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MICROGENÉTICA: CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DAS TROCAS DE AÇÕES NO AUTISMO.

C: A criança permanece olhando para a mãe enquanto esta lhe faz a pergunta, mas em seguida a criança abaixa a vista e interrompe o contato de olhar com sua mãe.

6.2. Possibilidades de pesquisas futuras:

A partir das conclusões acima apresentadas, sugerimos que a investigação das trocas de ações em crianças com diagnóstico de autismo a partir de um olhar sistêmico e também do destaque para o estudo da relação que é construída por tais crianças e seus parceiros sociais podem oferecer informações ainda pouco exploradas sobre o como ocorre o engajamento entre estes parceiros. Mesmo que já seja possível identificar na literatura algumas iniciativas que apontem as vantagens de abordar o autismo a partir da teoria dos sistemas dinâmicos ainda são escassos os trabalhos que oferecem ferramentas

metodológicas para a análise de dados empíricos de indivíduos autistas sob esta perspectiva.

Neste sentido, consideramos como opções metodológicas compatíveis com a referida perspectiva, a utilização de análises microgenéticas e associada a estas a utilização de estudos de casos na investigação das trocas de ações em crianças com diagnóstico de autismo. Embora a integração destas duas opções demande do pesquisador uma preocupação em relação ao tempo de coleta dos dados e também da análise dos mesmos, sugerimos que a realização de sucessivos estudos de casos (a partir de uma abordagem microgenética) das trocas de ações em crianças com diagnóstico de autismo pode apontar para um espectro de possíveis padrões de organização exibidos por estas trocas. Assim, cada estudo de caso pode apontar para outras sugestões em relação a que aspectos das trocas de ações em relação às crianças com diagnóstico de autismo parecem ser mais marcantes e guardam maiores possibilidades de desenvolvimento. Por exemplo, no caso do presente estudo, os caminhos que pareceram oferecer tais possibilidades foram através da exploração do objeto, para uma díade, e através de trocas com um caráter afetivo- emocional, para a outra.

A partir de tal sugestão e considerando a grande variabilidade comportamental apresentada pelos indivíduos com diagnóstico de autismo, novos estudos de casos e a análise microgenética dos mesmos poderiam contemplar outros subgrupos dentro do espectro do autismo, como opção para ir construindo um espectro de possíveis padrões de organização das trocas entre os indivíduos autistas e seus parceiros sociais. Neste sentido, sugerimos estudos de casos dos chamados autistas de alto desempenho (onde o aspecto cognitivo não parece estar comprometido). Ou então, estudos de casos de crianças com diagnóstico de autismo que, diferentes das que foram aqui selecionadas, apresentariam diferentes graus de produção da linguagem, como, por exemplo, apresentando palavras

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e/ou frases completas. Chamamos a atenção aqui para o aspecto da linguagem em função dos resultados que estudos entre diferentes grupos de crianças com autismo apresentam de que o nível de desenvolvimento da linguagem pode contribuir para o desenvolvimento de algumas habilidades sociais apresentadas por tais crianças (ver, por exemplo, WARREYN; ROEYERS; DE GROOTE, 2005; WILLEMSEN-SWINKELS et al., 1998). Numa investigação que considerasse este aspecto da linguagem, a partir de uma perspectiva sistêmica, poderiam estar sendo focalizados, nos estudos dos casos, os padrões de organização das trocas de ações que emergiria da auto-organização de um sistema que levaria em conta este novo elemento, qual seja, a “presença da linguagem verbal” (considerada a partir do parâmetro da pronuncia de palavras e frases, por exemplo). Desse modo, poderiam estar sendo analisadas que aspectos dos possíveis padrões que emergissem (que poderiam ter ou não relação com a linguagem) apresentariam caminhos que permitisse a expressão de habilidades sociais mais desenvolvidas por parte das crianças.

Entretanto, defendemos que a auto-organização do sistema de troca de ações pode ser transformada não só pelos aspectos que dizem respeito aos déficits da criança com diagnóstico de autismo, mas também, aspectos relacionados aos seus parceiros sociais e/ou ao contexto em que as trocas ocorrem.

Neste sentido, com relação aos parceiros sociais que poderiam ser explorados em investigações das trocas de ações com crianças com diagnóstico de autismo, sugerimos a realização de estudos cujos parceiros das crianças seriam os terapeutas que realizassem o acompanhamento psicológico das mesmas. A contribuição de investigações que focalizassem a relação criança-terapeuta estaria na possibilidade de identificar, através de análises microgenéticas, possíveis padrões de organização que emergissem das trocas de ações entre tais parceiros, neste contexto específico e que também exibissem possibilidades para desdobramento de tais trocas. Além disso, pensando na realização um estudo de casos

com um delineamento longitudinal (desde o início do tratamento), uma sugestão de pesquisa seria a investigação das transformações que os possíveis padrões identificados nas trocas de ações entre criança e terapeuta poderiam apresentar com o curso da psicoterapia. Os resultados de um trabalho de investigação com estes objetivos poderiam auxiliar na orientação de psicólogos a respeito da contribuição que dois aspectos teriam para favorecer o desenvolvimento no modo como crianças com diagnóstico de autismo estabelecem e mantém trocas de ações com as pessoas: 1) o contexto no qual o processo psicoterapêutico ocorre e 2) a relação criança-terapeuta, ao longo do tempo de tratamento.

Além do terapeuta poderiam ser investigados também os possíveis padrões de organização que surgem da auto-organização das trocas de ações entre crianças com diagnóstico de autismo e outras crianças. Neste caso, dois caminhos de pesquisa poderiam ser seguidos: 1) o estudo das trocas de ações entre crianças com autismo e 2) o estudo das trocas de ações entre crianças com diagnóstico de autismo e outras crianças (com desenvolvimento típico). Talvez os resultados pudessem oferecer contribuições para a discussão, bastante atual, em relação à escolarização de crianças autistas, se as mesmas devem participar de turmas regulares (com outras crianças com o desenvolvimento típico, mas que tenham um nível de desenvolvimento compatível com o das crianças autistas) ou se a melhor opção seria que elas participassem de turmas especiais com outras crianças com diagnóstico de autismo ou com outros transtornos de desenvolvimento. Os resultados de um estudo sobre os padrões de organização das trocas de ações entre tais crianças poderiam favorecer uma mudança no foco da discussão acima mencionada. Ao invés de com quem as crianças com autismo devem se relacionar no ambiente escolar (para favorecer o seu desenvolvimento), o foco seria como desenvolver atividades que possam contribuir para que aqueles aspectos que podem guardar possibilidades de

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desenvolvimento para o contato entre as crianças possam emergir nas trocas de ações entre elas.

Todas estas sugestões de pesquisa a partir de uma visão sistêmica e relacional das trocas de ações no autismo podem, pela própria natureza da proposta de investigação (minuciosa e, em alguns casos, prolongada), fazer parte de um projeto de pesquisa mais amplo, desenvolvido ao longo de toda uma trajetória acadêmica. Sem dúvida, parto da compreensão adquirida neste trabalho na direção de compartilhar o modo de olhar o autismo, aqui defendido, com outros interlocutores tanto no âmbito da Psicologia como fora dela. Este movimento de abertura ao diálogo pretende, seja através da investigação sistemática, seja através dos conhecimentos adquiridos, por exemplo, na prática clínica com indivíduos com diagnóstico de autismo, buscar evidências de possibilidades para o desenvolvimento de tais indivíduos em relação à qualidade do contato que os mesmos estabelecem com as pessoas.

Para finalizar, gostaria de ressaltar através das palavras de Clarice Lispector aquilo que para mim, neste momento de finalização da tese, parece representar um dos sentimentos que a pesquisa científica faz emergir no pesquisador, naquele que se coloca na posição de, em muitos momentos, “não entender”:

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.”