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A dimensão relacional refere-se aos vínculos com outras entidades para a realização de atividades conjuntas. Nesse ponto se consideram, por um lado, as relações estabelecidas com setores não acadêmicos (indústria, consultorias etc.). Por outro lado, inclui-se a participação em redes acadêmicas formais ou informais, acordos de colaboração, intercâmbios acadêmicos, entre outros. São relações que envolverem agências de financiamento, administradores, indústrias, editores, diretores de instituições científicas, fornecedores (elementos não diretamente ligados ao grupo de especialistas) e cientistas, que também estão envolvidos nas trocas, desempenhando papéis não-científicos – como o de negociadores de recursos – com implicações técnicas importantes para o trabalho de pesquisa.

Uma das colaborações mais frequentes das pesquisadoras do CEGH é com médicos da USP, UNIFESP, UFMG, UFRGS e com hospitais como o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, do campus da USP em Baurú e o Hospital A. C. Camargo. A relação da pesquisa realizada no CEGH com a medicina é bastante próxima, considerando que a área de atuação dessas pesquisadoras é genética humana e médica. A colaboração com médicos aparece como fundamental, principalmente para a obtenção de pacientes porque ainda que o

aconselhamento genético cumpra parte dessa função, dependendo do tipo de pesquisa, ele não é suficiente:

Queria entender um pouco melhor qual é a relação entre genética e medicina no trabalho de vocês e como se dá essa colaboração?

A gente tem uma parceria importante... Uma das coisas importantes dessa colaboração está na parte de você ter o paciente. A gente atende aqui, mas é um acesso pequeno e dependendo da pesquisa que você faz, você precisa de muitos pacientes. Por exemplo, para pesquisa com fissura labiopalatina, quanto mais melhor, a gente precisa de 500, mil... E eu não vou atender 500 pacientes aqui, né? Eu consigo atender três por semana no máximo. Então, por exemplo, o projeto de fissuras é um projeto que depende de uma colaboração entre vários grupos. Então a gente tem um apoio importante do pessoal do Hospital das Clínicas e tem apoio até de uma ONG, que é a Operação Sorriso (entrevista com coordenadora de transferência de tecnologia).

A relação com os médicos é comum entre todas as pesquisadoras, mas mais frequentes dependendo da doença estudada. Além da pesquisa com fissura labiopalatina, que necessita de muitos pacientes, a pesquisa com surdez tem relação estreita com a seção de oftalmologia de Hospital das Clínicas. Outros exemplos são o trabalho de uma jovem pesquisadora que se utiliza do “banco de tumores” do Hospital A. C. Camargo, o trabalho de um jovem pesquisador, cuja amostra vem de um banco de dados da Faculdade de Saúde Pública, e a pesquisa de outra jovem pesquisadora que depende dos cordões umbilicais coletados no Hospital Universitário da USP.

Com frequência, o artigo publicado a partir do material obtido através dessas parcerias tem como co-autores aqueles que forneceram as amostras, embora isso não seja bem visto por todos os entrevistados, como pode ser visto na fala de um pesquisador júnior:

As vezes se faz aquela política da boa vizinhança, que é comum, que quem deu a amostra, por exemplo, o médico X dá a amostra, a política comum é colocar ele no trabalho. A gente é meio contra isso, mas às vezes faz isso para evitar dores de cabeça. Mas eu sou contra isso, porque eu acho que isso é pegar carona totalmente em uma coisa que a pessoa não contribui cientificamente com nada. Ela cedeu as amostras, e óbvio que sem as amostras a pesquisa não existiria, mas e aí? É complicado... (entrevista com jovem pesquisador)111.

A parceria costuma se estender para outros profissionais da saúde, como biomédicos, enfermeiros, dentistas (principalmente no caso do estudo das fissuras), fisioterapeutas e farmacêuticos. Uma das pesquisadoras seniores, que se especializou na pesquisa sobre músculo distrófico, tem uma colaboração próxima também com pesquisadoras da Faculdade

111 O que talvez esteja em jogo aqui é uma disputa entre biólogos e médicas, expressa na negociação da autoria

dos artigos científicos. Infelizmente as entrevistas realizadas para esta dissertação não permitiu o aprofundamento dessa discussão.

de Educação Física da USP. A relação com esses colaboradores não é necessariamente no compartilhamento de uma pesquisa, mas é o que faz com que esta seja possível.

A relação com indústrias e consultorias não é significativa para os pesquisadores do CEGH e sua relação com as agências de fomento já foi analisada no terceiro capítulo desta dissertação. E por ser uma pesquisa altamente dependente de equipamentos e materiais, a relação com fornecedores também é bastante relevante para a sustentação do trabalho no Centro. Geralmente as pesquisadoras efetuam duas grandes compras anuais de materiais de consumo, importados, via agência de fomento, a Fapesp. Para outras compras eventuais, elas contam com representantes das empresas estrangeiras no país, ou empresas que fazem o trabalho de intermediárias de importação. Além disso, outro elemento fundamental para a viabilidade do trabalho é a manutenção dos equipamentos:

Praticamente todos os aparelhos daqui são importados, as matrizes estão geralmente na América do Norte ou na Europa. Então, o que acontece? A matriz treina às vezes funcionários brasileiros para fazer a assistência técnica, mas geralmente esse funcionário é meio que rapidamente treinado para dar conta de uma coisa que geralmente a pessoa na matriz tem muito mais experiência. Então, se é um problema simples, ele resolve. Se é um problema complexo, ele não sabe, ele escreve para o gerente da matriz dele para perguntar como resolve e isso demora. As peças, se tiver que repor, são importadas. Então, uma peça, que para repor na Europa demora 48 horas, aqui vai passar por um processo de importação, vai Fapesp, receita federal e vai demorar três meses para chegar. Nós já desativamos aparelhos excelentes, não porque o aparelho não estivesse mais em condições, mas simplesmente porque uma hora ficou inviável fazer a manutenção, porque aquilo começou a quebrar com mais frequência e cada vez que quebra fica três ou quatro meses sem usar, não dá para apoiar a sua pesquisa em um aparelho desse tipo (entrevista com pesquisadora sênior 4).

E como faz a manutenção dos equipamentos importados?

Tem aparelhos que são muito importantes que a gente faz todo ano alguma manutenção. Chama a empresa responsável, eles fazem orçamento, vem aqui, a gente aprova o orçamento, paga... Aí eles vêm, fazem toda manutenção, troca peça, manutenção preventiva. Outros aparelhos mais simples a manutenção é quando quebra, quando dá algum problema a gente chama o técnico e ele vem ver o que está acontecendo. Então tem esses dois tipos de manutenção, umas preventivas, outras não.

Os técnicos que fazem a manutenção são daqui mesmo?

Tem as duas coisas. Ou a própria empresa [que vende os equipamentos] tem escritório aqui, então quando a gente tem um problema a gente liga para os técnicos da própria empresa, ou às vezes tem representante. Depende. Os aparelhos grandes geralmente são as próprias empresas mesmo. Até um tempo atrás a gente tinha aparelhos que só tinham representantes, mas agora, eu acho, que eu lembre, que todos eles já têm empresa direto aqui (entrevista com funcionária do CEGH).

Sem os serviços de importação e a manutenção dos aparelhos, que dependem de agência de fomento, empresas estrangeiras, subsidiárias brasileiras, representantes comerciais e técnicos especializados, a pesquisa no CEGH não pode se desenvolver. Inclusive, a dificuldade nessas questões é apontada por muitos pesquisadores como o principal entrave para o bom andamento de seus trabalhos.

A outra dimensão das relações do CEGH são as colaborações científicas com outros pesquisadores e instituições. Uma das maneiras mais frequentes de estabelecer trabalhos conjuntos é através de estágios no exterior: geralmente um pesquisador júnior realiza estágio em determinada universidade europeia ou norte-americana, o que garante, pelo menos por um período, o estreitamento de vínculos entre essas instituições. Outra forma de colaboração cada vez mais comum – em sintonia com as mudanças que a pesquisa biomédica vem passando – é através dos grandes consórcios internacionais:

Atualmente minhas colaborações são através de um consórcio internacional de dados de array-CGH, que o Sanger Center organiza. Então todos nós colocamos os achados nossos para as pessoas intercalarem, e alguém que acha alguma coisa parecida, através do database me localiza ou localiza alguém em outra parte do mundo (entrevista com pesquisadora sênior 3). Ou seja, cada vez mais existem grandes bases de dados internacionais para armazenar o trabalho produzido por pesquisadores de todo o mundo e que permite que pessoas com achados genéticos semelhantes possam se comunicar e estabelecer parcerias para comparar seus resultados e escrever artigos conjuntos. Com o aumento progressivo dos custos desse tipo de pesquisa, a colaboração a partir desses consórcios se torna uma opção para aqueles que não têm condições de produzir dados em larga escala:

[A pesquisa em genética está] proibitivamente cara. (…). Então a questão é como selecionar os casos para eu poder investir, mesmo que sejam isolados. Então aqui [mostra o que tem em cima da mesa] você tem um montezinho de pastas, que são pessoinhas, que tiveram o exoma sequenciado e eu estou trabalhando neles. Por que eu os escolhi? Porque eles têm uma dica, apesar de serem casos isolados, de que tenham alteração no cromossomo x. (…). Nós estamos produzindo Case report, porque nós não temos o cacife de instituições como a Universidade de Seattle que faz tudo em mil, não sei quantos mil sequenciamentos. Mas, por outro lado, você pode achar coisas muito legais e você pode se juntar com outros, esse fulano aqui tem um caso, o outro tem outro, o outro tem outro, nos juntamos todos e escrevemos um trabalho [mostra um artigo]. Então vira um artigo porque junta pessoas do mundo inteiro e vê onde e quanto isso aqui está contribuindo para um fenótipo etc. Então essa interação internacional com outras pessoas é fundamental porque virou uma pesquisa muito cara, a pesquisa na área de genética humana (entrevista com pesquisadora sênior 2).

Em um contexto de crescimento dos custos da pesquisa, e do aumento crescente na velocidade de produção de dados, a associação com outros laboratórios acaba se tornando uma alternativa para os grupos de pesquisa que não conseguem produzir e analisar sozinhos grandes quantidades de dados.

Por fim, nas entrevistas, as pesquisadoras destacaram alguns grupos internacionais com os quais mantêm uma colaboração mais regular: Universidade de Oxford e Sanger Center, no Reino Unido, Universidade de Leiden, na Holanda112, Universidade de

Copenhague, Dinamarca, Instituto de Miologia/Groupe Hospitalier Pitié-Salpêtrière e Université Pierre et Marie Curie, França, Seconda Università di Napoli e Università di Padua, Itália, Universidade da Califórnia e Children's Hospital Boston, nos Estados Unidos.