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ELEMENTOS INTRÍNSECOS AO AUTOR

4.1. Um mundo de visões: a questão da Ideologia

4.1.2. Ideologia e poder no campo midiático

Todas as considerações que fizemos a respeito da ideologia na primeira parte do trabalho servem para fornecer um panorama de algumas das principais discussões históricas sobre o tema e se tornam relevantes para a abordagem a seguir. Assim, o que se pretende aqui é articular as análises estruturais, as discursivo-midiáticas e também as ideológicas para fazer justamente a ponte desses temas macro com os micro aspectos, a saber nos campos interacional e textual. Atualmente, falar em ideologia, sob o viés da Análise Crítica do Discurso, implica em tecer algumas considerações a respeito das contribuições feitas por Teun Van Dijk, que faz uso desse conceito de forma mais maciça, aplicando-o geralmente aos discursos de ordem sexista ou racista e associando- o a algumas correntes cognitivistas. Antes, porém, devemos fazer nosso recorte para o que interessa a esse trabalho de sua contribuição, estabelecendo uma relação direta com as considerações de Dupas (2005) a respeito das estratégias das grandes corporações para manterem-se no poder – ligadas diretamente ao nosso objeto de estudo.

Sabemos que hoje em dia uma dessas estratégias é a gestão socialmente responsável, que traz consigo elementos comuns à responsabilidade social empresarial. As atitudes responsáveis e, sobretudo o investimento social privado publicizado em forma de marketing social, contribuem para o estabelecimento de uma imagem impoluta, se assim podemos chamar, da instituição privada e se caracteriza como um diferencial perante as demais40. De acordo com Dupas (2005), há ainda outras maneiras de se explorar as condições favoráveis de que porventura se desfrute na empresa, visando ao alcance desse objetivo (de certa forma, o monopólio), como a supremacia tecnológica, o controle dos mercados e fluxos financeiros, o acesso privilegiado a certos recursos naturais e o domínio das mídias e telecomunicações:

“Para aumentar seu poder, cada um dos grandes grupos corporativos estabelece estratégias tendentes a provocar a situação ideal: o monopólio temporário de um produto, processo ou tecnologia em seu segmento de mercado mundial. No limite, a estratégia corporativa maximizante é, obviamente, o afastamento da concorrência. Para aproximar-se o máximo possível dessa situação ideal de retorno do capital, a minimização da concorrência dentro do seu setor deve ser concomitante à maximização da concorrência entre os Estados dispostos a conceder ao capital”. (2005:97)

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Aliando esses fatores às estratégias para manter o domínio do campo midiático, as empresas – se tomarmos nosso pensamento de maneira “vandijkiana” – manifestariam seu viés ideológico nas estruturas discursivas instaladas na produção textual escrita. E é sobre essa afirmação que tomamos o projeto de Van Dijk numa espécie de análise sóciopolítica do discurso, quando este tenta, em primeira instância, redefinir precisamente o que seriam as ideologias, ou seja, os sistemas sóciocoginitivos das representações da mente. E aí especificadas estariam as ideologias no seio das atitudes dos grupos sociais e dos modelos mentais.

Acontece que Van Dijk estende seus esforços de estudo sobre a ideologia pesquisando de maneira sistemática através de quais estruturas do discurso – como, por exemplo, as estruturas semânticas (assuntos abordados, estabelecimento da coerência), a ordem de disposição das palavras (no campo da sintaxe), o léxico e os atos de linguagem, entre outras “escolhas”41 – acabam manifestando o pensamento ideológico. Aqui, utilizamos essa contribuição para nortear na investigação tanto da empresa, quanto do sujeito-jornalista (enquanto repassa essa ideologia e, raras vezes, manifesta a sua própria influenciada, em muitos casos, por esta). Assim, concordamos e somos partidários, então, dos postulados de Van Dijk sobre ideologia, considerando mais esse conceito mais como uma perspectiva multidisciplinar, sociocognitiva e discursiva.

Ou seja, de acordo com o autor, a essência desse conceito está imbricada no próprio viver do sujeito enquanto pertencente ao seu grupo social também partilhante dessa ideologia, instalando-se como base de suas ações e, de certa forma, do seu modo de “enxergar” o que acontece ao seu redor. Ainda baseando-se nos postulados da Análise Crítica de Discurso (ACD) que, insistimos, é a teoria que orienta a linha de pensamento deste trabalho, defendemos que os discursos moldam e são moldados pelas ideologias e, por extensão, pelos valores sociais. Nessa perspectiva, os teóricos da análise crítica se aliam à concepção bakhtiniana de signo e discurso, tomando esses como construções sócio-históricas.

Dessa forma, a palavra que sempre segue como portadora final (ou inicial, dependendo da abordagem) do sentido, traz consigo também uma parte da relação social

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Atenção para a manifestação textual dessas escolhas: os marcadores de articulação e os verbos introdutores de opinião que encerram este capítulo.

estabelecida para esta ou aquela prática ao longo dos tempos. Logo, para a ACD, a perspectiva cognitivista é um dos pilares para se pensar (e compreender) tanto a ideologia quanto o poder. Através dessa teoria o proposto é que instâncias como poder e desigualdade, grupos e instituições, ou seja, os elementos que fazem a estrutura social, são relacionadas às dimensões socialmente construídas nas mentes. O mesmo se aplica às práticas sociais do discurso e das outras formas de interação entre os indivíduos.

Na ótica de Van Dijk, a percepção do fenômeno da ideologia através da perspectiva citada acabou ampliando as possibilidades de concepção. Surge, então, para o autor, a definição de “nova teoria sobre ideologia” que, entre outros elementos, traz a pluralização do termo fazendo uma alusão às infinitas formas de relações sociais. Já a atitude de singularizá-lo faz com que, em parte, o termo possa ser confundido com o próprio conhecimento humano (ou os construtos cognitivos). Os componentes dessa nova visão sobre a ideologia possuem três princípios: 1) o das funções sociais; 2) o das estruturas cognitivas e 3) o das expressões e reproduções discursivas.

Por fim, ao estabelecer a relação entre as estratégias de poder e a manifestação ideológica destas nas estruturas discursivas, lembramos que discursos são produzidos, como discutimos na parte anterior do trabalho, com base em pontos de vistas ideológicos. Ou seja, querer acreditar na neutralidade da própria linguagem possivelmente seria um projeto arriscado.