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CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DAS TROCAS DE AÇÕES NO DESENVOLVIMENTO HUMANO:

3. A PERSPECTIVA HISTÓRICO-RELACIONAL E O MODELO E-E-A DE COMUNICAÇÃO:

3.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DAS TROCAS DE AÇÕES NO DESENVOLVIMENTO HUMANO:

Duas tendências existem na literatura sobre o desenvolvimento humano nos dias atuais. Uma primeira, filiada aos progressos recentes nas pesquisas na área da Neurologia advoga que aspectos relacionados ao funcionamento cerebral e estruturas a ele relacionadas é a causa e explicação tanto para características desenvolvimentistas, tal como

a descoberta dos neurônios espelho e o surgimento da imitação e da empatia (BRÄTEN; TREVARTHEN, 2007), como para os distúrbios e desvios do desenvolvimento, particularmente no presente caso, as bases biológicas-funcionais dos déficits existentes no autismo.

Uma outra tendência ressalta o caráter semiótico e cultural do ambiente humano e a sua inserção na linguagem. Nesta tendência estão incluídas as abordagens a partir de uma perspectiva sóciogenética, que reconhecem, de maneira marcante, o papel do meio sócio- cultural e da linguagem na construção das aquisições do desenvolvimento (MARKOVÁ, 2003; VYGOSTKY, 1984).

Filiada a esta última tendência, a posição aqui assumida focaliza o papel constitutivo das trocas de ações entre parceiros sociais e advoga em prol deste poder de acordo com o seguinte raciocínio (argumento). Dois parâmetros precisam ser considerados. O primeiro diz respeito a tratar o fenômeno como relações, em oposição à indivíduos isolados que se coordenam. Mais ainda, considerar que as relações que se modificam em um tempo irreversível criam novas características a partir das trocas que ocorrem ao longo do tempo (FOGEL, et al., 2006; LYRA, 1997; VALSINER, 2003). Esta é uma perspectiva partilhada por todos os sistemas vivos e alguns sistemas físico-químicos (SMITH; THELEN, 2003).

O segundo parâmetro se refere às características do sistema de relações que é particular às trocas entre parceiros sociais humanos. Que especificidades têm essas trocas? Assumimos aqui a perspectiva de que o ser humano nasce inserido no diálogo com seus co-específicos. O que isto significa? Significa que, se de uma parte, herdamos mecanismos neurobiológicos, por exemplo, os neurônios-espelho que nos sugerem bases para explicar características das trocas sociais tais como a imitação, simpatia, empatia, e, também, aspectos sobretudo de cunho afetivo-emocional da intersubjetividade entre parceiros

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sociais (STERN, 2007),de outra, funcionamos em um mundo semiótico tendo a linguagem como a sua maior criação.

Todavia, se hoje como adultos semioticamente constituídos, torna-se difícil imaginar a existência anterior a esta nossa constituição semiótica esta, talvez, seja a situação tanto do bebê no início da vida como de indivíduos portadores de déficits sócio- lingüísticos, como ocorre no autismo. Assim, a nossa posição como investigadores é a de procurar discernir como se dá a entrada neste mundo semiótico (no caso do bebê) e, em nosso caso, como novas trajetórias podem ser traçadas a partir do papel constitutivo das relações que guardam possibilidades de apresentarem algumas características do diálogo; ou seja, traçar a constituição do sujeito embebido em um sistema de relações que cria atividades partilhadas. Estas que irão servir de base, como troca de ações ou práticas dialógicas (ver LYRA; BERTAU, 2008), e que nos abrem uma janela para um diálogo semiótico interno entre parceiros.

É importante ressaltar que o indivíduo autista tem, justamente, esta dificuldade, ou seja, a de internalizar trocas semióticas que possibilitam reconhecer os parceiros como distinto dele mesmo, como também, reconhecer a intenção do parceiro. Existe toda uma linha de argumentação de que o autista teria um déficit relacionado aos neurônios espelho (OBERMAN et al., 2005; WILLIAMS et al., 2001). Todavia o que argumentamos é que talvez explorar as trocas com os parceiros sociais pode contribuir para desvendar caminhos alternativos para o autista.

Façamos então uma analogia como o início da vida. Assumimos que na base da constituição semiótico-linguística do sujeito humano está a troca dialógica. Considerando o início da vida, esta constituição ocorre nas trocas de ações do bebê com sua mãe (ou parceiro adulto), que, concebidas como diálogo, levam o bebê a ter suas ações interpretadas por ela a partir dos dispositivos culturais e semióticos de que a mesma dispõe

(e é constituída por), que foram construídos ao longo da história cultural da qual a mãe participa. Retornando a perspectiva sobre o poder constitutivo das relações, perguntamos então: de que maneira o bebê começa a tomar parte deste mundo do qual sua mãe já participa e que pouco a pouco ela começa a apresentá-lo? O que ocorre com o bebê pode ser sumarizado nas palavras de Lyra (no prelo):

“(...) o bebê não está cumprindo nem um plano pré-concebido por Deus, nem pelos genes. Além disso, o bebê também não está simplesmente funcionado a partir de um treinamento ou infusão no meio semiótico oferecido pelo seu ambiente cultural. O fato real e concreto que existe para ser observado por um cientista é o desenvolvimento de práticas dialógicas composto das trocas diádicas de ações entre o bebê e seu cuidador.”2 (LYRA, no prelo).

O que fica destacado no fragmento de texto acima é que os limites e possibilidades culturalmente construídos (espaço físico, normas, valores, etc.) não são integrados ao bebê, nem pelo desdobramento de uma programação forjada pela sua herança genética, nem pelo simples fato de estar envolvido num ambiente “infestado” pelos signos (como diria VALSINER, 1998). Os limites e possibilidades construídos culturalmente são disponibilizados ao bebê na medida em que estes são integrados ao sistema de comunicação e passam a co-atuar nas trocas estabelecidas entre o bebê e sua mãe.

Retornando, então à criança autista, esta perspectiva sobre o início da vida nos permite pensar nas possibilidades que as trocas diádicas, entre tal criança e seus parceiros, criam para que a mesma tenha condição de ir tomando parte do universo semiótico no qual está inserida. Considerando que tais possibilidades ainda não são tão claramente apontadas na área do autismo como nos estudos sobre as trocas mãe-bebê no início da vida (LYRA, 2006, 2007; LYRA; BERTAU, 2008), no presente estudo, pretendemos, ao explorar como as trocas de ações entre crianças com diagnóstico de autismo e suas mães, contribuir para buscar indícios de possíveis caminhos de como tais trocas, concebidas como práticas

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dialógicas permitem que a criança autista vá se constituindo em relação à dimensão semitótico-lingüística.

Assim, partindo das considerações realizadas nos três primeiros capítulos deste estudo – questões sobre o autismo e as teorias que fundamentaram a presente pesquisa, ou seja, a perspectiva dos sistemas dinâmicos, a perspectiva histórico-relacional e o modelo E- E-A de comunicação no início da vida e as considerações sobre a relevância das trocas de ações para o desenvolvimento humano – o capítulo seguinte tratará de aspectos específicos acerca do presente trabalho, tais como, objetivo do estudo, os delineamentos metodológicos e a as etapas da análise dos dados que foram aqui realizadas.