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Texto 5: “Empresas investem em inclusão digital”

CAPÍTULO 5 ANÁLISE DO CORPUS

5.7. Texto 5: “Empresas investem em inclusão digital”

A quinta e última manifestação do corpus para análise é uma matéria publicada em junho de 2003, no Diário de Pernambuco, que narra, a partir de um único exemplo, o processo de inclusão digital. A matéria, que tem como título Empresas investem em inclusão digital, direciona o leitor para exemplos (termo no plural, mesmo, mas como veremos adiante, distorcido) que ilustrem o processo de democratização da linguagem, dos equipamentos e da prática computacional entre estudantes oriundos de comunidades de baixa renda. O sutiã completa o propósito: Programas e ações simples fazem com que um potencial excluído tenha vaga no mercado de informática.

Nosso primeiro comentário diz respeito à escolha dos verbos introdutores de opinião utilizados para apresentar as falas selecionadas do estudante Wagner Sena, personagem principal do texto, ex-estagiário de um projeto social e que se beneficiou da contribuição de uma empresa privada para seguir nos estudos de Ciências da Computação, e do também entrevistado Roberto Marinho Filho, diretor da TCI File, instituição que custeou o curso. Vejamos, em primeiro tempo, os trechos selecionados do primeiro personagem:

Exemplo 5

(5.a.) – “Eu fazia a triagem dos documentos nos arquivos e não entendia nada de computadores”, conta. (DP: 04/06/03)

(5.b.) – “O pessoal da empresa percebeu meu interesse e me pagou um curso de computação; fora isso, li vários manuais, livros, naveguei na internet e fiz todas as perguntas possíveis”, lembra. (DP: 04/06/03)

(5.c.) – “Acho que descobri meu dom, não estaria tão feliz se fosse veterinário”, diz. O estudante pode ser considerado um exemplo de um incluído digital. (DP: 04/06/03)

Agora o do segundo:

(5.d.) – “A verdadeira inclusão digital é social. Não adianta o jovem ter acesso à microinformática e não ter um emprego”, opina o diretor da TCI File, Roberto Marinho Filho. (DP: 04/06/03)

Os verbos “contar”, “dizer”, “lembrar” e “opinar” – todos acima com grifo nosso – foram as escolhas feitas pelo autor do texto para introduzir as falas dos personagens. Agora vamos nos inclinar na análise de significado de cada um deles: “contar” nos traz o sentido de relatar algum enredo em detalhes ou não, uma história, caso ou conversa; “dizer” expressa significado de exposição, através de palavras, de algum fato a alguém; “lembrar”, ao nosso ver, dá a entender algo ainda mais vago quando se trata de relatar a fala de alguém, pois seu significado gira em torno de trazer algo à memória, recordar ou relembrar; e por fim, “opinar” que tem como sentido o ato de emitir uma apreciação, dar um parecer, expor o que se pensa, considerar após uma reflexão, entender ou julgar.

Nos parece, nesse caso, que a última escolha é feita propositadamente para valorizar o trecho selecionado a fim de ilustrar a fala do diretor da empresa TCI File. Como autoridade que aparece na notícia, suas palavras são frutos de reflexão, no que concordamos com o autor, pois, de acordo com o trecho, seu parecer indica que o bem maior de uma inclusão digital é a inserção na sociedade e no mercado de trabalho (“Não adianta o jovem ter acesso à microinformática e não ter um emprego”). O que discordamos é o fato de que um verbo de peso semelhante não foi selecionado para introduzir a opinião do jovem Wagner Sena quando este falou a respeito da descoberta de sua afinidade profissional e das aptidões inatas para desempenhar as funções (“Acho que descobri meu dom, não estaria tão feliz se fosse veterinário”). De acordo com o texto, ele simplesmente “disse” e não emitiu opinião.

A partir desse fato, questionamos quais seriam os propósitos que levam o autor a fazer essa escolha. Por trás de qual ideologia essa seleção se esconde? Poderíamos, com base nessa análise acima, afirmar que a retificação da fala de uma autoridade é prioritária frente a de um aluno beneficiado pelo projeto? As indicações lexicais, pelo menos, caminham no sentido de valorização de apenas um dos personagens e de sentimentalização dos trechos de fala do outro.

Observemos o trecho abaixo:

(5.e.) – Isso foi há três anos e ele tinha o sonho de ser veterinário, mas acabou se interessando por informática. Pediu, então, uma chance a um dos gerentes de projetos e passou a acompanhar as atividades de todo o processo de digitalização. (DP: 04/06/03)

A escolha dos léxicos “sonho” e “chance”, cujo grifo é nosso, romantizam o trecho da página anterior dando ao acontecimento elementos quase “novelescos”. O “sonho” de ser veterinário (mesmo não sendo o propósito final dos interessados em financiar a ação social, que é o de transformar o beneficiado em incluído digital), nos remete ao desejo intenso, veemente e constante por algo, uma aspiração, um anseio. Quem sonha em ter uma profissão é portador de um ideal que é perseguido com interesse ou até com paixão. No lugar de uma escolha dessas, verbos como “planejar” ou “querer” poderiam repassar uma idéia semelhante, porém, é bom que seja dito, com uma intensidade completamente distinta.

Já a “chance” figura como a possibilidade de concretização desse sonho. E, nesse caso, ela está nas mãos da empresa que é procurada pelo rapaz. Observe-se que em seu lugar poderia ter havido uma reformulação com expressões como “Ele chamou os gerentes para conversar e propôs mudar de função dentro da empresa”, o que, reconhecemos também, é distante do que foi formulado acima. O fato é que, no momento do ato em si, nem o leitor, nem o jornalista, nem o pesquisador científico estavam para presenciar como ele aconteceu, porém há que se concordar que, do ponto de vista ideológico, fica mais fácil vender essa matéria escrita com elementos de dramatização. Para tentar visualizar melhor esse fenômeno, leia-se abaixo:

(5.f.) – O resultado foi que Wagner virou o gerente de tecnologia do projeto. Enquanto toda essa mudança acontecia, ele terminou o ensino médio e decidiu fazer vestibular para computação. Passou na Universidade Católica de Pernambuco, mas não tinha condições financeiras para custear o curso. (...) Os diretores da TCI, pelo desempenho de Wagner, resolveram pagar a faculdade e aumentar o salário para ajudar nas despesas. (DP: 04/06/03)

A sensibilização do fato, no nosso entender, está bastante exposta nesse último trecho. A expressão “Enquanto toda essa mudança acontecia” se refere à promoção de Wagner Sena a gerente de tecnologia do projeto como resultado natural de seu interesse diante da área que agora chefiava. Entendemos que o fato deve ter sido comparado a uma relevante mudança no organograma da empresa e na própria vida do profissional, porém a escolha de termos assim certamente demonstra uma parcialidade que é incompatível com o propósito da matéria e até da atividade jornalística, pelo menos na prática e não de maneira tão facilmente visível. O mesmo serve para os demais trechos

grifados [“mas não tinha condições financeiras para custear o curso” e “(os diretores) resolveram pagar a faculdade], expondo uma dificuldade em “alcançar o sonho” e a concretização da chance tão desejada.

Concluímos esta análise retomando o sutiã dessa matéria já transcrito na página 125. Assim como o título, ele nos sugere uma diversidade de ações na área da inclusão digital que serão mostradas nas mais de 50 linhas de texto. Acontece que a matéria é ancorada em apenas um exemplo de beneficiado, o de Wagner Sena, e a respectiva empresa, a TCI File. E em momento algum, pelo menos são expostos números que justifiquem a opção pela grafia dos termos no plural do título e do sutiã. Nos resta, então, apostar na distorção de pauta (que é mais do que evidente, pelo menos do ponto de vista numérico) e, mais fortemente, na parcialidade, como fruto da ideologia favorável e de apoio a toda e qualquer ação social vinda de uma instituição privada.