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Antecedentes da institucionalização da pesquisa em genética: os institutos agrícolas do

O debate historiográfico sobre o desenvolvimento da genética no Brasil está centrado no fim dos anos 1930 e início da década de 1940, quando dois fatos são considerados marcos do início da genética moderna nacional. O primeiro deles é a criação da Cadeira de Biologia Geral da Universidade de São Paulo, em 1938, sob a direção do médico André Dreyfus; o segundo, a chegada de Theodosuis Dobzhansky no Brasil. No entanto, para além desses dois marcos no desenvolvimento da ciência, menos conhecidos, mas também importantes para o desenvolvimento da genética animal e vegetal no Brasil, foram os estudos relacionados à agricultura (HABIB, 2010, p. 19-20).

Estudos de história da ciência destacam três instituições fundamentais para o processo de introdução da pesquisa em genética no país: a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), em Piracicaba; o Instituto Agronômico de Campinas (IAC); e a Faculdade de Filosofia Ciência e Letras (FFCL) da USP. Grupos de pesquisadores dessas três instituições, liderados respectivamente por Friedrich Gustav Brieger, Carlos Arnoldo Krug e André Dreyfus, são considerados como centros irradiadores da institucionalização da pesquisa em genética (SCHWARTZMAN, 1979; ARAÚJO, 2004; MARTINS, 1994). Essa tríade é destacada na fala de diversos pesquisadores da época. Nas palavras de Krug, do IAC:

Sem dúvida, cabe ao Estado de São Paulo a primazia da pesquisa da genética no Brasil, pois foi aqui que se estabeleceram os três primeiros centros desta natureza: (a) a Seção de Genética do Instituto Agronômico de Campinas (…); (b) o Departamento de Biologia, criado na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (…), e (c) a Cadeira de Citologia e Genética da E. S. de Agricultura 'Luiz de Queiroz', de Piracicaba, criada em 1935 (KRUG, 1961, p. 20).

Reflexão semelhante é feita por Crodowaldo Pavan, da USP:

Penso que a Genética no Brasil começou em 1943 — tendo como centro o Dobzhansky e como pedras fundamentais Dreyfus, Krug, Briger e o Harry Miller, da Fundação Rockefeller. Esses cinco foram a base que verdadeiramente ergueu a Genética entre nós — hoje internacionalmente muito respeitada (ESTUDOS AVANÇADOS, 1993, p. 199-200).

A ESALQ18, criada em 1901 em Piracicaba, foi a primeira escola no Brasil a colocar

18 A ESALQ foi criada originalmente com o nome de Escola Agrícola de Piracicaba e era subordinada à

a genética como parte de suas disciplinas, em 1918, na cadeira de agricultura, sob a responsabilidade de Carlos Teixeira Mendes, e na cadeira de zootecnia, sob a responsabilidade de Otavio Domingues (ARAÚJO, 2004, p. 468-9; GLICK, 2003, p. 145-6). Mas até o início dos anos 1930 os estudos sobre genética estavam voltados para a discussão mais geral das leis de Mendel e das diferentes noções de evolução; não havia ainda estudo e utilização sistemática da genética (SCHWARTZMAN, 1979, p. 275)19.

A ênfase na pesquisa e em seus aspectos básicos propriamente ditos começa a ser dada quando a instituição é incorporada à recém-criada USP, em 1934, e, principalmente, a partir de 1936, quando o biólogo polonês Gustav Brieger20 é convidado para organizar o

Departamento de Genética, iniciando uma tradição de pesquisa, associada ao ensino, voltada tanto para a genética básica, quanto para o melhoramento de plantas (PATERNIANI, 1979-80, p. 224).

Outra instituição importante para o desenvolvimento da genética no Brasil foi o Instituto Agronômico de Campinas, criado em 1887 pelo Imperador Dom Pedro II para ser uma instituição de orientação puramente prática, voltada para a resolução em curto prazo de problemas da agricultura nacional, plano esse que não se concretizou integralmente (SCHWARTZMAN, 1979, p. 100; FORMIGA, 2007, p. 23)21.

Segundo Dantes (1979-80, p. 367-69), o IAC passou por três períodos distintos em sua institucionalização: o primeiro, em que foi dirigido por Franz W. Dafert, entre 1887 e 1897; uma fase intermediária, entre 1898 e 1924, na qual se sucederam vários diretores, e que

19 HABIB (2010, p. 28-29) questiona essa interpretação clássica da história da ciência que afirma que só a

partir da criação das universidades, na década de 1930, teria havido o desenvolvimento das ciências no Brasil. Diversos estudos, principalmente a partir de fins da década de 1980, visaram demonstrar que a ciência nacional data de antes da criação das universidades. Partindo de novas metodologias em história das ciências e, em especial, com uma nova concepção do que seria ciência, esses trabalhos abriram um novo campo de pesquisa e de possibilidades para o desenvolvimento científico brasileiro. Um exemplo é o livro Espaços da Ciência no Brasil, organizado por Maria Amélia Dantes (2001), que dividido em dois recortes cronológicos – Império e República –, trata de instituições anteriores à criação das universidades brasileiras, com produção científica. O objetivo deste capítulo não é, no entanto, retraçar a discussão historiográfica da ciência, nem propor uma solução para a questão de quando é possível falar de ciência no país, mas sim analisar o delineamento da pesquisa em genética que foi desenvolvida e reproduzida em diversas instituições.

20 Brieger foi um biólogo polonês com doutorado em botânica pela Universidade de Breslau, especialização

em genética pela Universidade de Harvard (com bolsa da Fundação Rockefeller), e livre docência pela Universidade de Berlim. Com a ascensão do nazismo perdeu seu emprego na Alemanha e foi trabalhar na Inglaterra. Brieger chegou ao Brasil em 1936, a convite da Embaixada Brasileira.

21 Segundo um dos diretores do IAC (1887-97), um dos motivos para que os objetivos do instituto não fossem

plenamente atingidos era o de que os próprios agricultores da região não se mostraram de início muito interessados: “uma das grandes dificuldades com que lutamos foi a completa indiferença dos agricultores para a nova Instituição... Quem quer que seja nos encontrará pronto a auxiliá-lo em qualquer questão relativa a nossa ciência e não receiamos estudos penosos, contanto que sejam exigidos em interesse da lavoura do país. Mas o agricultor inteligente há de compreender que uma atividade frutífera só pode provir do auxílio mútuo entre os agricultores e o Instituto (DAFERT apud ALBUQUERQUE et alii, 1986, p. 87).

teria sido dominada por uma mentalidade pragmática e imediatista; e uma terceira, de recuperação do Instituto, a partir de 1924, durante a gestão de Theodureto de Camargo, que permaneceu no cargo até 1942. É a partir de 1924, quando a direção do Instituto é assumida por um crítico da orientação pragmática que o IAC é reformulado, com o aumento do número de seus pesquisadores – em sua maioria engenheiros agrônomos formados pela ESALQ –, a reforma dos laboratórios e a instituição do regime de tempo integral (FORMIGA, 2007, p. 24). É também deste período a criação da seção de genética no Instituto, com o objetivo de formar técnicos com conhecimentos básicos de melhoramento e técnica experimental.

É importante destacar que o tipo de pesquisa realizada na ESALQ e no IAC não era o mesmo, como aponta Schwartzman (1979, p. 276):

Brieger e Krug [trabalhavam] em genética vegetal e problemas agrícolas. Mas, se Krug era essencialmente da genética aplicada, usando métodos já estabelecidos na busca de melhores espécies de café e milho, Brieger, cuja orientação era para a genética fundamental, estava mais interessado na descoberta de novos métodos de melhoramento que acompanhassem o progresso da ciência biológica.

É possível perceber nessa citação que a diferença da pesquisa nas duas instituições se relaciona com o que comumente se chama de pesquisa básica e pesquisa aplicada. O conflito e, principalmente, a acomodação entre pesquisa básica e aplicada marcará toda a história da pesquisa em genética e pode ser retraçado até o presente, e por isso essa articulação será retomada em outros momentos da presente dissertação.

Tanto na ESALQ quanto no IAC teve especial importância o intercâmbio com instituições do exterior. Foi assim que cientistas de destaque no cenário internacional vieram ao Brasil, ainda que na maioria dos casos por curto período de tempo, e jovens pesquisadores foram para o exterior por períodos de um a dois anos. Parte significativa das bolsas concedidas a pesquisadores brasileiros e o financiamento de professores estrangeiros deveu-se à colaboração com a Fundação Rockefeller (PATERNIANI, 1979-80, p. 224).

Essa breve reconstituição da genética nas escolas agrícolas teve como objetivo retraçar os primórdios desse tipo de pesquisa no país e destacar que, apesar de crucial, a criação da Universidade de São Paulo não foi o primeiro momento da genética do país, mesmo sendo fundamental, tanto para o desenvolvimento da genética em si, quanto para a análise aqui empreendida que desembocará no Centro de Estudos do Genoma Humano.