• Nenhum resultado encontrado

Autismo e as pesquisas sobre teoria da mente:

1.3. PRINCIPAIS ABORDAGENS SOBRE O AUTISMO:

1.3.3. Autismo e as pesquisas sobre teoria da mente:

Paralelamente à noção de déficit inato na capacidade de se relacionar afetivamente com os outros, proposta pelas teorias afetivas, alguns pesquisadores têm realizado estudos que apontam para alguns danos na capacidade, de indivíduos autistas, de atribuir estados mentais a outras pessoas e de predizer o comportamento das mesmas em função destas atribuições, ou seja, teoria da mente.

Com base no experimento proposto inicialmente por Wimmer e Perner (19831 apud BOSA, 2001)para investigar a compreensão das crianças a respeito das crenças dos outros, Baron-Cohen e colaboradores (BARON-COHEN; LESLIE; FRITH, 1985) elaboraram um experimento adapatado, o teste Sally-Ann, para investigar o possível comprometimento de crianças com autismo na habilidade de usar o contexto social para compreender o que outras pessoas pensam e acreditam. Na tarefa do experimento, uma boneca (Sally) coloca um brinquedo dentro de uma caixa e sai do ambiente em que a caixa se encontrava. Depois disso, outra boneca Ann tira o brinquedo de dentro da caixa em que Sally o havia deixado, colocando-o em outra caixa. A partir desta situação a criança é questionada em qual das caixas a boneca Sally irá procurar o brinquedo quando retornar à sala. Os resultados do estudo apontaram que crianças com autismo, quando comparadas com crianças com desenvolvimento normal e com deficiência mental, apresentaram dificuldades em perceber que Sally não teve a informação de que a boneca Ann teria tirado

1

WIMMER, H.; PERNER, J. Beliefs about beliefs: Representation and constraining function of wrong beliefs in young children‟s understanding of deception. Cognition, v. 13, p. 103-128, 1983.

o brinquedo de uma caixa e colocado em outra, e tenderam a responder que Sally procuraria o brinquedo na caixa em que Ann o havia colocado. Este mesmo resultado foi encontrado no estudo realizado por Ozonoff, Pennington e Rogers (1991). Tais autores destacaram diferenças nos comportamentos das crianças apenas em relação àquelas com níveis mais altos de funcionamento global e para aquelas com síndrome de Asperger, ou seja, que apresentam distúrbios significativos no aspecto do contato social, mas não apresentam atraso de linguagem ou no desenvolvimento cognitivo. Isto levou tais pesquisadores a concluírem que crianças com autismo apresentam um atraso ou desvio no desenvolvimento da capacidade de desenvolver uma teoria da mente. De acordo com Bosa e Callias (2000), embora as pesquisas que relacionam autismo e teoria da mente apresentem como grande valor heurístico o conhecimento dos mecanismos cognitivos envolvidos nessa síndrome, elas ainda não apresentam resposta para questões do tipo: a capacidade de levar em conta o contexto social para compreender o que outras pessoas pensam e acreditam está relacionada ao desenvolvimento do comportamento social? Como explicar o pequeno percentual de crianças que são aprovadas em testes de teoria da mente mas, mesmo assim, apresentam déficits sociais na sua vida cotidiana? Além disso, segundo as referidas autoras, também não se tem focalizado, em estudos sobre teoria da mente, a relação entre tal aspecto e o comportamento estereotipado característico dos autistas. (BOSA; CALLIAS, 2000).

1.3.4. As contribuições da Neuropsicologia para o estudo do autismo:

Outro aspecto do funcionamento de indivíduos autistas que tem sido amplamente investigado é aquele relacionado à capacidade de planejamento e desenvolvimento de estratégias para atingir metas, também denominada de função executiva. Segundo Bosa

39

(2001), essa habilidade que está ligada ao funcionamento dos lobos cerebrais frontais envolve flexibilidade de comportamento, integração de detalhes isolados num todo coerente e o manejo de diferentes fontes de informação, coordenados com o uso de conhecimento adquirido (KELLY; BORRILL; MADDELL, 1996).

A suposição de que indivíduos autistas apresentam déficits na função executiva foi levada em consideração após a constatação de que alguns comportamentos destes indivíduos tais como, inflexibilidade, perseveração e primazia do detalhe eram semelhantes àqueles observados em indivíduos com disfunção cortical pré-frontal. Tal suposição foi comprovada por estudos com indivíduos autistas onde foram avaliados os seus desempenhos em testes elaborados para mensurar as funções executivas (HUGHES; RUSSEL, 1993; MCEVOY; ROGERS; PENNINGTON, 1993). Na investigação de Hughes e Russel (1993), o grupo de crianças autistas apresentou um déficit maior na capacidade de planejamento para atingir uma meta quando comparado com o grupo controle formado por crianças com diagnóstico de retardo mental. No experimento a partir do qual tais conclusões foram elaboradas, os participantes deveriam aprender a obter doces dentro de uma caixa, escolhendo uma dentre duas caixas que lhe eram apresentadas. O objetivo era observar tanto as crianças autistas como as crianças do grupo controle em relação ao aprendizado da estratégia que conduziria à obtenção dos doces. No caso das crianças autistas, 70% delas (em relação a 23% das crianças do grupo controle) não conseguiram aprender a forma correta para obter os doces, apresentando uma perseveração em desenvolver a estratégia incorreta para obtê-los. No estudo de McEvoy, Rogers e Pennington (1993) um resultado semelhante foi encontrado quando foi avaliada a função executiva em crianças autistas e dois grupos controle (crianças com atrasos no desenvolvimento e crianças com desenvolvimento típico). Na tarefa de “reversão espacial”, as crianças dos grupos investigados eram colocadas diante de dois copos virados com a

boca para baixo e em um deles seria escondido, sem que elas visualizassem, uma recompensa (doces). As crianças deveriam então descobrir em qual dos copos os doces estavam escondidos. Uma vez que elas encontrassem os doces embaixo de um dos copos o local onde os doces seriam escondidos, na próxima tentativa, seria modificado de um copo para o outro. Os resultados apontaram que as crianças autistas, em relação aos grupos controle, permaneciam insistindo em procurar os doces embaixo de um dos copos mesmo quando os doces não eram encontrados.

A partir deste estudo McEvoy, Rogers e Pennington (1993) propuseram que os déficits no lobo pré-frontal em indivíduos com diagnóstico de autismo poderiam representar um dos principais fatores que causaria os prejuízos apresentados pela síndrome. Apesar disto, eles deixaram claro que não acreditavam na suposição de que tais déficits fossem a única causa do autismo e por isso sugeriram outras pesquisas que relacionassem a função executiva e os mecanismos neurológicos a ela subjacentes.

Como destaca Bosa e Callias (2000), embora não seja possível negar a contribuição dos déficits na função executiva no autismo, algumas investigações apontam que problemas nesta área são encontrados em outras patologias como no Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH. Neste sentido, tais resultados repercutem negativamente em relação à assunção de que o déficit na função executiva seria primário no autismo.

Ao explorar as contribuições das diversas abordagens que se dedicam à investigar o autismo, percebe-se que apesar da expansão nas pesquisas acerca dos diversos aspectos que se apresentam comprometidos neste transtorno, tais como, aspectos sociais e cognitivos, não é possível elaborar uma única explicação sobre a sua etiologia. Bosa e Callias (2000) sugerem que as dificuldades em torno da elaboração da etiologia do autismo se devem, entre outras razões, ao fato de que os resultados apresentados pelas diversas investigações, nas mais diversas áreas, não conseguem envolver todas as possibilidades de

41

diferenças individuais observadas ao longo do espectro autista. Além disso, as teorizações sobre o autismo enfrentam uma polêmica que está relacionada à natureza dos possíveis fatores que, prioritariamente, causariam este transtorno (afetivo, biológico ou cognitivo). Mesmo que alguns teóricos reconheçam que há uma interação entre os aspectos afetivo, cognitivo e biológico na etiologia do transtorno autista, este reconhecimento ainda não tem se traduzido em estudos que busquem integrar os resultados apresentados por diferentes áreas com o objetivo de compreender como os referidos aspectos interagem para fazer emergir o perfil de comportamento, tão específico, dos indivíduos autistas.

Tendo em vista tais considerações, o presente estudo situa sua contribuição para a área dos estudos sobre autismo trilhando um caminho de pesquisa diferente daquele tradicionalmente observado nas investigações nesta área. Neste sentido, a proposta aqui apresentada pretende focalizar a compreensão das competências de indivíduos autistas ao invés de destacar as suas deficiências. As contribuições de estudos que focalizem as competências de indivíduos autistas são apontadas nas palavras de Bosa e Callias (2000):

“São necessários mais estudos que investiguem não somente as deficiências mas também as competências sociais destes indivíduos. Pensa-se que o conhecimento acerca dessas diferenças possa ter implicações para a identificação precoce da síndrome, visto que as crianças mais „competentes‟ são as que mais demoram a receber tal diagnóstico.” (BOSA; CALLIAS, 2000, p. 12).

Neste sentido, a investigação proposta neste trabalho pretendeu explorar a existência de possíveis padrões das trocas de ações entre crianças com diagnóstico de autismo e suas mães. Além disso, como objetivo específico pretendeu-se discernir os elementos que caracterizam os possíveis padrões de organização nas trocas entre crianças com diagnóstico de autismo e suas mães. A identificação de tais padrões busca se integrar àqueles estudos que seguem a proposta de explorar as potencialidades de indivíduos

autistas, nas mais diversas áreas [um exemplo nesta direção é o estudo de Rêgo (2006) que busca compreender a linguagem de crianças autistas].

Uma vez que o tema de interesse desta investigação são as trocas de ações entre crianças autistas e suas mães, faz-se necessário um levantamento dos estudos, apontados pela literatura na área, que contemplem este tema. Este levantamento será feito no item seguinte e buscará focalizar, entre outras coisas, os resultados mais significativos sobre as características das trocas de ações estabelecidas entre crianças com diagnóstico de autismo e seus parceiros sociais. Também serão colocados em destaque alguns aspectos das trocas sociais no autismo que têm sido amplamente investigados tais como, atenção partilhada (ou joint attention), imitação e o comportamento verbal e não-verbal. Por fim, serão abordadas as escolhas metodológicas utilizadas por pesquisas que se dedicam ao estudo das trocas sociais no autismo. Com isto buscamos situar a contribuição deste trabalho no que diz respeito às opções metodológicas que podem favorecer um olhar mais detalhado e minucioso sobre a dinâmica que caracteriza as trocas sociais entre crianças com diagnóstico de autismo e seus parceiros sociais.