome de “petição”. Técio Lins e Silva

lembra que eles inventaram “um habeas corpus sem nome”. Ao ser

ques-tionado pela funcionária do protocolo, Técio dizia que estava protocolan-do uma “petição”. Como ela afirmava que a petição precisava ter nome, ele pedia para colocar “Petição n. 1”. A petição, dirigida ao presidente do STM, comunicava a prisão ilegal de uma pessoa e solicitava informação. Em seguida, o juiz indeferia alegando que o habeas corpus havia sido

extinto. Técio então solicitava informação sobre o desaparecido e geral-mente voltava-se com a notícia de que a pessoa estava presa por ser peri-gosa. A partir daí ela não seria mais morta, ou se fosse, o corpo teria que aparecer. A péssima notícia era quando Exército, Marinha e Aeronáutica diziam que o preso não estava com eles.

De acordo com Mario Simas, o advogado tinha que ser criativo. Era o que ele denominava de advocacia-arte. A “petição”, que

comuni-cava a prisão de uma pessoa, era dirigida ao presidente do STM. Ao rece-bê-la, ele oficiava ao comando do I Exército (prisão ocorrida no Rio de Janeiro) ou II Exército (prisão ocorrida em São Paulo). O comandante enviava uma resposta, dizendo se a pessoa estava ou não presa lá. A res-posta negativa era um problema, pois poderia significar que a pessoa já estava morta. Já a resposta positiva oficializava a prisão, tornando mais difícil que algo mais grave ocorresse com a pessoa. Assim, o objetivo da petição era alcançado através da legalização da prisão. A partir de então, tanto os familiares quanto os advogados poderiam visitar o preso. A identificação e a localização do preso diminuíam os riscos da tortura. No mesmo sentido, Belisário dos Santos Júnior lembra que os advogados comunicavam a prisão de seu cliente ao presidente do STM, mas através da chamada “representação”.

Boris Trindade, por sua vez, conta que impetrava habeas corpus

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tam-bém não prevista em lei, essa era a estratégia que utilizava para encontrar o preso.

René Ariel Dotti lembra que, de acordo com o caso, utiliza o

habeas corpus ou o direito de petição. Para ele, o direito de petição era

aludido pelos advogados contra o abuso de autoridade. Assim, outra pos-sibilidade era, através da “petição”, solicitar a liberdade do preso, uma vez que a prisão não cumpria os prazos estipulados em lei. Conforme recorda Mario Simas, o juiz negava a ação dizendo que não havia habeas corpus. Em seguida, o advogado entrava com um recurso no STM, mas o

juiz escrevia embaixo dizendo que sua decisão não comportava recurso por falta de previsibilidade legal. Em seguida, o advogado entrava com uma correição, alegando que o juiz havia cometido um erro ao julgar improcedente a ação. Nesse caso, o Tribunal conhecia da correição e mandava subir o recurso em sentido estrito ao STM, recurso esse contra a decisão que denegou a liberdade. Tratava-se de um caminho difícil, mas que às vezes permitia a soltura do preso.

No mesmo sentido, José Carlos Dias conta que entregou uma petição ao juiz auditor ao saber que um cliente havia sido removido da prisão Tiradentes para o DOI-CODI. Como seu cliente já havia sido tor-turado, a ideia de José Carlos Dias era transferir a responsabilidade para a Auditoria caso algo acontecesse com ele. Como o juiz riscou a parte que narrava que seu cliente havia sido torturado, o advogado entrou com uma representação na OAB-SP e acabou sendo censurado por ter contado o ocorrido.

Uma estratégia de Idibal Pivetta era entregar uma petição no DOI-CODI da Rua Tutóia, em SP, onde afirmava que seu cliente havia desaparecido e pedia providências. Apesar de ficarem bastante irritados, os militares da guarita recebiam a petição. Em seguida, o oficial trazia um ofício que atestava que a pessoa estava presa. De acordo com o oficial, o DOI-CODI não tinha nada a ver com isso: tratava-se de ofício enviado pelo II Exército. Essa ação evitou muitas mortes, pois demonstrava que o advogado sabia que a pessoa estava sob a responsabilidade dos militares.

Outra possibilidade era, conforme afirma Eny Moreira, utilizar o recurso em sentido estrito em substituição ao habeas corpus. Tratava-se

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Verifica-se, assim, que os advogados e advogadas daquela épo-ca utilizavam instrumentos não previstos em lei para loépo-calizar pessoas desaparecidas. Uma vez encontrada a pessoa, o que se podia fazer para impedir que ela fosse torturada ou continuasse a ser torturada? É pacífico entre os advogados e advogadas que não havia mecanismo algum que pudesse ser utilizado para impedir a tortura. O que se podia fazer era denunciar a prática de tortura. Assim, alguns advogados relataram casos de tortura em audiências, com a presença do torturado. Outros enviaram petição ao Tribunal ou ao Procurador Geral da Justiça Militar. Contudo, uma vez presos, nada podia ser feito para cessar com esta prática cruel.

Pelo exposto, constata-se que os advogados e advogadas que defenderam presos políticos durante a ditadura militar foram imprescin-díveis para salvar inúmeras vidas. Aplicando, nas palavras de Alcyone Barretto, um direito alternativo, ou praticando a advocacia-arte,

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Alcyone Vieira Pinto Barreto

Data e horário da entrevista: 11 de julho de 2012, às 13:30 horas Local da entrevista: escritório do entrevistado, no Rio de Janeiro-RJ

Entrevistadora: Paula Spieler

Uma das informações colhidas sobre o entrevistado pelos investigadores do DOPS/RJ. O documento pertence ao Arquivo do Estado do Rio de Janeiro.

Referências

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