• Nenhum resultado encontrado

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

5 DESCRIÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO FAIR-PLAY

5.2 APLICAÇÃO DO FAIR PLAY FINANCEIRO NA EUROPA

Depois da entrada em vigor do FPF e sua regulamentação, as despesas dos clubes europeus tiveram uma redução acentuada pelo fato da UEFA não aceitar indisciplinas financeiras nos clubes. Pela primeira vez desde que os registros começaram em 2006, o crescimento das receitas (6,9%) foi superior ao crescimento dos salários (6,5%). Além disso, as dívidas pendentes em 2011 (valores devidos a outros clubes, a jogadores e impostos) diminuiu de 57 milhões euros para 9 milhões euros no verão de 2013, após uma série de

sanções aplicadas aos clubes que violaram essas regras. Os 9 milhões euros existentes em dívidas em junho de 2013 representam uma diminuição de 70% em relação ao 30 milhões euros registrados em 2012 (UEFA, 2013c).

A UEFA aceita que os clubes tenham “boas dívidas”, ou seja, aquelas que são transformadas em investimentos. Para Drut (2013, p.90):

Somente as receitas e as despesas ligadas às operações futebolísticas serão tomadas em conta pelo FPF. Estarão excluídas do cálculo receita/despesa as despesas feitas no setor de formação (centro de formação de jovens atletas e categorias de base), as ligadas ao desenvolvimento das coletividades locais e as despesas financeiras atribuídas a investimentos em construção e/ou melhorias nos estádios. (Tradução nossa). Isso significa que o FPF busca acabar com os déficits (relação receita x despesa) e não as dívidas (empréstimos) dos clubes. As dividas, segundo o autor, não desaparecerão do futebol europeu.

A literatura sobre economia do esporte comprova que os resultados esportivos estão diretamente relacionados às despesas salariais, chamada massa salarial. Kuypers e Szymanski (1999) verificaram uma correlação entre as despesas salariais nos clubes ingleses e nas posições alcançadas nos campeonatos no período de 1978 a 1996. Em média, quanto maior a massa salarial de um clube em relação aos outros, melhor é a sua classificação no final da temporada. O autor francês Bastien Drut usa o termo “teoria da eficiência dos salários” para mostrar que a produtividade coletiva dos jogadores ocorre em função crescente dos

salários (DRUT, 2011, p.73).

Como comprovação desta teoria, o relatório 2013/2014 (LFP/DNCG, 2014a, p.49-50) da Liga 1 francesa mostra, num de seus itens, a relação “orçamento x classificação” no campeonato. Na temporada 13/14 na França, o vencedor foi o PSG que tinha o maior orçamento, seguido pelo AS Monaco que tinha o segundo orçamento. O terceiro colocado foi o Lille que tinha o quinto orçamento. Os sete primeiros colocados tinham os sete maiores orçamentos.

Em relação a massa salarial o mesmo fenômeno foi confirmado. Os clubes com a maior remuneração dos seus jogadores (PSG, AS Monaco, Lille) conseguiram obter mais pontos no campeonato, consolidando a metodologia dos autores ingleses. O estudo se aprofunda ao ponto de mostrar, no campeonato Francês, a dispersão de pontos em função da massa salarial, assim como os riscos esportivos (queda de divisão) em relação ao salário dos atletas.

A UEFA está ciente destes indicadores financeiros, já que estas distorções ocorrem em todos os campeonatos, principalmente nos das ligas mais importantes, as “big five”. Nas competições europeias ocorre a mesma coisa. Os clubes mais ricos têm condições para permanecer por mais tempo nas competições, além de ganhar mais prêmios em dinheiro. Tais clubes conseguem captar um montante maior de recursos da televisão e de patrocinadores tendo, desta forma, condições para investir em melhores jogadores. Assim, os clubes mais ricos estarão sempre nas melhores posições, além de participarem das competições mais relevantes do continente, a Liga dos campeões.

Estas disparidades ocorrem, primeiramente, nos campeonatos nacionais. A English Premier League -

EPL, por exemplo, consegue atrair patrocinadores que investem muito mais no seu campeonato que nos outros. Para ela a maior fonte de receita são os direitos audiovisuais (direitos de TV). A EPL é a liga de futebol mais popular do mundo, transmitida por oitenta redes de televisão em duzentos e doze países (BARCLAYS PREMIER LEAGUE, 2015c). Esta diferença de receitas distribuídas aos clubes pelas Ligas mostra que, já nos campeonatos locais, há um abismo entre os clubes que participarão nas disputas europeias, ou seja, nas competições UEFA. Os clubes ingleses por terem mais receitas internas têm as melhores equipes1, pois podem

se beneficiar dos melhores jogadores.

O Quadro 43 mostra, num estudo feito pela Liga Profissional de Futebol francesa (2013), a disparidade de receitas oriundas das Ligas. O 1º colocado na Liga francesa (o PSG) ganhou o equivalente a 44 milhões de euros na temporada 2013-14 e o último colocado na Liga inglesa (o Cardiff City) ganhou 77 milhões de euros, quase o dobro.

1 Os valores dos contratos para a retransmissão do campeonato inglês atingiram as seguintes cifras: temporada 2011/13: 1,77 bi£ - 2014/16: 3,0 bi£ - 2017/19 (previsão) 4.4 bi£. (1€ = 0,7084£) (BBC, 2015).

Quadro 43 - Recursos repassados pelas Ligas referentes

aos Direitos de TV. Comparações: 1º - 10º e últimos colocados (temporada 2013-14).

Fonte: Tradução e adaptação pelo autor de Le Decrochage (UCPF,

2014, p.23).

Os valores dos direitos de TV são distribuídos coletivamente segundo o critério da EPL2. O Quadro 44 mostra, em nível europeu, o quanto cada equipe arrecadou com a televisão nos seus campeonatos nacionais. Os clubes Barcelona e Real Madrid, na Espanha negociam, individualmente os direitos de TV de suas equipes, fazendo frente ao poder de barganha que os ingleses têm em relação a arrecadação de recursos de TV. Os demais clubes, mesmo os da liga Bundesliga alemã não arrecadam tanto como os clubes ingleses.

2 A divisão dos valores segue o seguinte critério: 1) 50% divididos igualmente entre os clubes, 2) 25% concedido aos clubes com base em sua posição final no campeonato, 3) 25% distribuídos aos clubes com maior audiência (BBC, 2015).

Quadro 44 - Repartição dos direitos de TV de todos os

clubes das Ligas “big five” na temporada 2013-2014.

Fonte: Jornal AS, Espanha, (SPORTNET, 2014).

Esta diferença financeira entre os clubes ingleses e os das demais Ligas se acentuam ainda mais com os outros patrocinadores individuais de cada clube. Como a UEFA conseguirá atingir seu objetivo de equilibrar as competições e as finanças dos clubes com tamanha disparidade de receitas entre Ligas? Como conseguirá reduzir o endividamento a fim de que o futebol não tenha sobressaltos financeiros com clubes falindo durante suas competições?

Desde 2009 a UEFA vem colocando em prática seu sistema de FPF aprovado por unanimidade pelo seu Comitê executivo. Com seus objetivos citados no art. 2 item 2, as Regras do FPF refletem a preocupação da UEFA com a perenização do esporte naquele continente. A entidade através do monitoramento feito pelo CFCB, já teve um verdadeiro impacto. Em 2011, 237 clubes em competições da UEFA foram auditados em seus atrasos

de pagamentos entre junho e setembro, onde dez clubes foram encaminhados para a Instância de Controle e Disciplina e três foram excluídos da Liga dos Campeões em andamento. Em 2012, 237 clubes foram auditados no final de junho. Houve uma redução de 47% das dívidas com empregados, impostos sobre os salários e taxas de transferências comparadas a 30 de junho de 2011 e 36 milhões de euros foram pagos pelos clubes nas duas semanas antes da apresentação de documentos para a UEFA (2012f).

O FPF é contestado por alguns clubes, por pesquisadores e interessados nos recursos gerados pelo futebol. Muitos alegam que a regulamentação vai contra a livre concorrência pregada na União Europeia (PEETERS; SZYMANSKI, 2014), assim como alguns clubes de grande porte, com recursos ilimitados, não estão predispostos em passar por auditorias para atender os dispositivos impostos pela UEFA. Além disso, há um processo na Corte de Justiça europeia de agentes de jogadores questionando o FPF alegando que, com as restrições impostas aos clubes, há uma redução de ganhos com as transferências de atletas e uma consequente redução no ganho dos agentes dos jogadores (LE TEMPS, 2014). Alegam que a regra do ponto de equilíbrio (break-even) é contrária as disposições da União europeia pois infringe as competições uma restrição ao livre movimento de capital, trabalhadores e serviço, coibindo a livre concorrência (PEETERS; SZYMANSKI, 2014).

O FPF tenta introduzir o que alguns autores chamam de equilíbrio competitivo ou “competitive balance” (DERMIT-RICHARD, 2012; FRANCK, 2014) que significa, na prática, a tentativa de equilibrar as disputas esportivas através de uma melhor utilização dos recursos financeiros pelos clubes.

O equilíbrio competitivo é uma medida de intensidade da rivalidade esportiva que se presume ser medida a partir da distribuição final dos pontos obtidos. O pressuposto implícito é que uma pequena diferença de pontos entre as equipes é um sinal, “a posteriori”, de um forte nível de intensidade competitiva. A ideia historicamente apresentada é que a manutenção de um elevado nível de rivalidade competitiva garantirá uma atratividade durável para o espetáculo proposto (GAYANT; LE PAPE, 2014)

O equilíbrio competitivo via regulação de investimentos na aquisição de atletas é contestado por clubes com proprietários bilionários como o PSG na França e o Manchester City na Inglaterra que podem investir ilimitadamente. Pesquisadores como Franck (2010) e Sass (2012) alegam que o FPF não equilibra as competições, pois os clubes de grande porte sempre investirão mais que os pequenos baseados nas suas maiores receitas oriundas de uma melhor visualização e participação em melhores competições.

Para Petit (2014, p.2) o FPF matará o futebol business. O autor afirma que:

Em primeiro lugar, porque vários estudos econômicos relatam que a regra do break even irá distorcer a concorrência dando origem a uma "ossificação" da estrutura do mercado. Em palavras simples, a regra do break even congela posições financeiras existentes dos clubes. Como resultado, aos "grandes" clubes - aqueles com atualmente a maior receita - são dadas uma vantagem incomparável sobre os "pequenos" clubes - aqueles com atualmente as menores receitas - porque este último não poderá mais usar dívida para fazer investimentos semelhantes aos clubes maiores. Com isso, o que o FPF

promove é o surgimento de um “oligapolio" (oligopoleague) dos grandes clubes ricos dentro das competições UEFA. Os clubes poderão desfrutar de uma primordial posição no mercado de entrada (a montante) para a compra de jogadores. E isso provavelmente irá produzir uma cascata de "efeitos colaterais" anticompetitivos sobre mercados "secundários" (a jusante) - bilhetes, subscrições e merchandising comprados pelos adeptos, fãs e outros, patrocínio, TV direitos, direitos de telefonia móvel, os direitos de Internet, etc. (tradução nossa). As críticas à regulamentação da UEFA ganharam força quando a consultoria Deloitte publicou, em 2011 seu rapport anual e mostrou o distanciamento financeiro entre os 10 maiores clubes europeus, formando uma espécie de oligopólio sobre as competições da UEFA (Figura 3). Este movimento financeiro acentuado ameaça a estabilidade financeira e distorce o equilíbrio competitivo não somente entre clubes mas também entre ligas (VÖPEL, 2011).

Com todas estas discrepâncias entre clubes e ligas é imperativa a necessidade de uma regulamentação em escala europeia, pois com estas diferenças financeiras e econômicas o abismo entre clubes está aumentando e tornando o futebol cada vez mais elitizado e “propriedade” das equipes com maior poder de barganha e recursos e dos países mais importantes da Europa. A aplicação do FPF seguiu, inicialmente, de acordo com as proposições que a UEFA desejava.

Os argumentos apresentados na descrição da aplicação do FPF revelam que os clubes europeus conseguiram reduzir as suas despesas, pelo fato da UEFA não aceitar indisciplinas financeiras nos clubes.

Na sequência, é feita a análise da aplicação do fair play financeiro na Europa.

Figura 3 - Receitas dos 10 maiores clubes europeus

temporada 2009-2010.

5.3 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO FAIR PLAY