• Nenhum resultado encontrado

A NÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

1.2. Aparência física do professor

Foi possível notar que, quando o professor é considerado chato, sua aparência física chama muito a atenção; ficou claro que depreciá-lo é uma forma de reagir às sensações de mal-estar. Ao se referirem aos “professores chatos”, utilizam adjetivos como “juba de leão”, “cabelo ridículo”, “bafo”, “careca”.

Eu não gosto de discutir com o professor, mas quando eu fico nervoso, sei lá.... eu xingo mesmo, não estou nem vendo! Xingo assim, ela é mó jubão! (todos riram.)

Dá vontade xingar ela. (menino)

Dá vontade de xingar ela de leão. (menino)

É possível inferir que esses adjetivos mencionados com bastante ênfase são uma forma de aliviar a tensão acumulada pelo mal-estar vivido. Wallon afirma que existem várias maneiras funcionais de aliviar as tensões emocionais e falar (atividade cognitiva) é uma delas:

“[...] não existe método mais adequado para reduzi-la que o de lhe opor a atividade perceptiva ou intelectual. Todo aquele que observa, reflete ou mesmo imagina, abole em si mesmo a perturbação emocional. Não nos livramos da emoção apenas ao reduzi-la às suas corretas proporções, mas sim, e principalmente, pelo esforço para representá-la.” (Wallon, 1995 a, p. 86)

Por outro lado, quando há identificação e uma boa relação com o professor, seu aspecto físico deixa de ser algo em destaque.

Assim como em Thomé (2001), Lima (2005) e Munhoz (2007), a identificação com o docente se revela como um aspecto essencial para o processo de ensino aprendizagem. Ela se mostra importante não somente para a aprendizagem formal, em sala de aula, mas para o desenvolvimento da pessoa de forma completa. Durante a adolescência, em que o jovem procura diversas formas para afirmação do eu, além de se opor, ele procura também pessoas com as quais se identifique. Essa identificação, baseada em um sentimento de confiança, é importante para que os adolescentes tenham modelos a imitar. Dér (2004) afirma que esse sentimento de amizade pode se deslocar para adultos estranhos à família, e que, nessa fase de escolha de valores morais, quando bem orientados, podem “florescer no adolescente um comportamento adulto autônomo” (p. 75), o que significa que, tendo uma boa relação com professores competentes profissionalmente e comprometidos com a aprendizagem de seus alunos, colaboram não só com seu desenvolvimento cognitivo, mas para seu desenvolvimento completo, como pessoa.

Podemos observar que os alunos demonstraram a necessidade de serem ouvidos e respeitados. Assim como em Thomé (2001), eles expressaram mais interesse e motivação para aprender ao se sentirem respeitados pelo professor:

Se ela fosse educada, conversasse com a gente seria melhor, a gente poderia entender melhor. Quando eles conversam, ficam legais. (menina)

[...]

Se ela fosse legal.... (menina)

Não ser daquele jeito que ela é! (menino)

Conversar com a gente, ser legal com a gente. (menina)

É, a Marta, o Ricardo... (menino)

Tipo assim, a gente começa a conviver com eles e eles ficam legais com a gente. É uma forma de expressar assim, sabe? (menina)

Para Wallon, esse tipo de postura ajuda ao adolescente a criar suas opiniões e defendê-las.

Antes de passarmos para a próxima categoria, gostaria de fazer mais algumas reflexões sobre o mal-estar discente, evidenciado nos depoimentos, relacionados aos modos de relacionamento professor-aluno:

1º - Conforme vimos no capítulo II, a adolescência é um período marcado por conflitos decorrentes das transformações orgânicas, físicas e psicológicas pelas quais o jovem está passando. Assim, em busca de conhecer-se, opõe-se ao outro, em uma tentativa de desconstruir os valores e regras instituídos, para que possa descobrir quais são os seus próprios valores e buscar respostas para “quem sou eu?”. Debesse (1943) afirma que a manifestação mais visível da adolescência é a hiperemotividade. Essa característica evidenciou-se no discurso dos participantes desta pesquisa. Assim, é preciso considerar pelo menos duas questões ao analisar as respostas dos adolescentes com relação ao comportamento dos professores: sem dúvida, eles estão afetados por sentimentos de mal-estar; no entanto, o exagero na oposição e as expressões extremadas podem ser, também, decorrentes da fase em que vivem: a puberdade.

2º - Wallon, a partir de uma concepção histórica e dialética de homem, atribui a uma composição de fatores genéticos, históricos e culturais a constituição da identidade do indivíduo, na relação com os meios em que vive. Conforme foi descrito, os adolescentes em questão vivem em uma situação socioeconômica desfavorável, sendo possível inferir que eles chegam à escola já afetados por sentimentos de mal-estar decorrentes das situações às quais estão submetidos dentro e fora da escola. Como exemplo, podemos citar a pesquisa realizada pela

Abramovay (2002), cuja pesquisa em âmbito nacional revelou serem várias as situações que interferem na disposição do aluno em estar na escola, como, por exemplo, a violência no interior das redes públicas - degradação do ambiente escolar - interferindo nas relações em sala de aula:

• Em média, 31% dos estudantes entre 15 e 17 anos demonstraram perda de vontade de ir à escola.

• 48% não conseguem se concentrar nos estudos;

• 38% ficam nervosos e revoltados com as situações de violência;

• 44% acham a escola feia e se sentem incomodados com os problemas de higiene, especialmente nos banheiros;

• 24% não gostam da maioria dos professores.

3º - Outra questão é a presença de professores, cuja formação – inicial e/ou continuada - inadequada não contribui para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre sua própria atuação profissional. Uma das dimensões da atividade docente é a afetiva; professores não conscientes das necessidades afetivas próprias e de seus alunos podem criar uma relação pedagógica cujos sentimentos de tonalidades negativas conduzem a um círculo vicioso, baixando a produtividade do processo de ensino-aprendizagem. Almeida (1997) afirma que a falta de informação sobre o funcionamento fisiológico e social da emoção gera no profissional da educação a incapacidade em lidar com os estados emocionais; acrescentando ainda que o desconhecimento desses mecanismos conserva o professor alheio “às suas mais evidentes manifestações”. Galvão (2001) assevera que este conhecimento possibilita ao professor melhor envolvimento com os alunos e evita a perda de controle da dinâmica do grupo. E ainda, Leite e Tassoni (2002) comprovam que as reações possibilitam o desencadeamento de um movimento cíclico positivo ou negativo, cuja relação pode se tornar mais convidativa ou aversiva ao indivíduo, gerando reações emocionais cada vez mais intensas, tanto no educador quanto no aluno.

Vale lembrar que a relação professor-aluno forma uma unidade; por isso, deve-se também ressaltar que as experiências vividas em sala de aula não são resultantes apenas daquelas vividas pelos alunos, mas também daquilo que os professores experimentam em seu cotidiano:

“O professor e o aluno constituem um par unitário, indivisível, quando analisamos o que ocorre em sala de aula. A aprendizagem é resultado desse encontro. A pergunta a ser feita é: quais comportamentos ocorrem nesse encontro, em quais situações, para termos esse resultado? A análise, a avaliação do comportamento do aluno precisa levar em conta as situações em que ocorre. Qualquer análise que separe essa unidade professor- aluno-situação perde o sentido e passa a falar de abstrações que nada têm a ver com a experiência concreta do dia-a-dia.” (Mahoney, 2003)

Com relação à unidade da relação professor-aluno, é válido dizer que, no mesmo sentido de círculo vicioso, não são só os professores que contagiam os alunos com sentimentos de mal-estar, mas o inverso também é verdadeiro. Nesta pesquisa, de maneira tímida, os adolescentes assumiram que nem sempre o mal- estar é responsabilidade do professor, que quer ensinar em algumas circunstâncias, mas eles não estão com disposição para prestar atenção, além de terem atitudes que provocam o docente e que precisam melhorar nisso:

Vocês deixam ele estressado, ficam conversando. (menino)

Às vezes é por conta própria mesmo. Não adianta querer colocar toda a culpa no professor. Às vezes o professor tá com vontade de passar a lição, a gente fica lá bagunçando. (menina)

Às vezes a gente não tá com vontade. (menino) Ou só quer ficar conversando! (menino)

Tenho dificuldade de me concentrar, fico olhando, olhando pra lousa e não consigo entender nada, falto muito na aula, fico conversando. (menino)

A análise feita por Wallon, sobre o contágio das emoções, aponta para a importância do professor: seus medos, sua segurança, seu amor pelo

conhecimento, entre outros sentimentos. Na unicidade do relacionamento dialético que se estabelece em sala de aula, em determinado momento, é difícil separar a causa e o efeito do mal-estar, mesmo porque a causa se torna efeito e o efeito, causa. No entanto, é responsabilidade do professor estar consciente da dimensão afetiva que está sempre presente na relação professor-aluno, administrando e potencializando a aprendizagem, a partir das necessidades afetivas dos adolescentes.

Apesar da necessidade do educador aprimorar seus conhecimentos técnicos para lidar com as próprias emoções e com a dos alunos em sala de aula, o que temos visto são estatísticas que demonstram que há uma grande necessidade nesse sentido. Pesquisas vêm revelando que os professores estão sofrendo as conseqüências de grande estresse laboral. Dos 52.000 pesquisados por Codo (2000), 48% apresentam sintomas da síndrome de Burnout, um estresse laboral que pode levar à desistência da profissão. Em Belo Horizonte, uma outra pesquisa, realizada em 2007 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em

Educação, constatou que, naquela região, 30% dos professores apresentam

sintomas dessa síndrome (Jornal Nacional, 09/04/2007). Dentre as causas mencionadas como desencadeadoras estão: pessoas submetidas constantemente a ambientes hostis; condições precárias de trabalho; constantes reformas educacionais; aceleradas mudanças sociais; baixos salários; não valorização; questões relacionadas à afetividade nas relações pedagógicas em sala de aula.

Assim, é possível perceber a complexidade e a importância das relações afetivas que permeiam o processo de ensino-aprendizagem, não sendo possível fazer afirmações sem considerar o contexto mais amplo. Com base em estatísticas referentes à situação de professores e alunos da rede pública de ensino no Brasil, é possível avaliar a amplitude em que se forjam as relações em sala de aula, sem cair em um reducionismo de responsabilizar professor ou aluno pelo mal-estar vivido na escola, mas compreendendo a complexidade do quadro em que essas relações se desenvolvem.

2. Modo de relacionamento com o professor: conteúdos,