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NO CONTEXTO DA OPOSIÇÃO À DITADURA MILITAR

Os advogados, como classe, não se opuseram, de início e por princípio, à derrubada de João Goulart e à ascensão dos militares ao po- der, considerando a posição de seu órgão máximo de representação na- cional. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, uma semana após o Golpe, fez constar em ata de sua sessão deliberativa uma nota de regozijo à manobra militar, saudando-a como a erradicação do

“mal das conjunturas comuno-sindicalistas”, que permitiria a sobrevivên- cia da Nação Brasileira “sob a égide intocável do Estado de Direito” 2.

Como muitos outros grupos sociais, a reação da OAB Federal foi de muita cautela, com viés de otimismo, diante das incertezas políticas das mudanças de então.

A contaminação da classe com o espírito da luta pela redemo- cratização, a ponto de levar a OAB definitivamente para as trincheiras da oposição ao regime militar, viria com mais força a partir da fase de recru- descimento político, na era Costa e Silva. Vindo o AI-5 e sobretudo as ondas de violência estatal contra a imprensa e os próprios advogados, a OAB passou a adotar um tom de contraponto mais forte às iniciativas do regime. Viu-se que a violência dos primeiros meses do governo militar não era passageira, como muitos esperavam; ao contrário, seu viés era de alta, como também se perdia de vista a perspectiva de sua duração, nos ecos da retórica governista da “revolução permanente que legitima a si mesma” – e que se permitia utilizar da força necessária para seguir em seu “intento transformador”. Quando Raimundo Faoro tornou-se presi- dente do Conselho Federal da OAB, em 1977, o órgão contaminou-se de vez com o espírito da oposição e tornou-se um importante ator na luta pela redemocratização, aliado a outras organizações da sociedade civil. Embora em cenários regionais a postura dos órgãos de classe dos advo- gados possa ter sido diferente3, foi lenta a tomada de posição política

antirregime no nível federal.

Que fatores levaram a essa mudança de postura, da saudação à espreita cautelosa, daí aos protestos pontuais, e por fim à oposição políti- ca? As entrevistas e fontes pesquisadas sugerem tratar-se de verdadeiro movimento bottom up: uma posição política construída a partir do posi- cionamento de advogados e advogadas que, a cada dia, sentiam-se mais limitados nas suas possibilidades de atuação profissional. Daí veio a to- mada de posicionamento de suas entidades de classe em defesa de suas prerrogativas, muitas vezes a pedido desses advogados que, no dia a dia dos foros e Auditorias Militares eram diminuídos ou obstaculizados no exercício de sua profissão, quando não desrespeitados e até violentados.

Advogados e advogadas que fizeram frente à ditadura envolve- ram-se nesse processo, em sua maior parte, como se envolvem em muitos

2 ORDEM dos Advogados do Brasil. Ata da 1115a sessão. 07/04/1964.

3 Alguns entrevistados revelam que, em seus respectivos estados, a posição das seções

estaduais da Ordem dos Advogados teria sido de oposição desde o princípio. Tais assertivas sugerem possibilidades de variações locais na posição classista dos advoga- dos, que teriam de ser investigadas documentalmente a fim de se verificar sua veraci- dade histórica.

outros: a partir de seus clientes e dos casos nos quais se envolvem profis- sionalmente. Advogados, especialmente os de atuação criminal, repre- sentam pessoas que estão em apuros perante as autoridades estatais, e os opositores políticos do regime, do começo ao fim da ditadura militar, viram-se nessa condição perenemente. Havia, é claro, razões de ordem moral que os levavam a aceitar tais defesas, muitas vezes mal vistas por outros colegas de profissão, mas tais razões eram variáveis: uns poucos viam-se como “causídicos orgânicos”, ou seja, militantes da oposição que ajudavam à causa como podiam, e o podiam advogando; mas as entre- vistas mostram que a maioria, embora julgando-se do lado certo da cisão política da época, tinha absoluta clareza de seus deveres éticos e profissio- nais em cada defesa de perseguido político, porque eram, afinal, advoga- dos, não militantes – ao menos enquanto estivessem atuando na defesa de um constituinte seu. Assim, nem se misturavam na prática de ilegalidades cometidas por seus clientes – embora os defendessem intensamente con- tra a responsabilização por esses mesmos atos –, nem tampouco usavam de sua condição de relativa superioridade técnica em face de seus consti- tuintes para praticar proselitismo jurídico. Quisesse o acusado expressar suas convicções subversivas perante o juiz da Auditoria Militar, indican- do por profissão “revolucionário”4, que o fizesse. O advogado estava ali

para aconselhá-lo quanto às consequências de sua decisão, e não para impedi-lo de agir segundo suas convicções. Mesmo em processos de na- tureza política, seguiam sendo apenas advogados, enfim.

Se hoje se fala muito de judicialização da política, pode-se dizer que, nos anos do regime militar, o movimento contrário ocorreu: a politi- zação da justiça. Qualquer ordem política que venha em substituição a uma ordem anterior, especialmente num contexto de ruptura institucional – e não de uma transição negociada, como a que levou à Constituição de 1988 – precisa construir sua legitimidade. Isso se faz tanto pela vincula- ção do novo regime à proteção e promoção de valores substantivos de alto apreço social, como a ditadura militar procurou fazer ao retratar-se como defensora de nossas tradições cívicas e paladina do combate à cor- rupção que ela só fez aumentar, como também pelo controle dos aparatos de poder político daquela sociedade, representados sobretudo pela buro- cracia estatal, que responde pelo coração e sistema sanguíneo do sistema jurídico: do Estado e seus órgãos o direito nasce, e por eles se espalha, se aplica e se faz valer. Quem controla o regular funcionamento da burocra-

4 Episódios nesse sentido são relatados, entre outros, nos depoimentos de Idibal Pivetta,

Nélio Machado, Maria Regina Pasquale e Belisário dos Santos Junior. A auto- qualificação de revolucionário foi feita pelo então estudante Carlos Zarattini, à época defendido por Idibal Pivetta.

cia estatal – os órgãos criadores e aplicadores do direito – consegue im- por seu plano político com ares de normalidade, o que é, por si só, um fator de sua legitimação; e como Raoul Van Caenegem diz, com simpli- cidade e precisão, “quem controla o direito controla a sociedade” 5. Por

essa razão os militares avançaram, desde os primórdios do regime, não só sobre o Legislativo, mas também sobre o Judiciário. Por essa razão, ne- cessitaram sempre de bons juristas para fundamentar juridicamente seus atos de ditadura, pois por mais incompatíveis que fossem com o Estado de Direito e a ordem constitucional vigente6; e também por isso procura-

vam dar roupagem institucional às normas e órgãos de repressão, regula- mentando e burocratizando a perseguição política.

Ao fazê-lo, porém, os militares sujeitavam a análise de seus atos à racionalidade jurídica, produto de uma cultura própria e razoavelmente hermética que muitas vezes impôs revezes imprevistos ao governo. Basta lembrar-se da consistente atuação do STF, nos primeiros meses do gover- no militar, no sentido de impedir que os civis acusados de subversão fos- sem processados perante a Justiça Militar, que pela Constituição então vigente (1946) guardava competência apenas para casos de segurança externa, e não interna (art. 108, § 1o). Com base nesse dispositivo, o STF

concedeu ordem de habeas corpus a um professor de Ciências Sociais do Rio de Janeiro, ainda em 19647. Em 1965, retirou outro pedaço da pre-

tendida competência da Justiça Militar, no célebre caso Miguel Arraes, pela aplicação de dois princípios de direito processual que, para os juris-

5 CAENEGEM, Raoul van. Juízes, legisladores e Professores. Rio de Janeiro: Campus

Elsevier, 2010. p. 1-46.

6 Três exemplos ilustrativos: Francisco Campos e a defesa do Ato Institucional de 9 de

Abril de 1964 (em BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da

história do Brasil, v. 7, p. 485); Carlos Medeiros Silva e a sustentação da constitu-

cionalidade dos atos institucionais (“A Constituição e os Atos Institucionais”, Revista

de Direito Administrativo, v. 121, p. 469-475, jul.-set. 1975; e “Atos Institucionais e

Atos Complementares”, Revista de Direito Administrativo, v. 95, p. 282-289, jan.- mar. 1969); e Hely Lopes Meirelles e a justificação jurídica do AI-5, publicada dias após a publicação do ato (“Natureza e conteúdo do Ato Institucional 5”, Revista dos

Tribunais, v. 57, n. 398, p. 419-423, 1968.

7 STF,

HC 40.974, Rel. Min. Antonio Villas Boas, j. em 01.10.1964. A postura do STF

foi uma das razões pelas quais os militares viram-se obrigados, no AI-2, a mudar for- malmente a competência da Justiça Militar, que a partir de então passou a incluir os crimes contra a segurança nacional, e não mais externa. No plano doutrinário-jurídico, a necessidade de caracterizar atos pontuais como conectados a contextos mais amplos de “guerra subversiva”, e portanto ofensivos à segurança nacional, fez surgir a doutri- na da “segurança integral”, ao qual a Biblioteca Jurídica do Exército dedicou uma monografia: PESSOA, Mário. Direito da Segurança Nacional. São Paulo: RT, 1971.

tas, são comezinhos. Primeiro: a regra de determinação da competência processual pela função do acusado (ratione personae) prevalece sobre aquela que estabelece competência por matéria (ratione materiae), de forma que mesmo nos crimes militares, o foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”) deve ser observado. Segundo: a instrução criminal, isto é, a fase de produção de provas e apuração da responsabilidade do acusado, estando preso o réu, não pode se prolongar excessivamente, pois o princípio do devido processo legal compreende um direito à duração razoável do processo. Miguel Arraes estava preso há um ano e 18 dias quando o STF mandou soltá-lo8.

A decisão do STF, relatada pelo Ministro Evandro Lins e Silva, que seria cassado na esteira do AI-5, foi deliberadamente desobedecida pelos militares, gerando enorme atrito entre o Tribunal e o Executivo. Pouco tempo depois, outro membro da oposição pernambucana, o depu- tado comunista Francisco Julião, foi solto pelo Tribunal, que reformou decisão anterior do Superior Tribunal Militar que negara seu pedido de liberdade9. A crise dos HCs levou a rusgas entre militares de alta patente

e o presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, udenista até então visto como simpático ao movimento militar10. Ribeiro da Costa disse que os

militares precisavam entender que, num regime democrático, as Forças Armadas não eram mentoras da nação; Costa e Silva, então Ministro da Guerra de Castello Branco, retrucou: “o Exército não tem chefe. Não precisa de lições do STF”11.

Como era possível que os advogados pudessem usar do sistema jurídico se os militares se pretendiam acima ou à margem do STF, e por conseguinte de todo o sistema de justiça? Para entendê-lo, é preciso ter em mente que a lógica da imunidade militar, externada por Costa e Silva, concorria, dentro das Forças Armadas, com outra visão que se pode cha- mar de legalista. A visão de Costa e Silva engendrou e alimentou a “ti- grada”, apelido com o qual Delfim Netto12 designava aqueles que, nos

porões ou nas ruas, agiam como caçadores de subversivos e contavam com a impunidade de suas ações, confiando-se acima da lei e entendendo que não deviam obediência a códigos ou a juízes. A banda legalista, por

8 STF,

HC 42.108, Rel. Min Evando Lins e Silva, j. em 19.04.1965. 9 STF,

HC 42.560, Rel. Min. Evandro Lins e Silva (p/o acórdão), j. em 27.09.1965. 10 Para a posição de Ribeiro da Costa e um relato do episódio, v. SILVA, Evandro Lins.

Salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / FGV, 1997. p. 381 e ss.

11 Sobre a contenda entre militares e STF, v. GASPARI, Elio. A Ditadura Envergo-

nhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 271.

12 GASPARI,

sua vez, tendia a um acatamento maior a regras, normas e procedimentos, o que se explica facilmente na mentalidade militar: regras são a base da hierarquia e da autoridade, elementos constitutivos da estrutural institu- cional das Forças Armadas13. O ethos usual de um militar é o de respeito

às regras, e não o de seu contorno ou violação.

Justamente porque na lógica oposta valia a força, e não o direito, os órgãos encarregados da burocracia jurisdicional militar tornaram-se, como disse José Carlos Dias em sua entrevista, uma espécie de “enterro de luxo” dos legalistas de alta patente quando a “linha dura” esteve no controle do governo. Quem crê na força, mas despreza as normas, quer comandar tropas e não enfrentar a papelada do STM, mesmo com o status de Ministro. Daí resultou que a Justiça Militar, a mais longa justiça em funcionamento na história brasileira, teve seu órgão de cúpula em boa parte preenchido por generais de mentalidade considerada liberal por alguns entrevistados, embora não por isso progressistas. Ainda que a historiografia mais recente tenha desmentido a tese de que o STM tenha sido complacente com acusados de crimes políticos14, os depoimentos de

muitos entrevistados revelam que, embora a Justiça Militar fosse excessi- vamente comprometida com o regime, ela era palco muitas vezes mais digno para o exercício da advocacia do que a Justiça Comum: o advogado era recebido adequadamente, não se lhe cassava a palavra e, não rara- mente, saía-se vitorioso quando fosse tecnicamente o caso em face das leis repressivas da época – leis injustas podem ser aplicadas com justiça, lembremo-nos15.

Segundo muitos advogados e advogadas entrevistados, tais vitó- rias eram muitas vezes mais fáceis de conseguir na Justiça Militar do que na Justiça Comum16. Como exemplo, José Carlos Dias cita que preparou

13 Sobre a relação entre militares, autoridade e sistema jurídico, remetemos ao depoi-

mento de Flávio Bierrenbach, que além de uma pequena atuação como advogado de perseguidos políticos nos meses seguintes ao Golpe de 1964, foi indicado, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Ministro do Superior Tribunal Militar. Confira-se também sua obra Dois séculos de justiça. São Paulo: Lettera.doc, 2010.

14 Cf. MOREIRA, Angela Domingues. Ditaduta e Justiça Militar no Brasil: a atuação

do Superior Tribunal Militar (1964-1980). Tese (Doutorado) – CPDOC/FGV. Rio de Janeiro, 2011.

15 HART, Herbert L. A. The concept of law. Oxford: OUP, 1994. p. 160.

16 Ao comparar julgamentos políticos no Brasil, Argentina e Chile, Anthony Pereira con-

clui que somente no Brasil os advogados de presos políticos foram capazes de alterar significativamente interpretações sobre as leis de segurança nacional. PEREIRA. Op.

cit., p. 12. Ademais, o autor ressalta o índice relativamente alto de absolvição desses

julgamentos nos tribunais militares: 54%, de acordo com a sua amostra, e 48%, se- gundo outra fonte. Ibid., p. 77.

uma representação ao STM quando soube que Idibal Pivetta havia sido preso. Nessa representação, ele dava ciência sobre a prisão e ressaltava que seu único motivo era o de que Idibal era advogado de preso político. Sem protocolar a representação, José Carlos Dias pediu a palavra assim que o presidente do STM abriu a sessão e, embora não estivesse inscrito, teve o aval para fazer a sustentação e, no final, lhe foi concedida a per- missão para protocolar a representação. Muito menos laudatório foi o retrato pintado, nas entrevistas, da principal autoridade civil com quem tinham de lidar, o promotor de Justiça Militar, especialmente no caso dos entrevistados paulistas.

A impossibilidade de uma relação, mesmo que burocrática e profissional, entre advogados e o sistema de justiça da época da ditadura vai se tornando mais aguda à medida que crescem as tentativas de interfe- rência do governo não só sobre as leis e a justiça, mas sobre os próprios advogados e seus meios de profissão. O fechamento do cerco à imprensa constituiu uma importante peça desse quebra-cabeças. Embora houvesse escolas de jornalismo em funcionamento desde a década de 1940 no Brasil, foi apenas nas décadas de 1960 e 1970 que o número de escolas aumentou expressivamente. Isso significa que durante a maior parte do regime militar, a classe dos jornalistas, assim também a dos escritores de livros e peças – os profissionais do texto escrito em geral, enfim – era em grande parte formada de bacharéis em direito, muitos dos quais também advogados. Os que não eram advogados eram colegas de faculdade de advogados. Havia, portanto, intensa relação profissional e pessoal entre a classe dos advogados e a classe dos jornalistas. O recrudescimento e a generalização da repressão à imprensa eram, portanto, interferência direta sobre as possibilidades profissionais e materiais de personagens egressos do mundo jurídico, ou co-habitantes dos mundos do direito e das letras. Por aí se entende o porquê de a OAB, sempre primeiramente ocupada com a defesa dos advogados, ter tomado posição institucional aguerrida contra as investidas do governo em face da imprensa.

Os primeiros estranhamentos mostrados pela OAB diante da ditadura foram classistas: ainda em 1964, o Conselho Federal da institui- ção decidiu que seus filiados, cujos direitos políticos haviam sido cassa- dos pelo governo militar, não estavam impedidos de exercer a profissão17.

A leva de prisões de advogados e advogadas a partir de 1968 e a postura da OAB em repreensão a essas medidas, protestando publicamente, alian- do-se a outras instituições de representação – como a Associação Brasi-

17 ORDEM dos Advogados do Brasil. História do Conselho Federal. Disponível em:

leira de Imprensa – e promovendo desagravos públicos de seus filiados ofendidos nas suas prerrogativas profissionais, também levou a engaja- mentos maiores da instituição contra o regime. Aqui, eram sobretudo os advogados criminalistas as maiores vítimas dos atos de repressão ao re- gime militar, muitos dos quais entrevistados neste livro. Alguns desses mesmos advogados, em outras oportunidades, foram os profissionais designados pelas seccionais estaduais da OAB para atuar em favor de outros colegas presos. Seus depoimentos mostram bem o sentido que tinha essa luta: combater o regime por convicções políticas torna-se uma realidade só muito adiante na ditadura; em seus primeiros anos, a luta era sobretudo defensiva, buscando proteger a integridade dos advogados e as possibilidades de sua atuação profissional.

A legislação repressiva, ao impedir a utilização de habeas cor-

pus ou o acesso do advogado a seu cliente, estrangulava não só a oposi-

ção do regime, mas a própria profissão do advogado criminalista. O mesmo vale para invasão de escritórios ou interceptações de telefones comerciais e residenciais de advogados, relatadas por muitos dos entre- vistados. Na medida em que o advogado colocava-se em defesa do acu- sado de subversão política, oferecia-se como obstáculo à meta governista de total desarticulação da oposição civil e política ao regime. Era neces- sário enfraquecer a defesa para atingir o perseguido que ela defendia. Por essa lógica, advogados e advogadas sofreram violências variadas, de pri- sões curtas a torturas físicas, narradas nas páginas deste livro por quem as viveu.

É curioso notar, e as entrevistas o mostram bem, as diferenças de violência sofridas regionalmente, o que permite traçar hipóteses sobre as variações regionais da repressão aos advogados. O Rio de Janeiro tinha uma geração de advogados gabaritados na defesa de acusados políticos, por força da experiência do Tribunal de Segurança Nacional. Embora também ali tenha havido violências praticadas contra advogados, com prisões e invasões a escritórios, esta parece ter ocorrido de forma distinta em São Paulo, onde a maior parte dos defensores era composta por jovens recém-formados. Ao menos dois entrevistados paulistas relataram ter sofrido espancamentos e choques em seus interrogatórios policiais, o que não apareceu em depoimentos de outras localidades. De toda sorte, o fenômeno de repressão a advogados e advogadas defensores de acusados políticos foi nacional e muito duro. Nesse cenário adverso, eram necessá- rias estratégias criativas, além de coragem, para dar cumprimento à mis- são confiada em procuração: defender, por todos os meios legais, os me- lhores interesses de seus clientes.

II

DO LIMÃO À LIMONADA: AS ESTRATÉGIAS DE