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3. Aerossóis Respiratórios

3.1. Aparelho Respiratório

3.1.1. Fisiologia

Definida como o estudo funcional da matéria viva, a fisiologia do corpo humano busca explicar os mecanismos utilizados pelos órgãos, tecidos, glândulas e sistemas para cumprir seu papel na manutenção e proteção da vida. Dentre os órgãos que compõem o aparelho respiratório, o pulmão representa o centro fundamental para as trocas gasosas entre o sangue e o ar inspirado, realizadas através de uma complexa rede porosa do tecido pulmonar. A respiração compreende a expansão e a contração do pulmão através (1) do movimento do diafragma e (2) dos tubos condutores de ar (traquéia e brônquios). Tais movimentos podem reduzir ou elevar a pressão no interior dos alvéolos pulmonares em até 1 mmHg em relação à pressão atmosférica.

De acordo com HEINSOHN (1998), o trato respiratório é composto pelas seguintes regiões: nasofaríngea, traqueobrônquica e pulmonar. A primeira compreende as narinas e a laringe com cerca de 50 ml de volume, sendo também conhecida como trato ou via superior ou extra-torácica. É nela onde ocorrem as trocas mais intensas de calor e umidade com o ar inspirado. A região traqueobrônquica composta pela traquéia, pelos brônquios e pelos bronquíolos se diferencia pela existência de tecido ciliar recoberto por uma fina camada de muco conhecida como membrana mucosa. Estes são os órgãos mais sensíveis do sistema respiratório e reagem através da tosse quando tocados ou expostos à luz, partículas e certos gases e vapores.

Como órgão final do sistema, os pulmões (ou espaço respiratório) são compostos por um conjunto de minúsculas bolsas denominadas alvéolos cuja constituição se assemelha a de uma

esponja. De acordo com LI et al. (1998), pulmões normais comportam em conjunto um volume de 3,2 litros de ar, podendo alcançar até 4,8 litros no caso de pulmões de grande porte (atletas). O sangue absorve oxigênio e elimina o dióxido de carbono e outros metabólitos voláteis através da fina parede dos alvéolos (~ 9 µm) que separa o ar dos capilares sangüíneos. A Figura 3-1 (a) exibe as três regiões fundamentais do trato respiratório e identifica os principais órgãos do sistema respiratório e a Figura 3-1(b) destaca os bronquíolos terminais e as bolsas alveolares.

(a) (b)

Figura 3-1 Esboço (a) dos principais órgãos respiratórios (a) e dos alvéolos (b).

Em respiração calma não forçada, o ser humano repete o movimento respiratório de 12 a 15 vezes por minuto, inalando e expirando em média um volume de 500 ml de ar, ou seja, a cada minuto entre 6 e 7,5 litros de ar são introduzidos no interior de nosso corpo (HEINSOHN, 1998). Há, no entanto, o volume morto das vias superiores não envolvido nas trocas gasosas, reduzindo a ventilação alveolar para a faixa de 4,2 a 5,25 litros por minuto.

3.1.2. Mecanismos de Defesa

A natureza evolutiva do seres vivos capacitou o ser humano com diversas armadilhas para evitar o ataque microbiológico ao seu organismo. O sistema respiratório talvez seja o maior exemplo desta capacidade, pois dispõe de diversos mecanismos físicos e químicos para capturar os microorganismos, ou o veículo no qual são transportados, antes que estes alcancem regiões mais susceptíveis à ação das colônias microbiológicas.

A primeira limpeza do ar é procedida já na cavidade nasal quando os pelos, cílios e muco ali observados conseguem reter partículas de maior tamanho [> 9 mm, segundo LIPPMANN (1976)]. O turbilhonamento promovido pelas superfícies convolutas recobertas por pelos e muco é um dos principais agentes da deposição e aprisionamento destas partículas. A estrutura física

músculo liso ramo da veia pulmonar ramo da artéria pulmonar alvéolo alvéolo bronquíolo bronquíolos brônquios pulmões traquéia naso-faringe cavidade nasal

da naso-faringe contribui para a deposição de material particulado sobre o trato mucoso ao impor mudanças bruscas na direção do escoamento e a rotação do ar. O muco nasal também é responsável pela absorção das toxinas solúveis em água, substância fundamental de sua composição. Em paralelo a esta filtragem, as vias respiratórias superiores ainda tratam o ar, umidificando-o e aquecendo-o para facilitar as trocas gasosas no pulmão.

A estrutura muco-ciliar de defesa se estende da traquéia até os bronquíolos terminais no interior dos pulmões, sendo sua principal arma contra a presença de partículas estranhas. A captura de materiais poluentes pelo muco e a movimentação dos cílios conferem à membrana mucosa o papel de guardião da limpeza do sistema respiratório. Ela suprime elementos nocivos tanto pelas vias superiores (via expiração) como pelo sistema digestivo quando eles são deglutidos. Em ambos os casos, a tosse e o espirro podem ser de grande auxílio nesta tarefa.

Do ponto de vista pulmonar, a defesa dos sítios alveolares é em grande parte executada pelos macrófagos sangüíneos. Assim como no caso de deposição do bacilo tuberculoso, eles são os principais responsáveis por metabolizar os corpos estranhos inalados e depositados nos alvéolos, tais como material particulado, esporos, bactérias, entre outros. Através de um processo chamado de fagocitose, a superfície do macrófago se retrai procurando envolver completamente o corpo estranho depositado até formar células metabolizadoras denominadas de fagócitos. Toda a matéria no interior dos fagócitos passa a ser atacada por enzimas e substâncias que procuram digeri-la. Após este processo, restam apenas a parcela inerte ou os microorganismos resistentes a tais substâncias. Com exceção de algumas bactérias e fungos infecciosos, tais como as que provocam a tuberculose e algumas doenças virais, a maioria das partículas infecciosas é aniquilada pelos macrófagos. Superadas estas barreiras externas, existem ainda os mecanismos internos de defesa que incluem, por exemplo, os mediadores celulares do sistema imunológico e as respostas fisiológicas como a inflamação e a febre.

3.1.3. Eventos Emissores

Face aos objetivos do presente trabalho, é interessante conhecer a dinâmica do sistema respiratório em ocorrências como a tosse e o espirro, principais produtores de aerossol contaminado. Tais processos são iniciados por uma perturbação do trato das vias superiores, quando cerca de 2,5 litros de ar são rapidamente inspirados e aprisionados no interior dos pulmões através do fechamento espontâneo da epiglote, pressionando as cordas vocais e fechando a traquéia. Em seguida, a musculatura abdominal se contrai forçando o diafragma a comprimir os pulmões, obstruir os brônquios e constringir a traquéia, resultando na elevação da pressão no interior dos pulmões para cerca de 100 mmHg. Em um terceiro momento, as cordas vocais e a epiglote abrem-se repentinamente, promovendo uma rápida descarga do ar contido nos pulmões. Esta corrente de ar tende a carregar consigo qualquer material estranho dos brônquios e

da traquéia para o esôfago por onde é eliminado para o sistema digestivo. O espirro é fundamentalmente semelhante à tosse, mas a úvula não se abre completamente promovendo um rápido escoamento de ar através da boca e/ou do nariz, conforme revelado na foto da Figura 3-2.

Figura 3-2 Fotografia a alta velocidade de spray emitido pelo espirro.

A tosse é finalizada por uma corrente turbulenta de ar com alta velocidade mantida por um curto intervalo de tempo através da traquéia, dos brônquios superiores e até de alguns bronquíolos mais profundos, em função do colapso parcial da epiglote e do aumento da pressão pulmonar (SCHERER et BURTZ, 1978). A transferência de quantidade de movimento do ar para o muco é seguida por uma ruptura do filme fluido e pela formação de spray mucoso. As gotículas assim originadas poderão se depositar em posições subseqüentes do trato respiratório ou serem expelidas juntamente com a corrente de ar.

Fazendo referência a um estudo de 1960, SEPKOWITZ (1996) apresenta dados confirmando que quanto maior a produção de gotículas contaminadas maior a probabilidade de transmissão da doença. Mais interessante, no entanto, é a informação sobre a quantidade de gotículas produzidas por mecanismos como a tosse, a fala e até mesmo o canto. Segundo SEPKOWITZ (1996), uma tosse produz tantas gotículas quanto 5 minutos de fala em alto volume e que o canto é semelhante à tosse em termos de quantidade e de tamanho de partículas produzidas. Evidência adicional da transmissão através do canto foi obtida pelo acompanhamento de surto epidêmico em uma escola, onde a incidência foi maior entre os membros do coral que coabitavam o alojamento ou faziam as refeições junto a pessoas doentes.

Dos quatro processos de emissão de aerossol respiratório, a tosse é sem dúvida a que mais concorre para a dispersão aérea de gotículas contendo o bacilo da tuberculose. Além dela, o espirro, a fala e o canto também são capazes de disseminar este microorganismo. A forma como o corpo humano reage a estímulos para a ocorrência da tosse já foi abordada e cabe agora analisar como as propriedades do muco interferem na produção das gotículas contaminadas.

A capacidade de remover muco das vias aéreas ciliadas é determinada por um conjunto de parâmetros físicos e químicos das vias respiratórias, do ar e do próprio muco. Dentre as principais, SCHERER e BURTZ (1978) destacam a velocidade média da corrente de ar; o grau de obstrução das vias aéreas (bronquíolos, brônquios, traquéia, etc); a viscosidade, elasticidade, densidade, quantidade e localização do muco; a duração do pulso de ar; a densidade e a viscosidade do ar nos pulmões; a tensão superficial na interface gás-muco; e o comprimento, diâmetro e ângulo de ramificação dos tubos brônquicos.

Em indivíduos saudáveis, a camada de muco é suficientemente delgada para impedir que o arrasto do ar promova o colapso do filme líquido e a formação das gotículas. Quando ocorre um processo inflamatório, no entanto, as secreções de muco aumentam ao mesmo tempo em que a camada sol reduz-se (ver Figura 3-4). Isto eleva a viscosidade do muco a ponto do movimento ciliar não ser suficiente para eliminar todo o volume produzido. Procede-se um espessamento da camada fluida que, por sua vez, reduz a seção do escoamento e acelera a corrente de ar. O resultado final é o aumento na quantidade de bioaerossol produzido quando um indivíduo nestas condições tosse (ZIN et ROCCO, 1999).

A capacidade de se evitar a emissão de gotículas nestes eventos (tosse e espirro) é limitada pela eficiência de filtragem do material usado como anteparo e de seu ajuste junto à boca e ao nariz. De acordo com ZETERBERG (1973), os lenços comuns reteêm apenas as gotículas maiores que 20 µm. Além disto, o autor comenta que mesmos os microorganismos depositados sobre o lenço ou sobre as mãos, ao se bloquear o fluxo de ar, podem permanecer viáveis por longos períodos (8 a 10 horas para vírus) e retornar ao ar ambiente por ocorrência subseqüente de espirro, tosse ou outra ação mecânica.