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Texto 3: “Projeto cria Escola de Pão para carentes no Cabo”

CAPÍTULO 5 ANÁLISE DO CORPUS

5.5. Texto 3: “Projeto cria Escola de Pão para carentes no Cabo”

Nossa terceira manifestação do corpus atende por uma reportagem composta de matéria principal e duas vinculadas (a saber: Treinamento será diferenciado e Proposta prevê 150 matrículas), publicadas no caderno Vida Urbana do Diário de Pernambuco. Os textos, que datam de 19 de janeiro de 2003, falam de um projeto que pretende, através de cursos profissionalizantes de panificação, incluir a população pobre de um dos bairros de Cabo de Santo Agostinho, no mercado de trabalho. A iniciativa é patrocinada pela Fábrica Petroflex, com recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES).

Comecemos então tomando o sutiã da matéria principal: “Idéia é incluir população no mercado de trabalho através de oficinas”. A indicação que o leitor tem, se leva em consideração o título e o sutiã, oferecida por esses elementos, é de que a reportagem vai se apoiar em dois fenômenos: a descrição do projeto e a inserção dos beneficiados no universo do trabalho.

Sigamos adiante em nossa análise, rumo ao primeiro período do lide e ao último período do sub-lide. Observemos:

Exemplo 3

(3.a.) – A população carente da Vila da Cohab, no Cabo de Santo Agostinho, vai começar o mês de fevereiro aprendendo a fazer pão de várias frutas e ter a atividade como uma fonte complementar de renda. (DP: 19/01/03)

(3.b.) – Depois do treinamento, os alunos ainda irão formar uma cooperativa para a venda das iguarias, a preços populares. (DP: 19/01/03)

Nos surpreende o fato de que, após essas duas passagens selecionadas, em nenhum outro momento na matéria principal o assunto é enfocado novamente para municiar o leitor de detalhes a respeito da indicação que os campos lingüístico- discursivos ofereciam, materializando, mais uma vez, o fenômeno da distorção de pauta, dentro da Categoria de Coerência.

A partir daí, a matéria principal atende a um dos seus requisitos: o de descrever o funcionamento do projeto Escola de Pão. São apresentados números de investimentos federais, duração das etapas, motivo de escolha da comunidade a ser atendida, local de funcionamento dos cursos, público-alvo, criação das turmas e abrangência das ações. Mais adiante, porém, no intertítulo53 da matéria principal, um trecho que fala especificamente sobre o histórico, a missão e a natureza de atuação da Petroflex nos chama a atenção, oferecendo elementos para análise:

(3.c.) – Outra preocupação da produtora de borracha, é a imagem da empresa perante a sociedade. "A Petroflex é vista como perigosa, porque trabalha com produtos químicos, que naturalmente, poluem o meio ambiente. Por isso procuramos mostrar às comunidades, que as empresas podem conviver em harmonia com a população, prestando serviço e colaborando para a preservação do meio ambiente", conta Madruga. A Petroflex também desenvolve um projeto de educação ambiental nas escolas municipais do Cabo, desde 2001. (DP: 19/01/03)

Além de reservar ao gerente da fábrica, Marconi Madruga, a tarefa de informar o viés poluente do negócio no qual a empresa atua, o sujeito-jornalista escolhe um articulador metadiscursivo “naturalmente”, com grifo nosso no trecho (3.c.), cuja função é introduzir um comentário sobre a forma ou modo de formulação do enunciado. Dentro da nossa opção de microcategorização dos campos léxico-discursivos, observamos que esse articulador figura como um modalizador em sentido restrito e demonstra um dos vieses da heterogeneidade enunciativa, pois ao mesmo tempo em que se realiza, a fala acaba avaliando a si mesma e fazendo uma solicitação de aprovação do co-enunciador, como sugerimos ser comum a esse universo de articuladores no capítulo anterior, no tópico 4.4.

Ora, a estratégia é necessária para abrandar a pecha negativa que acaba por recair sobre esse tipo de atividade industrial. Se é considerado um processo “natural” poluir para essa empresa (e qualquer outra que venha a desenvolver o mesmo produto), o termo pode ser lido como inevitável. A situação ainda é abrandada pela escolha de localização do último período do enunciado (3.c.): “A Petroflex também desenvolve um

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Intertítulo é uma palavra que tem a finalidade de resumir uma mudança de tópico dentro de uma matéria. Geralmente disposta com suas letras em caixa alta e negrito, além de destacar um trecho dos demais, tem uma função estética definida, pois “quebra” o bloco de texto, suavizando a leitura, e funcionando como uma pausa, até pelo seu caráter de mudança de ritmo da escrita.

projeto de educação ambiental nas escolas municipais do Cabo, desde 2001”. É a redenção de uma empresa que tira do ambiente e ao mesmo tempo tenta devolver.

Observemos, agora, a disposição de quatro falas atribuídas a uma única fonte que recaem, todas, vale salientar, numa mesma matéria, a vinculada Treinamento será diferenciado. A fonte sobre a qual as informações recaem é o instrutor de panificação Jeziel Costa, que acaba figurando como único referencial para esse curto texto de três parágrafos. Praticamente toda a matéria é baseada em suas afirmações. Vejamos:

(3.d.) – Segundo o instrutor, o diferencial do curso está na confecção de pães finos, preparados com verduras, tubérculos e frutas tropicais como o caju, a jaca, o cajá e a manga. (DP: 19/01/03)

(3.e.) – "Queremos mostrar para o público e para os panificadores que é possível produzir pão com qualquer fruta ou verdura", desafia Jeziel. (DP: 19/01/03)

(3.f.) – "Vamos utilizar a sazonalidade de cada produto, para oferecer ao consumidor produtos mais em conta", ensina Costa. (DP: 19/01/03)

(3.g.) – "Daqui a dois meses, teremos a safra da laranja e nossa maior produção será de pão de laranja", assegurou. (DP: 19/01/03)

Comecemos, então, levando em consideração a escolha da fonte como estratégia de repasse da responsabilidade pelas informações transmitidas nesse texto. Ninguém melhor do que o instrutor para falar de um curso que deve desenvolver um impacto social e econômico considerável na comunidade. Sentimos falta, porém, de uma outra fonte que pudesse complementar aspectos não alcançados nesse texto, como as expectativas de alguns dos futuros alunos ou do mercado de panificação local.

A escolha dos verbos introdutores de opinião reforçam a idéia de apresentar Jeziel como autoridade inquestionável no assunto. Se não, vejamos a disposição de léxicos como “desafia”, “ensina” e “assegurou” denotam um ator com propriedade do que está falando e, principalmente, a certeza de suas afirmações. Se, mais uma vez, insistíssemos na reorganização desses enunciados com outros verbos menos parciais (se é que isso é possível dentro do universo de parcialidade que encerra a escolha desses

termos) teríamos, por exemplo: "Queremos mostrar para o público e para os panificadores que é possível produzir pão com qualquer fruta ou verdura", afirma Jeziel em (3.e.); "Vamos utilizar a sazonalidade de cada produto, para oferecer ao consumidor produtos mais em contas", disse Costa em (3.f); e "Daqui a dois meses, teremos a safra da laranja e nossa maior produção será de pão de laranjas" informou em (3.g.). Perceba-se ainda a escolha da construção adverbial “segundo o instrutor”, aparentemente neutra em (3.d.) introduzindo o discurso parafraseado e antecedendo o léxico “diferencial”.

Ainda nessa matéria observemos o interessante trecho:

(3.h.) – O melhor é que os brioches poderão ser consumidos até por pessoas que tenham o orçamento familiar mais apertado, já que serão vendidos a preços populares. (DP: 19/01/03)

A utilização do articulador metadiscursivo “o melhor é” feita pelo autor da matéria (e não atribuída a nenhuma das fontes) denota uma clara tomada de posição, num raro momento nesse tipo de texto, tão evidente. Para o autor, do universo de benefícios que o programa traz à população, ainda há o de fácil acesso por meio do preço aos produtos feitos dentro da Escola de Pão. Enquadramos essa escolha na ocorrência de modalizador em sentido amplo.

Por fim, tome-se o enunciado:

(3.i.) – Os produtos estarão sendo comercializados na Escola de Pão, a partir do mês de maio, quando a primeira turma terá se formado e iniciar a cooperativa. (DP: 19/01/03)

Como citamos no início da análise neste tópico, um dos principais propósitos do texto, através das pistas de contextualização indicadas pelas escolhas de título e sutiã, era o de relatar sobre a inserção dos formandos no mercado de trabalho, possivelmente, caminhando rumo à auto-sustentabilidade. A única passagem que nos traz um pouco mais de informação a respeito dessa atitude é o enunciado selecionado em (3.i.) que expõe dados sobre o local de funcionamento e o prazo (mesmo que incerto, revelando apenas o mês) de início dessas atividades.