• Nenhum resultado encontrado

Contexto social do jornalista sob a ótica da ACD

ELEMENTOS EXTERIORES AO AUTOR

3.3. Condições de produção: a influência dos contextos restrito e amplo

3.3.2. Contexto social do jornalista sob a ótica da ACD

Nunca é demais lembrar a relevância da percepção do contexto social no qual está inserido o sujeito29 — mais uma vez recordando: o jornalista que escreve textos sobre responsabilidade social — para que se estabeleça um estudo segundo a abordagem proposta pela Análise Crítica do Discurso (ACD). E mais: ao compreender o contexto social (enquanto ele é manifestado em forma de linguagem) na estrutura social em que se desenvolve, compreendem-se também os traços ideológicos e as relações que formam a sociedade do sujeito em análise. Como lembra Emília Ribeiro Pedro (1998) num artigo sobre os aspectos teóricos, metodológicos e analíticos da ACD:

29

Utilizamos aqui e mais à frente neste trabalho o termo sujeito com o mesmo sentido de enunciador. Ou seja, consideramos-no como a entidade responsável por produzir a enunciação: o indivíduo que, ao apropriar-se do sistema da língua, é capaz de expressar-se.

"Compreender os contextos sociais do uso lingüístico é, assim, um esforço para o entendimento do uso da linguagem no seio das estruturas sociais e ideológicas que organizam o que, em termos latos e abstratos, entendemos por sociedade. Na Análise Crítica do Discurso, encontramos um processo analítico que julga os seres humanos a partir da sua socialização, e as subjetividades humanas e o uso lingüístico como expressão de uma produção realizada em contextos sociais e culturais, orientados por formas ideológicas e desigualdades sociais." (Pedro, 1998, p. 20)

De maneira ainda mais direta, Robert Trask (2004) descreve a importância do contexto social na ACD ao defini-la enquanto análise desses traços de produção textual. De acordo com ele, procurar responder a algumas perguntas — como por que o texto foi escrito?, a quem era dirigido e por quê?, o escritor ou o orador têm objetivos ocultos e, nesse caso, quais são esses objetivos?, que assunções não declaradas e que vieses subjazem ao texto? — é basicamente trabalhar com a ACD, pois é esse o tipo de pergunta que a orienta. O autor, contudo, não afasta a possibilidade da existência de um estudo especificamente estrutural, porém é enfático ao classificá-lo fora dessa linha metodológica:

"(A Análise Crítica do Discurso) é a análise dos textos em seu contexto social. É possível, evidentemente, examinar um texto de um ponto de vista especificamente estrutural: o vocabulário e as construções que ele emprega, os mecanismos lingüísticos que usa para ligar uma parte a outra, e assim por diante. Mas a abordagem chamada análise crítica do discurso é bem diferente. Nessa abordagem, interessa-nos em primeiro lugar o contexto social em que o texto é escrito.” (Trask, 2004, p. 31)

Um fato, porém, que não podemos esquecer, é o da própria definição de contexto30. Objeto de ampla discussão no campo lingüístico, esse conceito guarda, fundamentalmente, duas naturezas (Charaudeau e Maingueneau, 2004): a natureza lingüística (ambiente verbal) e a não-lingüística (contexto situacional, social, cultural). Ainda de acordo com os autores, o termo contexto é utilizado para remeter principalmente ao ambiente verbal da unidade (que outros preferem chamar co-texto, em conformidade a um uso que se generaliza) e à situação de comunicação.

Esse último fator é o que nos interessa neste trabalho. Pois, uma vez que o nosso intuito é compreender fundamentalmente o sujeito-jornalista e a situação histórica e, ao

30

Por motivos óbvios de escolha quanto à direção de pesquisa — explícitos no primeiro tópico deste trabalho —, não utilizaremos aqui o conceito de contexto que leva em consideração o entorno de um elemento qualquer apenas com a sua natureza lingüística (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004, p. 127) e, sim, buscaremos ampliar a nossa análise para os elementos não-linguísticos.

mesmo tempo, a situação imediata na qual a sua enunciação se encontra, teríamos que, em algum momento, considerar a situação de comunicação. Se a tomamos em sentido estrito (para justamente avaliar as circunstâncias da enunciação, as condições de produção imediatas, o momento) teríamos que voltar nossos olhos, segundo Orlandi (2002), ao que se chama de contexto imediato. A idéia é, de certa forma, bem enfocada também por Charaudeau e Maingueneau (2004) quando esses falam dos traços existentes no contexto não-lingüístico:

"Seja lingüístico ou não-lingüístico, o contexto pode ser enfocado de maneira estrita (contexto imediato) ou abrangente (contexto ampliado), em um eixo evidentemente gradual. No que concerne ao contexto não- lingüístico, o contexto estrito (ou micro) faz sobressair, por exemplo, o quadro espaciotemporal e a situação local nos quais a troca comunicativa, seus participantes (número, características, status, papéis, e a relação que mantêm entre si), o tipo de atividade e as regras que a regem (contrato de comunicação e script da interação)." (Charaudeau e Maingueneau, 2004, p. 127-8)

Mas aqui não se pode, contudo, desprezar o sentido amplo (abrangente), ou seja, o que traz também ao nível de consideração alguns elementos que derivam diretamente da forma de nossa sociedade (ou das sociedades), com instituições, sistemas de organização de poder, traços históricos na relação que estabelecemos diante de símbolos e signos. E além de toda essa carga sócio-histórica há também que se lembrar da contribuição ideológica presente nesse conceito. Juntas, elas formam o que Charaudeau e Maingueneau (2004) chamam de quadro institucional:

"Enfocado de forma abrangente, o contexto (nível macro) faz sobressair o aspecto institucional, e se apresenta, portanto, como uma série sem fins de encaixes: assim, o quadro físico único será o conjunto do mundo físico, e o quadro institucional último será o conjunto do mundo social (e poderíamos dizer o mesmo do co-texto que, pelo viés do intertexto, recobre uma extensão discursiva teoricamente ilimitada)." (Charaudeau e Maingueneau, 2004, p. 128)

Pois bem, traços como os apresentados nessa parte do trabalho que buscam definir o contexto social (não-lingüístico), tanto em sentido imediato quanto em sentido amplo, influenciam de maneira direta a produção textual jornalística. O ritmo frenético do ambiente redacional, a competição levada ao extremo e a série de canais de chegada de informações, por exemplo, contribuem para a manutenção dessa aura dinâmica e recaem diretamente no texto final apresentado. A esse respeito — o do excesso de fontes de discurso, ou seja, dos canais por onde chegam as informações à redação — o

analista crítico do discurso Teun Van Dijk (1997) dedica um de seus textos — ao falar sobre o dia-a-dia da produção jornalística — e é categórico ao afirmar que (também ao contrário do que pensam os leitores) os eventos noticiados têm raras testemunhas oculares e que jornalistas e editores se valem de modelos predefinidos por essas fontes para relatar os eventos: para isso seguem tarefas quase que mecânicas em conjunto com seus processos ideológicos e cognitivos:

"Os acontecimentos noticiáveis têm raramente testemunhos presenciais, e poucas vezes são descritos diretamente. Em geral, chegam às mãos dos jornalistas através de uma grande variedade de "fontes de discurso", que podem ser testemunhos presenciais, rumores, histórias, entrevistas, coletivas de imprensa, premissas, documentos, informes, telefonemas, agendas e mensagens procedentes de outros meios e agências de notícias. Essas fontes de discurso predefinem e pré-constroem os acontecimentos como acontecimentos noticiáveis, nisto podendo incluir a pressuposição de seu valor como notícias. Tanto jornalistas como editores realizam continuamente um número de operações que podem ser a seleção, resumo, combinação, eliminação e reformulação estilística, baseando-se naquelas mensagens iniciais. Essas operações, junto aos processos cognitivos e ideológicos dos próprios jornalistas, definem a natureza essencialmente construída pelos acontecimentos noticiáveis." (Van Dijk, 1997, p. 44)31

Um dos resultados desse recorte do real proporcionado pelo texto jornalístico — fruto de um contexto social definido — seria uma falsa apresentação que encerra por trás de si a porta de entrada para um mundo real. Como está claro para Fowler apud Pedro (1998), quando este afirma que ‘o mundo da imprensa não é o mundo real, mas um mundo enviesado e suposto’. Ao afirmar isso, Fowler sugere que as posições ideológicas representam, de modo falso, um mundo real e verdadeiro.