• Nenhum resultado encontrado

Antes, a autoridade policial efetuava um resumo dos fatos através do TCO – Termo Circunstancial de Ocorrência (TCO)84, mas na Lei Maria da Penha prevê-se um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial, que faz a prisão em flagrante do agressor85. A lei anterior (9.099/95) não permitia o acima citado, somente havia prisão no caso de lesão gravíssima – caso de morte ou tentativa de homicídio.

Anteriormente, inclusive, a mulher poderia desistir da denúncia na delegacia; hoje, para renunciar, só na presença do juiz. A intimação que anteriormente poderia ser levada pela própria mulher, hoje deverá ser entregue somente por oficial de justiça ou autoridade policial. Além da prisão preventiva, a legislação atual já altera o código de processo penal, de modo a possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva, quando houver riscos à integridade física e psicológica da mulher. A mulher não era informada quanto ao andamento dos atos processuais. Na Lei nº 11.340, a mulher é notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso do agressor na prisão e à sua saída.

A mulher poderia ir desacompanhada de advogado e/ou defensor público nas audiências, conforme a legislação anterior. Agora, ela deverá estar acompanhada de um

84

Termo Circunstância de Ocorrência (TCO) é um documento preparado pela Polícia Civil é o primeiro passo para se iniciar uma ação no Juizado Especial Criminal.

85

dos dois supracitados em todos os atos processuais. E se a mulher não puder pagar um advogado, como fica? Na lei anterior, a violência contra a mulher não era agravante de pena; a nova lei altera o artigo 61 e torna a V. D. agravante de pena. Em mais: em crime praticado contra mulher idosa ou deficiente, a pena poderá ser acrescida de um terço da pena estabelecida. Antes a pena ficava entre seis meses e um ano. Na lei atual, a pena passa a ser de três meses a três anos, podendo ser acrescida, como vimos nos casos já colocados anteriormente. A lei anterior não prevê a possibilidade de comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação. A nova já altera a lei de execuções penais, para permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor aos programas mencionados.

Agora, a nova lei estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher caracteriza-se como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, ocorrendo no âmbito da unidade doméstica, tomada como ambiente de convívio permanente de pessoas, independente do vínculo familiar existente entre elas; da família, compreendida pela associação de indivíduos que são ou mantenham ligações afetivas, através de laços naturais, afinidade ou expressa vontade; ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, não sendo necessária a coabitação, independente da orientação sexual.

A lei torna-se um dispositivo do Estado a favor das mulheres. Em vários depoimentos, os interlocutores repetem que a lei é algo novo e está beneficiando somente as mulheres. Esse dispositivo passa a ser qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e o discurso dos seres viventes (AGAMBEN, 2008, p. 12).

Pergunto-me, configurando um campo de problemas, se o dispositivo acaba constituindo no indivíduo, um processo de subjetivação como o autor coloca, entre os viventes e os dispositivos (AGAMBEN, 2008, p.13).

O autor expõe como o dispositivo atua naquilo que ele denomina processo de subjetivação. Para ele, o sujeito é o que resulta da relação e, por assim dizer, do corpo a corpo entre viventes e dispositivos. O olhar para o novo ordenamento jurídico enquanto relações interpessoais de indivíduos passam a ser base de trabalho para instituições

públicas modernas, alterando os mecanismos de controle exercido sobre o privado, refinando as condutas e os usos da violência em decorrência de uma crescente publicização do que antes era vivido como estritamente íntimo.

A análise dos autores Rifiotis (2003) e Debert (2006) expõe a possibilidade de que a transferência para o espaço público das questões íntimas seria consequência lógica e radicalização da ideia que funda o feminismo contemporâneo de que tudo que é privado é político. Nesse viés, vejo a importância das novas estruturas de organização social das mulheres, dos movimentos, dos sistemas organizacionais, da política e do jurídico. Como exemplo, vejo as novas formas de regulação institucional as quais culpabilizam e criminalizam as práticas de violência conjugal, já apresentando alcances e limites que estão interferindo nas relações privadas e públicas.

A contradição é instaurada a partir da quebra desse paradigma. A mediação seria, para esses autores, uma possibilidade de ação sobre conflitos conjugais; assim, a judicialização é um formato que criminaliza o masculino. No entanto, a mulher, ao denunciar, é vista como injúria ao homem (RIFIOTIS, 2003). Numa dimensão valorativa que expressa a submissão das mulheres aos seus maridos, companheiros, namorados, etc., a saída desse esquema reflete uma ressignificação que opera nos sentimentos de imposição a essa situação instaurada. Muitos homens não acreditam que violam as mulheres, por acharem normais essas ações engendradas cotidianamente.

O universo de cada casal revela-se a partir dos “esquemas adquiridos” – habitus do que é ser homem e do que é ser mulher (BOURDIEU, 2000). O senso comum dá pistas iniciais para a transição teórica de análise destas práticas masculinas. O salto para o entendimento das questões é quando o homem denunciado diz: “Eu não fiz nada, eu sou trabalhador”. Assim demonstra outras formas de compreensão da realidade. Para o movimento feminista, os sujeitos que estão à frente dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher são contra a mediação dos fatos, “o homem agressor deverá ser punido”; já para o sistema de jurídico e policial abriu-se um espaço não fácil de trabalho. Acredito que a judicialização é um novo parâmetro para a resolução dos conflitos, sendo eles íntimos ou não, trazendo práticas para os sujeitos circulantes do ritual da denúncia ainda não tão assimiladas.

Machado (2014) construiu um organograma representativo da judicialização pós-Lei nº 11.340/06. Em seguida, uma comparação entre antes e depois da LPM.

Organograma 1 – A judicialização pré-Lei nº 11.340/06

SITUAÇÃO CONCRETA

Ofensa à integridade corporal ou à saúde

Notícia do crime

Atuação da DEAM

Termo circunstanciado

Juizado Especial Criminal

Institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95

Fonte: Machado, 2014

Organograma 2 - A judicialização pós-Lei nº 11.340/06

CASO CONCRETO

Ofensa à integridade corporal ou à saúde bem como a toda e qualquer outra conduta prevista e sancionada pelo Código Penal e pelas leis penais em geral, desde que compreendida também na

dimensão nominativa da Lei Maria da Penha.

Notitis criminis

Atuação da DEAM

Representação (nos crimes de ação penal pública condicionada)

Fonte: Machado, 2014

Machado (2014) articula a diferença entre as Leis nº 9099/95 e nº 11.340 como importantes para uma análise das mudanças ocorridas tanto no âmbito jurídico como cível.

A tese de análise dos autores expõe a dificuldade de transferência para o espaço público das questões íntimas, devido a nossa estrutura patriarcal, machista e sexista, fatores de oposição à radicalização do feminismo contemporâneo de que tudo que é privado pode ser político, como coloca Sarti. Nesse viés, vejo a importância das novas estruturas de organização social das mulheres, dos movimentos, dos sistemas organizacionais da política e do jurídico. Como exemplo, as novas formas de regulação institucional que culpabilizam e criminalizam as práticas de violência conjugal.

Alguns autores contemporâneos, como Sorj e Monteiro (1985), Grossi (1885), Gregori (1987), Rifiotis (2006), Debert (2006), falam sobre a atuação da policia no enfrentamento da penalização e judicialização do autor de conflitos de conjugalidade. Mediante o ritual da denúncia, as práticas dos operadores circulam todo o esquema representativo das ações realizadas. Para Debert (2006) os encaminhamentos realizados pelas delegacias para o sistema judiciário constituem a principal característica do enfrentamento de conflitos interpessoais e de conjugalidade no ambiente doméstico.

[...] os conflitos entre a particularidade e universalidade oferecem também um caráter específico que tem sido chamado de judicialização das relações sociais. Essa expressão busca complementar a crescente invasão do direito na organização da vida social. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, essa invasão do direito não se limita à Inquérito

Ministério Público (eventual denúncia)

Juiz (eventual recebimento de denúncia)

Sentença

Expediente de medidas protetivas

Decisão do juiz

Prisão preventiva para garantir a execução das medidas nos termos do art. 312,

parágrafo único, do CPP 48h

esfera propriamente política, mas tem alcançado a regulação da sociabilidade e das práticas sociais em esferas tidas tradicionalmente, como de natureza estritamente privada, como são os casos das relações de gênero e o tratamento dados às crianças pelos pais ou aos pais pelos filhos adultos (DEBERT, 2006, p.16).

A pesquisa comparativa de Rifiotis (2003) entre a Delegacia da Mulher de João Pessoa e as experiências canadenses no campo da violência conjugal é assinalada como equivocada para o movimento feminista. Ele defende algo que o movimento não quer, devido ao fato de institucionalizar os conflitos intrafamiliares, por criminalizar e não mediar o conflito de conjugalidade.

[...] a judicialização é apresentada como conjunto de práticas e valores, pressupostos em instituições como a Delegacia da mulher, e que consiste fundamentalmente em interpretar a “violência conjugal” a partir de uma leitura criminalizante e estigmatizada contida na polaridade “vítima-agressor” ou na figura jurídica do réu. A leitura criminalizadora apresenta uma série de obstáculos para compreensão e intervenção dos conflitos interpessoais (RIFIOTIS, 2003, p. 4,17).

Esses dois momentos de regulamentação jurídica intensificaram a judicialização, abrindo espaços para novas análises sobre a denúncia, a criminalização do autor ou acusado e a percepção de diferentes subjetividades que se reorganizam no decorrer do processo de denunciatório (RIFIOTIS, 2006, p. 5). Essa discussão foi sendo construída a partir de casos extremados que vinham ocorrendo e passaram a ser objeto de estudos.

Já no âmbito dos juizados especiais, a legislação passada aplicava a Lei nº 9099/9586, ou seja, julgavam-se os crimes com pena de até dois anos (menor potencial ofensivo); já a legislação atual retira dos juizados especiais criminais a competência para julgar os crimes de violência doméstica.

A Lei nº 10.886/04 acrescentou em nosso Código Penal Brasileiro o parágrafo 9º ao artigo 129 – Lesões Corporais. A inovação legislativa trouxe a chamada violência doméstica. Abaixo o texto legal, antes de se verificar as razões legislativas87 que acarretaram essa mudança:

86

Ver em anexo.

87

Art. 129 §9º. Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

A definição de violência doméstica abriu a uma nova leitura jurídica e policial de várias ações que até então não eram criminalizadas. Para expor em dados mostrarei as estatísticas dos anos de 2006 a 2014 sobre violência doméstica.