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Data e horário da entrevista: 26 de junho de 2012, às 15 horas Local da entrevista: escritório do entrevistado, São Paulo-SP

Entrevistadores: André Javier Ferreira Payar e Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Uma das fichas do entrevistado constante do acervo do DOPS/SP

Belisário dos Santos Junior nasceu em São Paulo, em 1948. In- gressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) em 1966, e formou-se em 1970. A estadia na universidade foi marcada pela militância no movimento estudantil: foi eleito Presidente do Diretório Acadêmico em 1969 e, no ano anterior, participou do Movimento 23 de Junho, que ocupou as Arcadas até meados de julho de 1968. No Teatro do XI, compôs o elenco da peça O Evangelho Segundo Zebedeu, dirigida pelo também advogado de presos políticos Idibal Pivetta, apresentada pela primeira vez em 1970. A partir de 1969, ainda estudante, começou a atuar na Justiça Militar. Trabalhou ao lado do próprio Idibal Pivetta, de Antonio Mercado Netto, de Iberê Bandeira de Mello, dentre outros. Em

decorrência de sua militância na defesa de presos políticos, chegou a ser preso mais de uma vez. Além de advogado, exerceu algumas funções no Poder Executivo do Estado de São Paulo: foi Secretário da Administração Penitenciária (1995) e Secretário de Justiça e da Defesa da Cidadania (1995-2000). Na Ordem dos Advogados do Brasil foi Membro da Comis- são de Direitos Humanos: na Seccional de São Paulo, entre os anos 1985- 1990; e no Conselho Federal, deixou o cargo em 1994. Dentre as obras que publicou, rememora algumas passagens de sua trajetória como advo- gado de presos políticos no artigo “Advocacia nos anos de chumbo” (In: GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Crimes

da ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 243-250). Sobre este mesmo tema concedeu um depoimento de poucos minutos ao Sistema Brasileira de Televisão (SBT), como contribuição à telenovela Amor e Revolução, transmitida entre 5 de abril de 2011 e 13 de janeiro de 20121. Atualmente

é advogado em São Paulo; Membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta; Membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo (desde 1982); e Vice-Presidente da Comissão da Verdade da OAB-SP, empossada em julho de 2012.

Em primeiro lugar, gostaríamos que o senhor nos falasse sobre os seus estudos: onde estudou, em que momento esteve na fa- culdade e, eventualmente, se o senhor tinha familiares que eram do ramo jurídico.

Bem, eu aos dezessete anos entrei para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Meu pai havia se formado lá, uns trinta e dois anos antes. Há uma diferença, porque ele se formou e não tinha di- nheiro para pagar o diploma, então ele aparece dois ou três anos depois. E minha mulher, eu a conheci na Faculdade de Direito. Ela disse que é a única coisa boa que ela carregou de lá.

Em que ano o senhor entrou?

Eu entrei em 66, e saí em 70. Isso foi dois anos depois da Re- volução. A repressão em 1964 havia sido muita dura, mas ainda não ha-

1 Cf. o vídeo em: <http://www.sbt.com.br/amorerevolucao/depoimentos/?c=168>. Acesso

em: 12 nov 2012. Belisário dos Santos Junior também tratou de sua advocacia de pre- sos políticos em breve entrevista concedida ao Jornal O Estado de S. Paulo (Caderno Nacional), edição do dia 27 de fevereiro de 2011, p. A10.

via atingido na sua ferocidade, com toda a ferocidade possível, as escolas, a Universidade. E, portanto, os movimentos de 66, até 68, foram muito fortes, muito intensos.

São Paulo, o Rio de Janeiro, eram palcos de muitas manifesta- ções. Outros Estados também. De muitas manifestações contra a ditadura, com cartazes, contra o acordo MEC-USAID, contra políticas educacio- nais do governo.

E a Faculdade de Direito era muito sensível a isso porque muitos Ministros da Justiça passaram por ali. Quase todos os reitores da USP, da época, eram da Faculdade de Direito. O que não era necessaria- mente bom para a USP, e nem bom para a Faculdade de Direito, mas era essa a conotação.

Quanto ao movimento estudantil, o Direito da USP não era exatamente afamado como a escola mais libertária. Havia uma brincadei- ra, eu me apresentei uma vez para uma reunião do DCE na USP e ime- diatamente ao chegar fui reconhecido, e eu perguntei: “mas, eu nem me apresentei...”; e falaram: “olha, homem de terno ou é polícia ou é estu- dante da Faculdade de Direito”. Eu usava terno porque à tarde a gente fazia estágio.

O senhor atuou na política partidária dentro da São Fran- cisco? Partido estudantil?

Sim, os partidos estudantis da época, tinham pouco a ver com os partidos permitidos pela Revolução de 64, MDB e ARENA. Tinham pouco para não dizer que não tinham nada a ver. Eles tinham muito a ver com o Partido Comunista, com a dissidência do Partido Comunista, com partidos de orientação mais radical, que pregavam a luta armada.

Na São Francisco também?

Na São Francisco também. Na São Francisco nós perdemos vá- rios estudantes na luta armada. Nós perdemos vários estudantes.

O senhor teve algum colega, alguém mais próximo...

Na Faculdade não, mas eu convivi durante toda a minha vida pré-adolescente, adolescente, com outros estudantes, e um estudante par- ticularmente importante na minha vida foi o Chael Charles Schreier. Foi

assassinado no Rio de Janeiro. Foi assassinado covardemente. Já estava preso, foi torturado de forma absolutamente terrível.

Foi torturado dentro das dependências do Exército. E a família era uma família muito atuante. Ele era da comunidade judaica, e eles tinham ligações com o Rio de Janeiro. Não uma ligação militar, mas eles tinham ligação com o Rio de Janeiro, a comunidade se mobilizou, e o corpo foi entregue à família.

E a família velou o corpo, lavou o corpo, todas aquelas provi- dências, e, portanto, verificaram, constataram as torturas, e eram gravís- simas. E a Faculdade de Direito foi a única Faculdade que decretou luto. A Faculdade de Direito foi a única que pôde decretar luto, as outras pode- riam ter querido decretar luto, mas houve uma vigilância muito grande ao velório, ao enterro, enfim. Eu fui ao enterro.

O José Roberto Maluf, que hoje é um homem de televisão, à época era um homem do direito, e ele, a nosso pedido, decretou luto. Foi uma comoção. E todas as mortes, imagina, morte de estudantes... Mas a morte de estudantes tornou-se algo absolutamente comum. Eu convivia com dirigentes. O Queiroz foi do DCE da USP, o encontrei numa semana de camisa como vocês estão hoje, e desarmado como ele sempre andou, e semanas depois ele morreria num tiroteio na Avenida Angélica, enfim, Ronaldo Mouth Queiroz.

Então, o Direito, a partir de 67 para frente, começou a ter uma ligação grande com a USP. O Direito ficava no centro da cidade e não era por nada. Ele ficava no centro da cidade porque havia uma distância, um distanciamento dentre os estudantes. E então, a partir de 67, seguramente com a presidência do Aloysio Nunes – que já havia feito Filosofia –, ele ajuda a juntar um pouco mais os estudantes de direito e os outros estu- dantes, que aí o movimento passa a ser conjunto. Em 68 ocupamos a Fa- culdade.

Julho de 68?

Junho. 23 de junho de 68.

O senhor poderia falar mais sobre o episódio da ocupação? Como é que começou o movimento? De onde partiu?

Então, era um movimento, vamos dizer, que estava eclodindo quase por todo o mundo. Na França, as barricadas. O que impressionou é que isso vinha de dentro da Faculdade de Direito, que ainda não tinha

sido percebida como um centro de oposição ao regime. Claro! Nós tí- nhamos Professores notáveis, Dalmo Dallari, o Professor Goffredo da Silva Telles Junior, que anos mais tarde leria ali no pátio a Carta aos Bra- sileiros. Mas nós não tínhamos uma participação num movimento estu- dantil, e aí começamos a ter em 66, depois em 67, com força, e em 68 então a ocupação da Faculdade foi um... E entramos pelo XI de Agosto, por trás da Faculdade.

Pela Rua Riachuelo.

Pela Rua Riachuelo. Selamos as portas da frente. Esparramamos tijolos fechando, óleo queimado. Não queimaria nunca o óleo, já estava queimado. Contudo causava um ambiente, que foi utilizado depois na ação contra os estudantes, mas não havia risco para nada. Descobrimos muita coisa sobre a biblioteca, Professores que haviam se apossado de livros...

Quanto tempo durou a ocupação?

A ocupação durou até o meio de julho, foram 20, quase 30 dias. Os alunos, como um todo, eram favoráveis à ocupação? Ha- via alunos contrários? Como é que era?

Vou dar um dado, você julgue. O Movimento 23 de Junho ele- geu pelos próximos 10 anos os presidentes do Centro Acadêmico. Pelos próximos 10 ou 12 anos. Gente que nem estava no 23 de Junho. O Mo- vimento continuou porque foi exatamente uma coalizão de partidos de esquerda. Havia três, o Socialista, etc. E começou a se formar o Nova Dimensão, que era a união dos partidos de esquerda, mas o Movimento 23 de Junho teve um viés maior. Ele pegou os movimentos de centro e aí, então, o Movimento 23 de Junho ficou conhecido como o Movimento que ocupou a Faculdade. Os alunos frequentavam a Faculdade. Alguns Professores frequentavam a Universidade.

Em julho de 68 os jornais registram uma espécie de uma guerra de declarações de Professores em relação ao Movimento 23 de Junho. Havia um grupo que se solidarizou aos alunos, como os Pro- fessores Dalmo Dallari, Goffredo Silva Teles, José Ignácio Botelho de Mesquita...

Fábio Konder Comparato... Fábio Comparato...

Spencer Vampré...

Spencer Vampré. Um Professor de filosofia da noite que... O Cesarino Junior também...

Também.

Mas ao que parece numericamente a maior parte dos Pro- fessores foi...

Era contra. Era contra.

Essas posições pró e contra regime apareciam dentro de sala de aula? Ou não?

Sim, veja, ficava claro nos Professores que davam uma aula qualquer, eventualmente até boa do ponto de vista técnico, e outros Pro- fessores que davam a aula em 68. Eles davam aula naquele ano, naquele momento histórico, e estudando a Constituição daquele ano, e debatendo com os alunos, e abrindo espaço para as discussões, para as posições todas que estavam em disputa.

A manifestação era mais essa, quer dizer, eram Professores que se colocavam mais, os Professores que haviam, vamos dizer, sido simpá- ticos ao movimento. Eu curiosamente, em 69, passo a ser o presidente do Diretório Acadêmico. O Diretório Acadêmico é uma instituição criada pelas leis da época da ditadura, e houve uma discussão grande, mas deci- dimos que deveríamos ocupar este espaço para que ele não fosse ocupado de outra forma. Outras unidades decidiram o contrário. Foi uma época que se baniu o grêmio, se baniu o Centro Acadêmico, se baniu a UEE, se baniu a UNE.

Estar filiado à UNE era igual a estar filiado ao Partido Comu- nista Brasileiro. A pena de quem tentasse reativar os movimentos estu- dantis era de dois anos para mais, até cinco. A pena de quem estivesse filiado, meramente, a uma organização que pregasse a luta armada, era de

seis meses. Então, para a Justiça Militar, para a Lei de Segurança, era mais grave reerguer os partidos que haviam sido ilegais, e as entidades estudantis que haviam sido ilegais, do que os partidos que pregavam a luta armada2.

A diferença de penas é muito clara. Então, você perguntou se eu pertenci aos partidos políticos. Sim, eu integrei o Nova Dimensão, que era uma união dos partidos de esquerda. E em 68 eu estava na metade do curso, o que hoje eles chamam de “o equador” – quer dizer, o ponto divi- sório, a linha do equador, é o ponto no meio da faculdade. E muitos saí- ram da minha casa, porque eu fazia aniversário dia 23 de junho, então muita gente saiu da minha casa direto para a Faculdade.

Então, esses movimentos produziram consequências durante muitos anos, porque o Movimento se estabilizou numa linha progressista, numa linha de defesa da legalidade, do Estado de Direito. Grande parte das lutas, de uma forma ou de outra, saíram de alguma Escola de Direito. Não estou falando isso porque estamos entre estudantes de Direito, ou estamos sendo vistos por estudantes de alguma forma, ou por profissio- nais de Direito, mas é que é assim, né? É assim a história, quer dizer, a Petrobrás, a campanha por muitas lutas, né? Enfim, saiu da Faculdade nos anos 50, anos 40, final dos anos 40...

Vários eventos tomavam conta do pátio da Faculdade, que era uma instituição, assim, inatacável. A USP era uma sequência de prédios, quer dizer, na cabeça da cidadania, mas na Faculdade de Direito da USP não, estudavam os Ministros da Justiça, os Reitores, e por isso era im- portante essa posição. A Faculdade...

2 O art. 43 do Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, a Lei de Segurança

Nacional em vigor à época dos fatos narrados por Belisário dos Santos Junior, previa pena de 2 a 5 anos de reclusão àquele que reorganizasse ou tentasse reorganizar “de

fato ou de direito, ainda que sob falso nome ou forma simulada, partido político ou associação, dissolvidos por força de disposição legal ou de decisão judicial, ou que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional, ou fazê-lo funcio- nar, nas mesmas condições, quando legalmente suspenso”. O mesmo diploma legal,

em artigo anterior (art. 42), no entanto, previa pena maior, de 3 a 8 anos de reclusão, para aquele que constituísse, se filiasse, ou mantivesse “organização de tipo militar,

de qualquer forma ou natureza, armada ou não, com ou sem fardamento, com finali- dade combativa”. Contudo, possivelmente Belisário dos Santos Junior referiu-se ao

art. 14, da mesma Lei. Este dispositivo prescrevia pena de 6 meses de reclusão para aqueles que meramente fossem filiados à “associação de qualquer título, comitê, enti-

dade de classe ou agrupamento que, sob a orientação ou com o auxílio de governo estrangeiro ou organização internacional, exerça atividades prejudiciais ou perigo- sas à Segurança Nacional”.

Havia solidariedade entre a Faculdade de Direito da USP e a Faculdade de Direito da PUC, de São Paulo, que também era um centro ativo? Os alunos do movimento estudantil se articulavam?

Sim, sim, sim. Nós conhecíamos muita gente. À época a PUC conduziu o teatro, o TUCA. Com um ou dois anos de diferença a Facul- dade de Direito conduziu o Teatro do XI. Ambos foram para Nancy le- vando textos ainda hoje impactantes, se você lembrar a situação que a gente vivia.

O TUCA, com a música do Chico, o texto do João Cabral. Mas nós tínhamos o texto do César Vieira, que é o Idibal Pivetta, e música do Murilo Alvarenga, que era filho do Alvarenga da dupla Alvarenga e Ran- chinho, que era o fixo da dupla – o Ranchinho variava3.

E o menino, o Murilo Alvarenga era um gênio. As músicas, de um e de outro, os textos, de um e de outro, foram textos explosivos à época. Nós encenamos isso num circo. Nós não tínhamos um teatro, en- tão o Teatro do XI encenava num circo perto da Rua 23 de Maio. Era um terreno que é do Centro Acadêmico XI de Agosto.

Onde é o Campo do XI hoje.

É. Já era o Campo do XI. A gente tinha uma parte do Campo do XI para montar um circo. E as ideias eram muito interessantes por- que o circo sempre foi um pretexto para reunir pessoas. A gente entra- va às vezes no camarim e tinha uma reunião de estudantes secundaris- tas. Falávamos: “O que está acontecendo, dá licença, tal, nós estamos entrando agora...”.

E o TUCA foi a mesma coisa. As viagens do TUCA. Só que a gente pegou um período em que havia muito mais exilados fora, quer

3 Belisário dos Santos Junior refere-se à peça Morte e Vida Severina, cuja primeira

apresentação foi no dia 11 de setembro de 1965, no Teatro da Universidade Católica (TUCA/ PUC-SP). O texto é de João Cabral de Melo Neto, e foi musicado por Chico Buarque de Holanda, à época estudante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). No que diz respeito ao Teatro do XI, Belisário refere-se à parceria de César Vieira (pseudônimo utilizado por Idibal Pivetta para driblar a censura) com Murilo Alvarenga para a produção da peça O Evangelho Segundo Zebedeu, que estreou no dia 23 de agosto de 1970, no Circo Irmãos Tibério, localizado no Campo do XI, no Ibirapuera. Belisário dos Santos Junior compunha o elenco desta peça, que foi anun- ciada nas páginas de O Estado de São Paulo em sua edição de 9 de julho de 1970 (Caderno Geral, p. 10). Ambos os grupos teatrais chegaram a participar do Festival Internacional de Teatro Universitário de Nancy (França).

dizer, as exibições nossas no Festival de Nancy serviram para trocar in- formações, as pessoas traziam bilhetes, trocavam bilhetes e passavam mensagens.

Com a PUC houve uma grande relação, mas a relação que eu reputo notável é com a USP mesmo. O Direito se voltou para dentro da USP. Esse foi um momento notável na vida da Faculdade e dos Centros Acadêmicos, porque a gente fazia uma união muito grande com a Medi- cina, com a Geologia, com a Poli, enfim, com todas as Faculdades que tinham uma massa de alunos importante, movimento importante, que elas tinham um significado importante, e com a Física, enfim.

Eu conheci muita gente, depois viraram presos políticos, eram amigos. O Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina, e o da Poli, eu conheci quatro ou cinco Presidentes numa sequência porque a gente dava assistência jurídica, eu não estava nem formado, mas a gente mais ou menos discutia com eles, vamos dizer, posições, manifestos, condutas a serem adotadas em face das Congregações. Já estava começando a formar alguma experiência, e em 68 para 69 comecei a trabalhar com o Idibal.

O senhor foi solicitador junto...

Eu fui solicitador em 69, mas antes, como estudante, eu já co- mecei a trabalhar com o Idibal.

Foi aí que começou a sua atuação como advogado, como as- sessor jurídico?

Como advogado, como assessor jurídico, como preso político. Foi a primeira vez que eu fui preso. O Idibal foi preso. A Operação Ban- deirantes, que havia sido desenhada com aspecto de alguma legalidade, ela era a Polícia Militar e a Polícia Civil e o Exército andando juntos, em viatura branca e preta. Era um pouco a legalidade ainda. A Operação Bandeirantes, de 68 para 69, era para resistir àquela fase inicial da incon- formação, as passeatas, as primeiras prisões, os primeiros assaltos. E eles entenderam que com alguma coisa forte, mas ainda na legalidade... Lega- lidade entre aspas, porque a OBAN torturou, matou, fez desaparecer.

O habeas corpus tinha sido suspenso... Vocês se lembram de que numa sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, houve o AI-5. A Consti- tuição Chilena manteve o último artigo, que era: “os artigos anteriores estão suspensos”. A Constituição Brasileira manteve-se íntegra com todos os artigos, em tese todos, com exceção do habeas corpus. O que leva ao

seguinte raciocínio: que o direito, o direito individual, os direitos, eles sem as garantias que os tornam efetivos, podem não ser nada. Então o direito à vida estava preservado, o direito à liberdade estava, de certa forma, preservado; censura, aí sim,; mas com a suspensão do habeas

corpus... Só com a suspensão do habeas corpus produziu-se – e com as

cassações evidentemente, e com as leis contra o movimento estudantil, leis de segurança – uma mordaça. Uma mordaça bastante importante.

Ainda enquanto estudante, quando o senhor trabalhava junto com o Idibal Pivetta, e depois como solicitador, o senhor che- gou a ser preso, detido para averiguações?

Eu fui preso. Eles marcavam consultas, a Operação Bandeiran- tes ligava e falava: “tem um inventário aqui, nos indicaram o Doutor Idibal Pivetta...”. E aí quando eles se apresentavam eles falavam: “olha, somos da Operação Bandeirantes. O senhor vai ser conduzido...”.

Eles iam até o escritório?

É. O Idibal sempre foi um dos advogados mais generosos que eu conheço. Ele dedicou a vida dele ao teatro popular. E antes de ter de- dicado a vida ao teatro popular, ele dedicou a vida à Universidade, ao meio universitário. Formou “n” grandes atores no Teatro União e Olho Vivo. E generoso como ele era, descuidou completamente da vida profis- sional dele. Então quando surgia um grande inventário: “vamos parar um