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Aparente paradoxo: a difícil delimitação do contexto amplo

ELEMENTOS EXTERIORES AO AUTOR

3.4. Aparente paradoxo: a difícil delimitação do contexto amplo

Embora se faça necessário um aprofundamento das questões referentes ao contexto amplo do sujeito jornalista, nem sempre esta é uma tarefa fácil. Isso porque,

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Tradução a partir do original, em espanhol, feita pelo autor deste trabalho. Eis o trecho na origem: “Los sucesos noticiables tienen rara vez testigos presenciales y pocas veces se describen directamente. Por lo general, llegan a manos de los periodistas a través de una gran variedad de "fuentes de discurso", como pueden ser testigos presenciales, rumores, historias, entrevistas, conferencias de prensa, primicias, documentos, informes, llamadas telefónicas, agendas y mensajes procedentes de otros medios y agencias de prensa. Estas fuentes de discurso predefinem y preconstruyen los sucesos como sucesos noticiables, y puede que incluso presupongan su valor como noticias. Tanto periodistas como editores realizan a continuación un número de operaciones, como pueden ser la selección, resumen, combinación, eliminación y reformulación estilística, basándose en aquellos mensajes iniciales. Dichas operaciones, junto con los procesos cognitivos e ideológicos de los propios periodistas, definem la naturaleza esencialmente construida por los sucesos noticiables.”

além da multiplicidade de atores econômicos, políticos e sociais que estão envolvidos nessa realidade, é de senso comum que esse contexto não seja muito diferente daquele que é vivenciado por muitos outros sujeitos da nossa sociedade e que não desempenham profissionalmente nenhuma das funções jornalísticas. A única ressalva para esse pensamento, porém, é que também se faz notório o fato de que os jornalistas estão - até pela sua prática diária - mais em contato com as notícias (produzidas por ele, por colegas de redação, agências de notícias que servem ao veículo ou até por outras redes de comunicação vistas, lidas e ouvidas por ele a cada instante) numa quantidade muito maior que a de um outro profissional e isso faz com que o volume (e possivelmente o impacto de cada fato) se multiplique.

Para se fazer um rápido panorama do cenário social atual vivenciado por esse sujeito (no caso, um jornalista que trabalha em redação de veículo pernambucano) estão temas locais como os assustadores níveis de assassinato na capital pernambucana, o extremo nível de pobreza e miséria na maioria das cidades do interior do Estado. Também notícias que envolvem todo o País como o desenvolvimento do mercado comum da América do Sul, o Mercosul, a perspectiva da formação da Alca (Área de Livre Comércio da América), os escândalos políticos em todos os níveis do poder público, os conflitos nos países vizinhos da Colômbia, Venezuela e Haiti e a (ainda) delicada situação econômica da Argentina.

Se estendermos o raio de alcance para o nível global, teremos a preocupação com o terrorismo (após os ataques a grandes centros urbanos, como Nova Iorque, Washington, Madri e Londres), a reação ao chamado imperialismo americano e as recentes guerras que o envolveram (Kuwait e Iraque), os entraves políticos e econômicos da União Européia, a ascendência no cenário mundial da potência chinesa, os conflitos civis em países africanos como Uganda, Nigéria e Moçambique, a independência do Timor Leste, a guerra da Bósnia, os conflitos infidáveis no Oriente Médio, a revolução biogenética e o fenômeno das celebridades instantâneas.

Para se chegar ao atual cenário em que se desenha o contexto amplo, uma série de revoluções em diferentes campos (tecnologia, mercados, demografia, desenvolvimento e valores éticos) foi observada e acabou por contribuir para a configuração que hoje conhecemos nas áreas econômicas, políticas e sociais como um

todo. O que pode parecer um despropósito para este trabalho, revela-se de suma importância para que se amplie o raio de análise desse estudo, pois o fruto dessas revoluções que serão descritas nos parágrafos seguintes foram as preocupações que se transformaram no foco de ação social da maioria das empresas na atualidade.

A primeira dessas “revoluções” a ser lembrada ocorreu no campo das inovações tecnológicas. A convergência das tecnologias de telecomunicações e de informação criou uma série de inter-relações sem precedentes conhecidos na história da humanidade – nas empresas, entre as empresas e as cadeias de suprimento, entre as empresas e os clientes e entre os próprios clientes. A simples possibilidade de obter, transmitir e processar informações cresceu demais por causa do aumento da capacidade das telecomunicações e da velocidade dos computadores e do desenvolvimento da tecnologia da internet. A comunicação ficou mais rápida32 e também mais barata33. Computadores que exigiam uma sala inteira nos anos 60 hoje podem ser usados em casa, no carro ou num parque. Isso acabou por gerar um fluxo de ações de comunicação infinitamente superior ao visto poucas décadas atrás.

O impacto da internet foi avassalador e certamente só poderá ser avaliado em sua real dimensão dentro de algumas décadas e com as ferramentas necessárias. Hoje o que se sabe são apenas números e muitos deles são impressionantes. Só a possibilidade do E-commerce (o comércio virtual, no qual o internauta tem a possibilidade de trocar, vender ou comprar o que quiser) movimentou US$ 50 bilhões em 1998 e saltou para US$ 6,79 trilhões em 2004.

As práticas de trabalho também sofreram alterações bastante significativas. Os empregados, graças ao avanço tecnológico, na maioria dos setores hoje produzem muito mais do que produziam antes da informatização. A relação de horas e de locais de trabalho ficaram mais fluidas (hoje pode se trabalhar em casa, num congresso com

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Segundo entrevista concedida pela presidente executiva do Lloyds TSB Bank (Escócia) para Folha de São Paulo, quando surgiu a mensagem de texto em celulares (pouco mais de cinco anos), “cerca de cinco milhões delas foram enviadas em todo o mundo num único mês. Dezoito meses depois, a quantidade tinha aumentado para 3,5 bilhões por mês”.

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Dados da Carphone Warehouse (março de 1999): um telefonema feito num transatlântico em 1999 custa menos de 1,5% do preço de 1939.

vídeo-conferência ou durante um vôo). Houve também migração para novas áreas, como foi o caso do setor de call center34, hoje um grande empregador no mundo inteiro.

A divulgação na mídia também tomou uma importância mais significativa. A tecnologia de transmissão de informações – e especialmente o uso generalizado da televisão – ajudou a levar os meios de comunicação ao mundo inteiro. A reação dos consumidores é esperar ter notícias e informações assim que desejarem. Isso, entre outros meios, graças ao uso da tecnologia GSM dos aparelhos de telefonia celular e à conexão de Web via wireless (tecnologia sem fio).

A revolução tecnológica, contudo, custou caro – segundo muitos atestam – para a população mundial. Além da clara redução do mercado de trabalho no mundo inteiro (por causa do desaparecimento de funções e demandas por produtos utilizáveis antes do desenvolvimento de novas técnicas), problemas como a produção de fontes energia mais limpas, baratas e eticamente responsáveis35, assim como o colapso no sistema de transportes36, foram frutos desse avanço. Por fim, as tecnologias médica e genética têm sobre si o peso da discussão ética a respeito dos métodos utilizados e, sobretudo, das finalidades propostas para justificar estudos e testes. Muita gente acredita que a capacidade da humanidade de produzir inovações tecnológicas está deixando para trás rapidamente a capacidade de chegar a um consenso social e ético sobre suas aplicações.

O setor de mercado também foi outro no qual uma série de acontecimentos mudou para sempre a configuração e a prática social que lhe cabia. Esses fatos começaram a ser observados a partir da derrocada do Comunismo: desde que o muro de Berlim e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) desmoronaram, mais de 3 bilhões de pessoas passaram a viver em economias de mercado, incentivando a

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Atualmente no Reino Unido são registrados mais de 400 mil trabalhadores de call centers, um número maior do que os empregados nas indústrias de carvão, aço e automóveis.

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As indústrias ecológicas movimentam, no mundo todo, US$ 280 bilhões ao ano e devem atingir os US$ 640 bilhões em 2010, quase 8% de crescimento anual. A União Européia estima que terão sido criados 500 empregos nos países-membros em 2010 (dados do Committee of Inquiry into a New Vision For Business). Até o fim deste ano (2005), o investimento mundial em sistemas eólicos atingirá US$ 27 bilhões (dados do documento Power Generation in the 21st Century).

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Segundo dados do GEO 2000 Overview (UNEP), o transporte representa hoje um quarto do uso da energia mundial e cerca da metade da produção mundial de petróleo; os veículos a motor utilizam aproximadamente 80% da energia consumida por todos os meios. Os transportes são um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa e pela poluição do ar urbano. Números da empresa Toyota apontam um total de 69 milhões de carros em caminhões em todo o mundo em 1950. Hoje, há mais de dez vezes esse número e todo ano são produzidos mais 55 milhões.

globalização de capital, o conhecimento e as idéias, ainda mais estimulados por um processo de privatização e liberalização que parece contínuo.

Isso tem provocado um enorme fluxo diário de recursos financeiros e transações em todo o mundo. Para se ter uma idéia, de acordo com a revista Fortune, cerca de US$ 1,3 trilhão circula todos os dias pelo mundo nos mercados de câmbio, o que equivale a quase um terço do valor anual das exportações mundiais.

Aliado a esse dado existe o fato de que, na atualidade, as companhias multinacionais são os mais importantes atores da economia mundial. Sozinhas ou em conjunto, elas detêm um poder econômico significativo. Segundo o Top 2000: The Rise Of Corporate Powes Institute For Policy Studies, das maiores entidades econômicas do mundo, 51 são empresas e 49 são países. E uma conseqüência clara desse processo de globalização é que as maiores companhias multinacionais se tornaram mais visadas: as campanhas por mudanças sociais e políticas sempre encaram as empresas mais notórias com o alvo legítimo e mais acessível do que os governos.

Fenômenos de impacto visual e comunicacional são multiplicados na mesma ordem que o número assombroso de crescimento populacional, como a notoriedade e supremacia das marcas multinacionais. Em todo o mundo, basta dar com os olhos em vários logotipos de empresas para reconhecê-los. Um estudo publicado pela revista Adbusters (agosto/setembro de 2000) revela que as pessoas conhecem hoje menos de dez fábricas, mas conseguem identificar mais de mil logotipos.

Reações negativas dessa expansão dos mercados também são observadas e com grande atenção ao redor do planeta. Um dos mais visíveis impactos é crescimento da economia informal nos mercados em transição. O empreendedorismo tem grande destaque nessas economias de países em processo de desenvolvimento. O desafio para os governos é transformar os negócios informais que não pagam impostos em contribuintes constantes da economia nacional e de capital humano.

O crescimento da privatização também é outro tema muito frequente nas discussões a respeito dos impactos negativos da globalização. Nos anos 90, uma grande quantidade de empresas estatais passou para a iniciativa privada por meio de programas

de privatização acelerados, principalmente nas economias recém-liberadas. Com isso cresceu muito o número de críticos da globalização numa espécie de reação em cadeia à livre concorrência e expansão de mercados por causa da mudança de empregos e do fluxo de capital por todo o mundo e a percepção do poder e da influência que o setor privado detém.

Nesse cenário cresceu o poder de mercado das ONGs. As empresas estão aprendendo a trabalhar com o próspero setor não-governamental, que tem crescido em alcance e importância econômica. Além disso, as ONGs têm dado cada vez mais oportunidades de bons empregos (elas garantem hoje um em cada 20 empregos, em média, em 22 países desnvolvidos e em desenvolvimento, entre eles, o Brasil – de acordo com o Centro de Estudos da Sociedade Civil Johns Hopkins, em Baltimore, Estados Unidos).

No campo demográfico e de desenvolvimento dos países, parece que as pressões da população são cada vez mais gritantes. Um exemplo disso é o acelerado aumento da população. Isso porque os recursos naturais finitos do planeta estão ameaçados, na medida em que aumenta a necessidade de alimento, habitação e espaço para viver, por causa do rápido crescimento da população mundial. A população mundial atingiu 2,5 bilhões em 1950 e duplicou nos 50 anos seguintes para 5,9 bilhões. Com o nascimento da hexabilionésima pessoa (um bebê, em Sarajevo, em outubro de 1999, declarado simbolicamente como habitante de número 6.000.000.000 pelas Nações Unidas), espera-se, segundo o Fundo Populacional da ONU, que a população continue crescendo em ritmo semelhante. Por essa razão, estima-se que, em 2050, a população mundial chegue aos espantosos 9,5 bilhões.

Como se não bastasse, o mundo envelhece velozmente ao mesmo tempo em que aumenta a expectativa de vida. Há uma pressão sobre os países que se industrializam rápido para que ofereçam aposentadoria e seguridade social aos habitantes mais velhos. Do outro lado da sociedade está a delinqüência juvenil. Os jovens de famílias pobres nas áreas urbanas geralmente tem uma vida de pouca oportunidade de estudo e, consequentemente, menor possibilidade de emprego. A frustração que eles sentem quase sempre se expressa por meio de vandalismo e crime.

Problemas como a relação entre gênero e pobreza (os indicadores mostram que as mulheres são bem menos beneficiadas do que os homens, principalmente nas famílias pobres: nada menos do que 70% dos pobres do mundo são mulheres) e analfabetismo (em todo o mundo, os índices de alfabetização tem crescido nos últimos 40 anos, contudo em regiões como a América Latina, o progresso tem sido comparativamente lento, talvez por causa da pequena porcentagem de estudantes que concluem os estudos) também fazem parte dessa agenda.

O trabalho infantil continua a ser um dos grandes desafios dessa revolução do desenvolvimento. As estimativas são de que existam cerca que 250 milhões de crianças que trabalham em todo o planeta. Em regiões de pobreza absoluta, as crianças quase sempre garantem o sustento da família. As campanhas para a erradicação do trabalho infantil hoje ainda enfrentam um outro desafio: o de estar atentas ao perigo de retirar as crianças de uma situação “relativamente segura” como a do trabalho para deixá-las em ambientes piores, como o da indústria do sexo.

Ainda no quesito trabalho, a migração de parte da população economicamente ativa dos países em desenvolvimento também é preocupante. De acordo com dados do Fundo da População das Nações Unidas, alguns países da África Subsariana, do Caribe da América Central e do Sul da Ásia perderam um terço dos seus trabalhadores qualificados. Os trabalhadores estrangeiros mandam todo ano a seu país natal cerca de US$ 75 bilhões, ou seja, 50% a mais do que a assistência oficial ao desenvolvimento. Dados sobre a migração ainda revelam que, entre 1965 e 1990, houve um crescimento de 70 milhões para 120 milhões de pessoas.

Notícias desse porte acabaram por gerar uma revolução no campo dos valores dos cidadãos mais esclarecidos em vários países. Isso fez com que a confiança e a credibilidade depositadas em determinados setores começassem a ser abaladas. No século passado os governos democráticos e as grandes empresas ganharam respeito e eram tidos como guias da sociedade. Mais recentemente eles perderam o brilho37. Pesquisas como a elaborada em 2000 pelo instituto Latinobarómetro sobre a confiança

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A falta de credibilidade e perda de confiança depositadas nas instituições governamentais vêm sendo observadas em estudos como o do Environics International (Pesquisa do Milênio sobre a Responsabilidade Social das Empresas, 1999) e o da KPMG, sobre a confiança do público nas instituições dos EUA (1997).

do público nas instituições da América Latina mostram a baixa confiança nos partidos políticos, nos congressos nacionais, na polícia, na presidência da república, no sistema judiciário e nas forças armadas. No mesmo estudo a igreja está em boa colocação refletindo a força do fé nesses países.

Outro fenômeno observado não só no continente como no resto do mundo é o ativismo crescente. Pela primeira vez na história, uma quantidade enorme de pessoas em todo o planeta está tendo a liberdade de manifestar seus valores e geralmente o está fazendo de modo espontâneo e imprevisível, com passeatas, manifestos pacíficos e discussões públicas. Para se ter um exemplo, no fim da década de 90, na Europa, como o público não havia sido consultado a respeito do cultivo de alimentos trangênicos, dezenas de ONGs organizaram protestos que destruíram culturas experimentais feitas em locais secretos.

Atitudes dessa natureza fazem com que um estudo comandado pela da Edelman PR em países ricos e desenvolvidos como Austrália, Alemanha, França, Reino Unido e EUA, em 2001, sejam perfeitamente compreensíveis. Na pesquisa, entidades que fazem parte do grupo de Organizações Não-Governamentais como a Anistia Internacional, o Greenpeace, o Sierra Club e o World Wildlife Fund possuíam mais credibilidade do que multinacionais extremamente conhecidas como a Exxon, Ford, Microsoft e Nike.

CAPÍTULO 4