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Capítulo III DO PLANO DIRETOR

II- integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; I onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos

3. Retrospecto Histórico do Planejamento Urbano em São Paulo: os planos diretores anteriores ao PDE

3.1 Antecedentes Históricos

Até meados do século XIX, São Paulo permanecia restrita a uma pequena colina triangular formada pelas ruas São Bento, Quinze de Novembro (R. da Imperatriz) e Direita, cercada por um grande desnível em relação aos rios que a delimitavam. Esta colina abrigou a cidade os três primeiros séculos de existência.

A partir desta época, as intervenções públicas na cidade de São Paulo tomaram duas diferentes direções, as obras de saneamento e infra-estrutura e projetos urbanísticos voltados para o embelezamento da cidade.

Neste contexto, iniciou-se um programa de construção de grandes edifícios, sendo delegado ao engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo os projetos de edifícios institucionais. Foram construídos os prédios das Secretarias da Agricultura e Fazenda, o Quartel da Luz, a Escola Normal (atual Caetano de Campos), a Escola Politécnica e o Liceu de Artes e Ofícios.

A iniciativa privada havia iniciado a implantação dos primeiros bairros planejados -Campos Elísios (1879) e Higienópolis (1890). Outras obras foram realizadas nos bairros mais nobres da cidade: a praça Buenos Aires,

em Higienópolis, e o Trianon, no ponto central da avenida Paulista. Essas experiências caracterizam intervenções de embelezamento e projetos urbanos pontuais, que estimularam a atividade do mercado imobiliário.

Também é dessa época – início do século XX - a formação da Companhia City de Desenvolvimento, responsável por loteamentos de alto padrão na cidade, como o Jardim América, Alto de Pinheiros, Boaçava, Alto da Lapa e Pacaembu.

A população que chegou nesta época em São Paulo, atraída pelo surto de industrialização, instalou-se em bairros próximos às fábricas. Restrições impostas pelo sistema de transporte coletivo limitavam o crescimento da cidade. A escassez de moradias promoveu diferentes tipos de soluções para os trabalhadores, como pousadas, casas de cômodos e cortiços.

O primeiro Código de Posturas de São Paulo, de 1886, baseado na concepção “higienista”, destacava as condições de moradia como principal fator de comprometimento da salubridade urbana, e a construção de cortiços foi regulamentada e proibida no perímetro central.

Priorizavam-se os aspectos visuais e higiênicos do tecido urbano, pretendendo criar uma cidade “civilizada” nos moldes europeus, com espaços diferenciados para funções institucionais, comerciais e residenciais. Ganhava corpo a idéia da “capital do café” adequada para fazendeiros, negociantes e governantes e também servindo de vitrine para imigrantes e investidores estrangeiros.

Devido ao aumento da população e rápido crescimento das atividades comerciais nos primeiros anos do século passado, concentrados no tradicional “triângulo”, esta região ficava cada vez mais congestionada. A gestão Antonio Prado (1898-1910) dedicou-se à remodelação da cidade de acordo com o modelo agro-exportador que exigia um centro de negócios adequado para que a “capital do café” cumprisse seu papel. Assim, as obras mais importantes concentravam-se na área central, como o Teatro Municipal, a remodelação do Largo do Palácio, e o alargamento da rua

Quinze de Novembro. A Diretoria de Obras era chefiada pelo engenheiro português Victor da Silva Freire, expoente do urbanismo nesta época.

Silva Telles, vereador de 1905 a 1911 e considerado um dos pioneiros do urbanismo paulistano, demonstrava preocupação com a expansão não planejada da cidade, defendendo a elaboração de um plano abrangente. Teve suas idéias publicadas no livro Melhoramentos de São Paulo, onde identificava a Rua de São Bento, nas embocaduras com Rua Direita e Avenida São João, como o ponto de maior congestionamento da área central. Propôs um plano de alargamento da Rua Libero Badaró, com a demolição das casas com fundos para o Vale do Anhangabaú.

A proposta de Silva Telles foi submetida à Câmara Municipal e adotada pela Diretoria de Obras Municipais, que apresentou em 1907 um projeto de lei seguindo suas indicações. A eliminação das edificações no entorno do vale encontrou oposição por parte dos proprietários de imóveis, devido à perspectiva da valorização resultante das obras.

Outra proposição foi desenvolvida pelo engenheiro-arquiteto Alexandre de Albuquerque, segundo a qual seriam abertas três grandes avenidas que se cruzariam, formando uma grande praça rotatória semelhante à Place L’Étoile e estruturando um novo centro para a cidade. A proposta, inspirada pelas diretrizes adotadas por Haussmann na reforma de Paris, pressupunha uma parceria entre empresários e Prefeitura.

O projeto das "grandes avenidas" de Alexandre de Albuquerque pode ser considerado a maior expressão, em São Paulo, do urbanismo "haussmaniano". Entretanto, ao privilegiar um pequeno grupo, o projeto atraiu a oposição de proprietários, do executivo municipal, da Câmara e da Light (ameaçada pelas concessões de auto-ônibus solicitadas para viabilizar o projeto através de parcerias).

Em face da diversidade de propostas de remodelação do centro, a Câmara nomeou uma comissão para estudar o problema. Em dezembro de 1910, no final da administração Prado, a Diretoria de Obras Municipais apresentou uma proposta abrangente, incorporando as sugestões do vereador Silva Telles.

O projeto elaborado pela Diretoria de Obras Municipais partia da premissa de que o “Triângulo Central” deveria ser desafogado. Como as ruas São Bento e Direita não podiam dar vazão ao tráfego crescente, as obras sugeridas para desafogar o "triângulo" deveriam ser completadas pela construção do Viaduto prolongando a Rua Boa Vista até o largo do Palácio e pela melhoria do acesso para quem chegava à cidade de trem, desembarcando na Luz. A rua Libero Badaró deveria passar de sete metros de largura para dezoito metros e manter livre seu lado ímpar, formando um “belvedere” sobre o futuro Parque Anhangabaú.

O projeto alternativo do Governo do Estado também previa a construção do Viaduto Boa Vista e a abertura da Praça do Patriarca, mas alterava completamente o tratamento a ser dado ao Anhangabaú. No lugar do parque, propunha ocupar o fundo do vale com um “boulevard” ladeado por construções. Em vez de manter livre o lado ímpar da Libero Badaró, permitiria a reconstrução desse lado após o alargamento da rua.

Esta alternativa visava preservar os interesses imobiliários atingidos pelo projeto da Prefeitura, garantindo o futuro aproveitamento dos terrenos junto à Líbero Badaró e Rua Formosa, do outro lado do vale. Era inovadora na concepção do “boulevard” que ocuparia o Anhangabaú, como trecho de uma futura ligação viária Norte-Sul atravessando a cidade. Sua idéia seria retomada mais tarde no projeto da Avenida Anhangabaú, atual Nove de Julho.

Victor Freire propôs a contratação de um consultor para arbitrar sobre o impasse - o arquiteto francês Bouvard - que elaborou um dos marcos iniciais da planificação urbana em São Paulo. Constituído por um relatório acompanhado por várias plantas, o Plano Bouvard constitui um estudo preliminar sobre a remodelação do centro de São Paulo. Pronuncia-se contra a derrubada de edifícios existentes no “triângulo” e a abertura da "avenida Central" paulistana, além de ser contrário a desapropriações. O plano propunha uma estrutura viária radial, com avenidas partindo do centro, respeitando os contornos do relevo natural. Defendia a multiplicação de espaços livres e áreas verdes no tecido urbano. Para isso seu plano previa a

implantação de dois parques circundando a colina histórica: um no Vale do Anhangabaú e outro na várzea do Tamanduateí. Transformado em Lei pela Câmara, o Plano Bouvard foi implementado gradualmente.

O Diretor de Obras Victor Freire, em uma conferência sobre a “cidade salubre” no ano de 1914 questionou as normas vigentes - com os altos pés- direitos e as ruas retas de 16 metros de largura, adotados pelo Código de Posturas paulistano de 1886 – as quais, segundo ele, eram inspiradas em padrões urbanísticos "haussmanianos", inadequados para São Paulo. Sua concepção era de que a ocupação urbana na capital, com de casas individuais em lotes estreitos e compridos, permitiria ruas locais mais estreitas e exigiria maior proporção de terreno livre no lote, além de espaços livres no interior das quadras e pequenos parques em meio ao tecido urbano. Para garantir maior salubridade seria preciso controlar a ocupação dos terrenos e a altura dos edifícios.

O adensamento do centro histórico deveria ser combinado à limitação da altura das edificações, com tetos máximos de quatro a nove andares, e fora da área central não deveriam ser permitidos prédios. Além disso, nenhuma construção no município poderia ultrapassar os trinta metros de altura. Estes limites foram propostos por Freire e incorporados ao projeto do Instituto de Engenharia para o Código de Obras, em 1918. Do núcleo central partiriam avenidas radiais e linhas de bonde em direção aos bairros. Victor Freire considerava que fora da área central a cidade deveria ser formada preferencialmente por bairros residenciais horizontais.

Com o projeto para o Código de Obras, a Prefeitura preparou a revisão da legislação de parcelamento em São Paulo. Os traçados ortogonais e as ruas retas não eram mais obrigatórios, o que havia possibilitado a implantação do Jardim América e do Jardim Europa com um misto de vias retas e curvas; mas a ocupação do Pacaembu e outras glebas acidentadas da City exigia ruas estreitas e sinuosas, que continuavam proibidas. A pressão da City e de Freire levou à aprovação de uma Lei de Loteamentos em 1923, prevendo hierarquização de vias, traçados livres, “culs-de-sac” e outros recursos empregados nos bairros-jardim, além da previsão de áreas verdes e de lotes

mínimos de 300 m2, buscando generalizar a qualidade desses bairros para toda a expansão urbana.

No entanto, a expansão da cidade não se dava apenas através das diretrizes da City e da Lei de Loteamentos; a expansão dos bairros operários, ocupados pela população trabalhadora ocorreu ao longo da linha férrea e junto ao cinturão industrial que condicionava a expansão da cidade no sentido Nordeste-Sudeste. Algumas vilas operárias construídas pelos industriais e muitos loteamentos populares e cortiços foram construídos para a população trabalhadora.

Um dos conflitos existentes entre os objetivos de remodelação urbana e as condicionantes econômicas do liberalismo era o controle da verticalização e dos loteamentos. A Lei de Loteamentos aprovada em 1923, embora adotasse os padrões exigentes defendidos por Freire, criou a possibilidade de abertura de ruas particulares que se tornariam loteamentos clandestinos. Como exposto, pode-se perceber que, neste período inicial, as propostas urbanísticas têm seu horizonte limitado ao papel de “capital do café” como centro decisório, comercial, administrativo e residencial, deixando de lado as necessidades da produção industrial e da população trabalhadora. Por outro lado, a coerência do modelo almejado era comprometida pela disputa entre projetos divergentes e pela dificuldade de impor normas no ambiente liberal inerente à própria condição agro-exportadora da cidade.