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4. Micobactérias da Tuberculose

4.4. Patogenicidade, Virulência e Infecciosidade

Apesar destes três termos parecem, em princípio, sinônimo uns dos outros, eles encerram conceitos que expõem características distintas dos microorganismos. A patogenicidade é definida

como a capacidade de um microorganismo se alojar em um hospedeiro e desencadear uma doença, ou seja, uma propriedade intrínseca de determinados microorganismos (PELCZAR Jr., REID et CHAN, 1981).

O grau, a intensidade ou a habilidade com que um determinado patógeno, oportunista ou primário, consegue se converter em doença (alterações fisiológicas ou anatômicas), ou seja, seu nível de patogenicidade é revelado pela virulência. Esta pode variar não apenas de acordo com as características do germe, mas também devido a aspectos como a resistência e a capacidade imunológica do hospedeiro. Na avaliação da virulência de um agente patogênico, ambos os sujeitos do processo, microorganismo e hospedeiro, devem ser levados em consideração. Mesmo sem ter sido formalizada em nenhuma das obras consultadas, a infecciosidade é entendida como o termo equivalente à virulência específico para os microorganismos das doenças infecciosas.

Apesar do mecanismo de transmissão da M. tuberculosis não estar completamente entendido, SEPKOWITZ (1996) revisou os conhecimentos da época sobre a matéria e considera que seis são os fatores mais importantes neste processo: (i) as características do emissor; (ii) o ambiente, incluindo a ventilação; (iii) a duração do contato com o meio contaminado; (iv) a intensidade da exposição; (v) o tipo de contato; e (vi) o próprio bacilo tuberculoso.

a) Características do Emissor

Estima-se que para cada pessoa doente não tratada, dez novas infecções ocorrem ao longo de um ano (SEPKOWITZ, 1996). A capacidade infecciosa está vinculada a diversos aspectos, dentre os quais podem ser citados o estágio da doença (revelado por exame microscópico ou cultura de escarro), a condição do tratamento e a freqüência de tosse. Conforme adiantado no capítulo anterior, SEPKOWITZ (1996) relata que pessoas com exame microscópico positivo chegam a expectorar cerca de 108 a 1010 bacilos por dia (entre 106 e 107 bacilos por mililitro de escarro), sendo esta quantidade reduzida para menos de 103 bacilos por mililitro de escarro quando o resultado é negativo. NARDELL (1993) revela ainda que um paciente tuberculoso pode emitir em média cerca de cinco núcleos de gotícula a cada quatro horas (ou 1,25/h).

O período de maior perigo de transmissão da doença ocorre antes da conclusão do diagnóstico se o doente permanecer em contato com vítimas potenciais da infecção. O início do tratamento reduz sensivelmente a quantidade de bacilos contidos no escarro, além de introduzir substâncias antibióticas em sua composição. AHMAD e MORGAN (2000) comentam que a concentração de drogas anti-tuberculose na saliva e na secreção dos brônquios torna-se igual à encontrada no sangue e que, após a desidratação das gotículas, esta concentração pode ser centenas de vezes maior, o que contribuiria para a exterminação dos bacilos ali presentes. Estas substâncias continuam a agir mesmo fora do corpo humano, ou seja, nas gotículas em suspensão e até naquelas depositadas em superfícies. De acordo com o trabalho, estima-se que a pessoa

torna-se não infecciosa e pode ser liberada do isolamento após duas semanas de terapia (ou quando atinge um estágio médico estável).

b) Ventilação Ambiental

Tendo em vista que os núcleos de gotícula permanecem em suspensão por longos períodos, o sistema de ventilação pode se converter em um aliado da tuberculose distribuindo partículas contaminadas em toda a edificação (SEPKOWITZ, 1996). Exemplos de epidemia em navios, ônibus escolares, salas de aula com ventilação deficiente e bares confirmam esta observação.

Apesar de ser considerada uma medida de controle padrão para a doença, a ventilação tem sua eficácia questionada quando implementada sob a forma de aumento na renovação de ar, do emprego de elementos filtrantes mais eficientes e da manutenção de fluxo de ar direcional (ou pressão negativa em ambientes de isolamento), conforme texto de NARDELL (1993). A reduzida concentração de partículas no ar mesmo em ambientes hospitalares (uma em cada 227 a 340 m3, segundo a referência) é atribuída como o grande empecilho para o melhor desempenho destas medidas.

c) Duração e Continuidade do Contato

Com base na análise de surtos tuberculosos, diversas conclusões foram obtidas sobre a associação entre a duração da exposição e reatividade de teste da tuberculina. O estudo mais marcante a este respeito relatou o caso em que um motorista de ônibus escolar na região de Nova Iorque, Estados Unidos, infectou diversas crianças enquanto as transportava de casa para a escola. Como as crianças eram transportadas a partir de diferentes pontos, a duração do contato como o ar infeccioso era maior para aquelas que moravam mais distante da escola ou para aquelas que primeiro tomavam o ônibus (SEPKOWITZ, 1996). Cerca de 22% das crianças que permaneciam no ônibus por um período menor que 10 minutos por dia contraíram a doença. Este número cresce para 57% quando o tempo de viagem era maior que 40 minutos.

A continuidade da exposição é outro requisito importante para a transmissão da tuberculose, indicando que existe uma relação dose-resposta para a doença. Contatos casuais normalmente não implicam em aumento de reatividade à tuberculina ou mesmo de positividade dos exames de lâminas em microscópio.

d) Intensidade da Exposição

O nível de intimidade ou a proximidade entre doentes e outras pessoas (familiares, pessoal do serviço médico, acompanhantes em hospitais, etc) também contribui para aumentar a transmissividade da tuberculose. SEPKOWITZ (1996) revela que o percentual de esposas que contraem a tuberculose a partir dos maridos é bem superior àquele observado para os demais membros da família que habitam o mesmo ambiente.

e) Características do Microorganismo

Conforme comentário anterior, a M. tuberculosis apresenta características (alto conteúdo lipídio principalmente) que aumentam sua sobrevivência em ambientes não adequados ao seu desenvolvimento. Como ser vivo, acredita-se que possam existir variações na virulência em função da individualidade de cada microorganismo e do aparecimento de novas espécies (cepa Beijing W, por exemplo), como bacilos multi-resistentes recentemente descobertos.

A composição do escarro é outra variável que pode tornar um doente (fonte da transmissão) em um "perigoso disseminador" ou um "super disseminador", reproduzindo a terminologia utilizada por SEPKOWITZ (1996). Quanto menos viscoso se apresentar o escarro, mais intensa será sua atomização, produzindo um aerossol dominado por gotículas de pequena dimensão que rapidamente se desidratam e dão origem a uma densa nuvem de núcleos de gotícula, ou seja, a transmissividade da doença cresce.