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APLICAÇÃO DA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DINÂMICOS NA PSICOLOGIA:

2. A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DINÂMICOS:

2.2. APLICAÇÃO DA PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DINÂMICOS NA PSICOLOGIA:

Uma revisão dos estudos que utilizam como base teórica os pressupostos da perspectiva dos sistemas dinâmicos aponta que a sua aplicação na Psicologia pode ser feita, principalmente, de duas maneiras. A primeira delas enfatiza a utilização da perspectiva dos sistemas dinâmicos para propor modelos matemáticos no estudo de fenômenos psicológicos. Tais modelos podem resultar, por exemplo, da transformação de modelos conceituais cujas potencialidades desconhecidas são exploradas a partir de experimentos numéricos (ver, por exemplo, VAN GEERT, 1994, 1998). Além disso, este modo de utilização da perspectiva dos sistemas dinâmicos permite o estudo de alguns fenômenos psicológicos a partir do isolamento de variáveis relevantes para a sua compreensão e, ainda, a exploração da dinâmica destas variáveis através de programas de computador que simulam o seu funcionamento (ver, por exemplo, VAN GEERT, 1998). Entretanto, nem sempre é possível isolar todas as variáveis que compõem os sistemas psicológicos e esta impossibilidade levou os pesquisadores a buscarem outra maneira de aplicar a perspectiva dos sistemas dinâmicos ao estudo dos fenômenos considerados como objetos de investigação da Psicologia.

Então, uma segunda possibilidade de aplicação da perspectiva dos sistemas dinâmicos na Psicologia está relacionada com a utilização de seus conceitos como metáforas conceituais para a compreensão, por exemplo, dos sistemas de relações e modificações dos seres humanos; sendo aplicada, portanto, em termos de modelo analógico (FOGEL; LYRA, 1997; FOGEL; LYRA; VALSINER, 1997; PERNA; MASTERPASQUA, 1997; THELEN; SMITH, 1994). O estudo desenvolvido por Pedrosa, Carvalho e Império-Hamburguer (1997) utilizou analogicamente os conceitos de tal perspectiva para descrever a atividade de brincadeira livre de um grupo de crianças (com idades que variavam de dois anos e meio a três anos) como um sistema dinâmico cujo desenvolvimento possibilita a emergência de padrões de organização específicos. Com

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base em conceitos tais como auto-organização e atratores, as referidas autoras procuraram explorar a idéia de que as ações individuais de cada criança, num ambiente de brincadeira, fazem emergir padrões de ação coletivos que resultam de um processo de auto-organização destas ações.

Outro estudo que considerou os conceitos da perspectiva dos sistemas dinâmicos de maneira analógica foi desenvolvido por Brabender (1997) e buscou investigar a dinâmica que caracteriza a psicoterapia em grupo. Neste caso, as noções de estabilidade e desordem decorrentes da perspectiva dos sistemas dinâmicos foram utilizadas para explicar o desenvolvimento e as mudanças que ocorrem durante um processo psicoterapêutico que envolve a participação de várias pessoas.

Fogel e colaboradores (FOGEL et al., 2006) também tem encontrado respaldo teórico na perspectiva dos sistemas dinâmicos ao investigar a natureza das relações interpessoais, principalmente aquelas estabelecidas na infância. Este autor destaca que a relação mãe-bebê deve ser considerada como um sistema dinâmico, ou melhor, um sistema de relações. Com base no trabalho de Coleman e Watson (2000), Fogel (2000) argumenta que as investigações tradicionais sobre apego tendem a focalizar as contribuições da mãe e do bebê para a relação de maneira separada, impedindo a compreensão de tal fenômeno como um sistema complexo, composto por subsistemas e processos específicos implicados no seu desenvolvimento (FOGEL, 2000).

No que se refere à Psicologia do desenvolvimento motor, as investigações realizadas por Thelen e colaboradores (THELEN; SMITH, 1994; THELEN; ULRICH, 1991) são exemplos de referência sobre estudos na área que utilizam a perspectiva dos sistemas dinâmicos. Assim, Thelen e Smith (1994) focalizaram suas investigações em um dos fenômenos que marcam o desenvolvimento do caminhar, qual seja, a capacidade do

bebê de dar “passadas” ao longo do primeiro mês de vida. De acordo com as referidas autoras, tais “passadas” declinam a partir do segundo mês de vida e só reaparecem no final do primeiro, quando o bebê já se encontra num período mais avançado no desenvolvimento do caminhar apresentando assim uma forma mais elaborada de “passada”.

Assim, considerando o desenvolvimento da capacidade do bebê de caminhar como um sistema dinâmico, Thelen e Smith (1994) argumentaram que o declínio das “passadas” pode ser explicado como um desequilíbrio entre os elementos peso das pernas e força muscular, todos elementos do sistema motor. Neste sentido, com o aumento desproporcional do peso das pernas em relação à força muscular, ao longo dos primeiros meses de vida do bebê, o sistema motor experimentaria um período de instabilidade e a conseqüência disto seria justamente o desaparecimento da capacidade do bebê de dar “passadas”, concebida com um padrão de organização do sistema em questão. Na verdade, as referidas autoras defendem que esta capacidade nunca deixou de existir enquanto possibilidade de configuração do sistema, ela apenas deixou de representar um padrão visualizado macroscopicamente em função de uma mudança nas relações estabelecidas entre os elementos que o compõem.

A partir deste estudo, Thelen e Smith (1994) puderam argumentar, à luz da perspectiva dos sistemas dinâmicos, que o desenvolvimento não deve ser concebido como a sucessão de eventos que carregam em seu plano um “estado-fim” já programado. Segundo as referidas autoras, esta visão teleológica, assumida pela maioria das teorias tradicionais sobre o desenvolvimento – teorias nativistas-racionalistas, teorias de processamento de informações, teoria piagetiana etc – impede a compreensão deste fenômeno como uma trajetória cuja dinâmica se caracteriza pela indeterminação resultante das múltiplas conexões possíveis entre os elementos do sistema.

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Desse modo, a aplicação da perspectiva dos Sistemas Dinâmicos ao estudo do desenvolvimento, bem como, ao estudo dos fenômenos psicológicos em geral contribui, a nosso ver, para superar pelo menos algumas limitações inerentes a teorias e perspectivas que procuram para dar conta do desenvolvimento. Tendo em vista tais considerações, daremos ênfase, a seguir, a algumas elaborações teóricas que pretendem relacionar alguns conceitos da perspectiva dos sistemas dinâmicos com o estudo do autismo.

2.3. A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS DINÂMICOS E O ESTUDO DO