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Todo indivíduo de forma lícita tem o direito de se utilizar da sua liberdade privada para contratar, porém, desde que não cometa dolo ou violência contra a outra parte ou contra terceiros. Neste contexto, entende-se que existe uma obrigação tanto na conclusão do contrato, como em sua execução, de acordo com os princípios de probidade e boa-fé, nos termos do artigo 422 do Código Civil, pelo qual: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (BRASIL, 2002).

Forgioni (2010) discorre que toda pessoa pode, no ajuste do preço, tirar vantagem, desde que essa seja estipulada com franqueza e boa-fé. A boa razão impede que haja abuso de autoridade ou de qualquer outra capacidade humana e social, principalmente, nas transações do comércio; em virtude de serem aceleradas e decisivas, acredita-se na boa-fé do vendedor, supondo-se que ele determine um preço razoável e comum.

Entretanto, em muitos casos uma das partes é mais astuta nos negócios firmados, podendo gerar lesão a outra parte, o que é inadmissível nos contratos, independente do motivo que for cometida, conforme estabelece o Código Civil (art. 157 §§ 1º e 2º) como segue:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito (BRASIL, 2002).

Pereira (2007) entende que referida lesão pode ser definida como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes. Já, Tepedino et. al., (2006) afirmam que a lesão é determinada a partir do momento em que é verificada e positivada, sendo necessária a presença de dois requisitos, um objetivo e o outro subjetivo. O requisito objetivo configura-se na desproporção das prestações estabelecidas no contrato, a partir de um parâmetro quantitativo (como no caso da lesão enorme, na qual, conforme as fontes romanas, o preço da venda era inferior à metade do que se considerava preço justo; ou a lesão enormíssima, em que a diferença em prejuízo do

vendedor era de mais de dois terços do preço justo); ou como no sistema do Código Civil, que se apresenta como um conceito aberto, exigindo tão somente que as prestações sejam desproporcionais, segundo a valoração da autoridade; Pereira (2007) esclarece que o requisito objetivo é aquele que se situa entendido assim, na desproporção evidente e anormal das prestações, quando uma das partes ganha ou tem possibilidade de ganhar, um lucro bem maior do que a prestação que pagou ou prometeu. Por sua vez, o requisito subjetivo é aquele que a doutrina chama dolo de aproveitamento, qualificado, no que diz respeito à parte que causa a lesão, ou seja, no abuso do lesado.

Nessa linha de pensamento, Forgioni (2010) entende que o instituto da lesão não integra o sistema empresarial, pois considera a disposição constante do artigo 220 do Código Comercial revogado, segundo o qual: “a rescisão por lesão não tem lugar nas compras e vendas celebradas entre pessoas todas comerciantes; salvo provando-se erro, fraude ou simulação”, sendo que a reanimação do instituto da lesão no Código Civil/2002 (art. 157 §§ 1º e 2º) não pode ser empregada para aviltar o comércio jurídico pois o objetivo de referido instituto seria proteger a parte mais vulnerável, desprovida e inexperiente das relações contratuais, o que não seria o caso dos vínculos negociais entre empresários.

Do mesmo modo, Cardillo (2012) salienta que não se pode deixar de levar em consideração que a ação tradicional de concorrência implica na atuação livre de um grande número de competidores (sociedades e empresários) no mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura derivam de compradores ou de vendedores “cuja igualdade de condições os evite muitas vezes se influenciarem através de práticas compulsórias e abusivas, no preço dos bens e serviços” (SOUSA, 2009, p. 79). Nesta acepção, a alegação de lesão pode ser caracterizada como prática abusiva podendo sim, ter influência no preço dos produtos ou serviços. Por esse motivo, não deve ser aplicada no âmbito do direito empresarial, uma vez que a alegação de lesão nos negócios empresariais pode ser usada por empresas em más condições de operacionalidade financeira para se eximirem da seleção natural causada pela concorrência que, geralmente, visa a deixar as empresas mais eficientes. Assim, a concorrência, que pode ser considerada um fator na aplicação da lesão, cuja defesa pode ser usada como instrumento para um mercado transparente, saudável e leal, tornando viável o equilíbrio entre liberdade e proteção, não pode ser objeto para a aplicação do instituto da lesão aos contratos interempresariais.

Para Ribeiro (2006) entre as condutas relacionadas ao dever de diligência, está o de não praticar erros graves, distinguidos estes como procedimentos delatáveis, imperitos ou

imprudentes. Entretanto, entende-se que o agente econômico pode cometer erros em suas ações e previsões; e de acordo com Forgioni (2010, p. 91) essa possibilidade “é fundamental para o funcionamento do sistema de Direito comercial e não pode ser desprezada pela disciplina dos contratos empresariais”; os erros são previstos e até mesmo desejados pelo sistema jurídico, uma vez que, diferenciando os agentes, permitem o estabelecimento do jogo concorrencial.

Contudo, o que não deve acontecer é o descontrole da tutela do erro, pois, conforme Lupion (2011), a tutela dos interesses particulares dos agentes econômicos e das suas concretas expectativas de lucro colocaria em risco e poderia prejudicar o sistema de mercado no seu conjunto, uma vez que se houver o consentimento institucional em liberar os empresários dos seus compromissos contratuais só porque os mesmo reclamam que a operação originou os lucros objetivados, “resultariam revolucionados não só as expectativas de lucro alimentadas em relação à mesma operação, pela parte contrária, mas todo o sistema e a racional dinâmica das relações econômicas”. (LUPION, 2011, Pp.167).

Nessa linha de pensamento, ocorre, portanto que não basta apenas a constatação da lesão para suscitar uma reação do Direito em sua tutela, especialmente, no caso da possibilidade de anulação ou de revisão do negócio jurídico realizado entre empresas, a partir da aplicação do instituto da lesão, sob o argumento de que a operação do contra ente que por sua vez esperava lucros, mas lhe causou perdas, não pode ser suscitado, uma vez que se tem o princípio de que certo grau de risco é indissociável de qualquer contrato, como de qualquer iniciativa econômica, e que todo o contraente o deve assumir. Ainda, nessa perspectiva, também é o Enunciado nº 28 firmado na I Jornada de Direito Comercial (2012) do Conselho de Justiça Federal, pelo qual: “Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência”. (CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL, 2013).

Desse modo, não cabe a aplicação do instituto da lesão aos contratos interempresariais, e não se fala em inexperiência no momento de contratar, pois, segundo Garcia (2010) não se caracteriza o dolo de aproveitamento de maneira geral ou a exploração do lesado, pois se a situação de normalidade é a de que os empresários estão acostumados ao trato comercial, não haveria condição de inferioridade no momento da contratação, faltando o requisito subjetivo da lesão, que é o dolo de aproveitamento.

4.3 APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AOS