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3. A PERSPECTIVA HISTÓRICO-RELACIONAL E O MODELO E-E-A DE COMUNICAÇÃO:

3.2. O MODELO E-E-A DE COMUNICAÇÃO:

O modelo E-E-A, elaborado por Lyra e colaboradores (LYRA, 2000, 2007; LYRA; CHAVES, 2000; LYRA; ROSSETTI-FERREIRA, 1989; LYRA; WINEGAR, 1997), consiste numa proposta de compreensão da emergência e desenvolvimento da comunicação mãe bebê. Tendo como fundamentos teórico-metodológicos a perspectiva dos sistemas dinâmicos tal modelo está interessado em investigar o processo de desenvolvimento das trocas comunicativas mãe-bebê, focalizando assim como ocorrem as mudanças no modo como tais trocas ocorrem ao longo do tempo.

Desta forma, o modelo E-E-A propõe que o processo de comunicação mãe-bebê se caracteriza por apresentar uma seqüência de padrões de organização que apresentam complexidade crescente e que se distinguem pelas diferenças nas configurações assumidas pelas trocas de ações entre mãe e bebê. Esta complexidade, no caso da comunicação, refere-se a: (a) uma inclusão de ações por parte de ambos os parceiros (mãe e bebê) ao longo das trocas e (b) um refinamento nos ajustes que tais parceiros realizam para incorporar tanto as novas ações que são dirigidas a eles como aquelas que eles dirigem ao outro, ao longo de trocas comunicativas. A observação das diferenças na complexidade de cada padrão de organização do sistema de comunicação só é possível quando investigamos

o desenrolar das trocas de ações entre mãe e bebê em diferentes momentos no tempo. Ao analisar detalhadamente as trocas de ações, o foco do pesquisador-observador é na atividade de recorte ou escolha que os parceiros realizam em relação às ações que devem compor um evento comunicativo. Esta dinâmica de destaque de ações dentro de um espectro de possibilidades de ações comunicativas, presente nas das trocas comunicativas no início da vida, foi sistematizada por Lyra (1988) a partir do conceito de dinâmica dialógica de recorte, que teve como referência as idéias de De Lemos (1981, 1985).

Este conceito propõe que, ao se engajarem em trocas de ações, parceiros comunicativos realizam o recorte ou destaque de uma ação (ou conjunto de ações) para negociar de maneira mais intensa (LYRA, 1998, 2000, 2007; LYRA; CHAVES, 2000; LYRA; WINNEGAR, 1997). Essa atividade de recorte possui um caráter relacional e por isso depende de uma escolha mútua dos parceiros (e não da atividade isolada de apenas um deles) de selecionar, a cada evento comunicativo, que ação (ou conjunto de ações) será tomada como objeto de negociação. A dinâmica dialógica de recorte pode ser compreendida, por analogia, a partir da idéia de figura-fundo proposta nos estudos de percepção. Com base nessa idéia, podemos dizer que ao iniciar uma troca de ações uma díade mãe-bebê destaca, dentre o fluxo de ações comunicativas possíveis de serem exploradas, pelo menos uma delas (ou um conjunto delas) para se tornar figura. Assim, enquanto uma das ações é explorada como figura, as demais ações assumem a função de fundo. Ao longo das trocas subseqüentes, aquela ação (ou conjunto de ações) que em um momento anterior foi negociada pela díade como figura pode torna-se fundo para que novas ações possam ser destacadas e exploradas pelos parceiros comunicativos (mãe e bebê).

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O conceito de dinâmica dialógica de recorte é utilizado por Lyra e colaboradores (LYRA, 2000, 2007; LYRA; CHAVES, 2000; LYRA; ROSSETTI-FERREIRA, 1989; LYRA; WINEGAR, 1997), ao propor o modelo E-E-A, como ferramenta metodológica que auxilia a identificação dos padrões de organização das trocas comunicativas mãe-bebê. Desse modo, é através da observação, por parte do pesquisador-observador, das atividades de destaque das ações (ou conjunto de ações) que as díades realizam constantemente, ao longo de suas trocas, que são identificados os padrões de estabelecimento, extensão e abreviação. Estes são concebidos como padrões de organização do sistema de comunicação no início da vida que resultam de inúmeras e sucessivas atividades de recorte realizadas pela díade mãe-bebê. Neste sentido, os três padrões de organização do sistema de comunicação no início da vida, que segundo Lyra e colaboradores (LYRA, 2000, 2007; LYRA; CHAVES, 2000; LYRA; WINEGAR, 1997) podem ser identificados nos dois tipos de interação comumente observados nos oito primeiros meses de vida do bebê (interações face-a-face e interações mãe-objeto-bebê), são assim definidos:

O estabelecimento corresponde ao primeiro padrão de organização que emerge nas trocas diádicas, caracterizado pela tentativa dos parceiros de estabelecer como figura um primeiro elemento comunicativo. No caso das trocas face-a-face, o olhar mútuo é o primeiro elemento negociado nas trocas diádicas enquanto que nas trocas mãe-objeto-bebê o primeiro elemento comunicativo a ser explorado é o olhar conjunto da mãe e do bebê para um objeto ou brinquedo.

Uma vez que o contato de olhar é facilmente estabelecido e mantido pelos parceiros interacionais, este se torna fundo a partir do qual outros elementos - como, por exemplo, sorrisos, vocalizações, movimentos posturais etc – podem ser amplamente negociados pela díade. Desta forma, quando a díade mãe-bebê passa a estender o tempo de duração das

trocas em função da ampla exploração de novos elementos comunicativos, passamos a observar um novo padrão de organização no sistema de comunicação mãe-bebê denominado de extensão. Por exemplo, nas trocas face-a-face, tendo estabelecido o contato de olhar mútuo, podem ser negociados sorrisos, vocalizações, movimentos, etc., de forma elaborada e prolongada. Considerando o olhar conjunto dos parceiros para o objeto como fundo, os movimentos dos braços/mãos do bebê para o objeto podem ser negociados durante trocas prolongadas que focalizam estes movimentos.

O padrão de abreviação das trocas diádicas, por sua vez, caracteriza-se por sua curta duração e por resultar de uma seleção, por parte dos parceiros, de alguns elementos anteriormente negociados. Um dos aspectos principais das trocas abreviadas está na possibilidade dos parceiros diádicos estabelecerem trocas mais rápidas sem que a compreensão a respeito destas trocas seja prejudicada. Por exemplo, considerando as trocas face-a-face, a díade utiliza um rápido contato de olhar acompanhado ou não de alguns elementos anteriormente negociados (sorriso, movimentos, por exemplo). Num outro exemplo que considera as trocas mãe-objeto-bebê, tanto a mãe como o bebê, de forma ajustada, rápida e suave, dirigem o olhar para um objeto, que é então oferecido pela mãe e imediatamente segurado pelo bebê.

É importante ressaltar que o modelo EEA embora tenha sido elaborado com base na investigação das trocas comunicativas entre mãe e bebê (em bebês com desenvolvimento típico), progressivamente, tem servido de orientação para estudos da comunicação entre mãe e bebê surdo (GRIZ, 2004), em díades mãe-bebê em que o mesmo tem o diagnóstico de síndrome de down (MELO, 2006) e também no estudo da relação professor-aluno (COSTA, 2005). Mais recentemente, o modelo EEA tem sido utilizado como referência para a compreensão da comunicação terapeuta-cliente em processos de psicoterapia breve

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(trabalho desenvolvido como tema de doutorado). Apesar disto, faz-se necessário esclarecer que, no presente estudo, o modelo EEA não foi utilizado com o objetivo de realizar uma transposição dos padrões de organização encontrados na comunicação mãe- bebê mas, de forma analógica, servindo como referência na compreensão do que seja um padrão de organização, por exemplo, do sistema de troca de ações entre os referidos parceiros.

Ainda destacamos em relação modelo EEA o conceito de dinâmica dialógica de recorte que serviu como norteador na análise dos eventos de troca de ações entre as crianças com diagnóstico de autismo e suas mães. Assim, tal conceito serviu para que o pesquisador na tarefa de identificar possíveis padrões de organização das trocas de ações entre os referidos parceiros pudesse ressaltar o modo como as crianças com diagnóstico de autismo e suas mães realizam suas atividades de recorte ou destaque de ações.

A partir da exposição das contribuições que o modelo EEA e a perspectiva histórico-relacional oferecem à investigação aqui desenvolvida iremos agora abordar algumas considerações sobre a relevância das trocas de ações para o desenvolvimento humano.

3.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DAS TROCAS DE AÇÕES NO