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Vamos estudar agora sobre a aplicação das penas alternativas em vários ângulos distintos. Primeiramente trataremos de sua aplicação no cenário internacional para, logo em seguida, traçarmos um roteiro de sua aplicação no Brasil para, por fim, traçarmos algumas linhas sobre como as penas restritivas de direito são aplicadas no estado do Ceará.

Quando tratamos do histórico das penas alternativas analisamos o começo de sua aplicação através do mundo e como a sua utilização aumentou exponencialmente após o surgimento das ideias humanitárias pós segunda guerra. Hoje é fato que as penas restritivas de

direito encontram-se positivadas no ordenamento jurídico da maior parte do globo.

No Japão, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América é amplamente utilizado o sistema da Probation, esse sistema consiste em espécie de liberdade assistida onde o condenado é fiscalizado pelo Estado que o auxilia com a finalidade de sua reintegração social. Normalmente a monitoração das atividades do beneficiário da pena alternativa se dá através de braceletes com rastreamento via GPS, e ele é auxiliado com programas sociais de educação e de colocação profissional.

Os Estados Unidos da América conta atualmente com uma população carcerária de mais de dois milhões de presos, a maior do planeta, dessa feita o uso de alternativas à prisão torna-se uma necessidade. O sistema da Probation acima mencionado tem sido uma das válvulas de escape para esse grave problema, no sistema norte americano existe a figura do oficial da condicional, uma pessoa idônea do corpo social que atua como tutor do apenado em condicional, dessa forma o oficial zela para que ele não cometa novos crimes e mantenha-se empregado.

No sistema jurídico português é digna de nota a pena de 'prisão por dias livres' onde o condenado deve se retirar para a instituição indicada onde terá restringida a sua liberdade por um período de 36 a 48 horas, podendo ser aproveitados os feriados contínuos aos finais de semana. Durante esse período de restrição o apenado patrício participará de cursos e de outras atividades educacionais.

No sistema australiano a aplicação das penas alternativas chega a patamares superiores ao 70% e tem como maior exponente a pena de multa, no país também é bastante aplicada a pena de prestação de serviços que é desenvolvida sob os cuidados de grupos comunitários, o que facilita a reinserção do apenado.51

Os exemplos acima mencionados são apenas pequenas amostras de uma realidade global evidente. Dados da Fundação Internacional Penal e Penitenciária, FIPP, revela que na Finlândia a pena alternativa é aplicada em 86% dos casos, na Austrália em 79%, na Inglaterra em 76% e no Canadá em 72%. Em todos esses países as penas alternativas são aplicadas de forma majoritária em detrimento da pena de prisão e em todos os casos com resultados excelentes.

O Brasil está seguindo esse mesmo paradigma e no próprio site do Ministério da Justiça52 podemos ver os números que já alcançamos. Os dados do ano de 2009 informam que 671.078 condenados estão cumprindo penas alternativas enquanto 473.626 encontram-se no reclusos no sistema carcerário. O mesmo estudo indica, ainda, que apenas em 13% das comarcas brasileiras existem serviços públicos de Penas e Medidas Alternativas, e que o índice de reincidência para o condenado que cumpre pena privativa de liberdade oscila entre 70% a 85%, enquanto o índice no que se refere aos cumpridores de penas alternativas está em um patamar entre 2% a 12%.

Ainda sobre a experiência brasileira com as penas alternativas é necessário perceber o quanto ainda o país deve percorrer. Segundo a cartilha FUNPEN em números 2009-2010 disponibilizada no site do Ministério da Justiça, dos 252 milhões de reais do dotação orçamentária do fundo penitenciário nacional para o exercício econômico de 2010, apenas cerca de 11 milhões, média de 4,4% do total, foi dotada para o “Apoio a serviços de acompanhamento da execução de penas e medidas alternativas”, sendo que apenas a quantia de R$219.585,00 foi efetivamente repassada aos Estados para cumprir esse objetivo.

Os números da Coordenação Geral do FUNPEN informam que dos gastos efetivados entre 1994 à 2007 apenas 1,2% foi dispendido com alternativas penais, enquanto a maioria esmagadora de 97,93% dos gastos foram com a criação de novas vagas carcerárias e a manutenção das já existentes.

52 http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ47E6462CITEMID38622B1FFD6142648AD402215F6598F2PTBRNN. htm acessado em 19 de maio de 2011.

Não é preciso ser economista para saber que como pouco mais de duzentos mil reais não se pode estruturar o apoio à execução das penas alternativas cuja utilização vem sendo cada vez mais ampliada. Para que as Penas Alternativas logrem êxito em seu objetivo é necessária a criação e estruturação de equipamentos e composição de equipe humana qualificada, capaz de monitorar e fiscalizar a execução das medidas alternativas, para que elas dessa formem alcem ao patamar de novo paradigma penal.

Apesar dos problemas mencionados muito já foi feito com o intuito de efetivação das medidas alternativas. Segundo o Ministério da Justiça existem atualmente no país 20 Varas de Execução de Penas Alternativas (VEPA) e 386 Centrais de Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas(CEAPA). Esses órgãos são dotados de equipes multidisciplinares, contando com advogados, assistentes sociais e psicólogos e, além de dar suporte ao apenado durante o cumprimento da reprimenda, também são responsáveis pelo gerenciamento da rede social, estrutura que envolve as entidades que receberão os apenados para o cumprimento do serviço à comunidade, entre outras atividades.

Cabe a essa equipe acompanhar todo o decorrer da pena alternativa executada. Sua primeira função já surge no início da execução da medida, quando a equipe fará um parecer psicossocial do beneficiário da pena alternativa, parecer este que orientará o juiz da execução da pena na implementação da medida mais adequada ao infrator. Em seguida a Central acompanhará a fiel execução da reprimenda, encaminhando o beneficiário a alguma entidade participante da rede social para cumprir o trabalho comunitário ou qualquer outra que seja a pena alternativa aplicada. Durante todo o cumprimento da medida o apenado será acompanhado dá equipe que lhe checará a frequência junto à entidade conveniada e, caso algo não esteja dando certo, estará apta a tomar a medida cabível. Ao término do cumprimento da medida o infrator reúne-se com a equipe multidisciplinar e eles realizam a entrevista final e o grupo de fechamento, que avaliará os resultados obtidos e encaminhará o beneficiário ao novo recomeço de sua vida.

Sobre o tema nos revela Claudia Maria de Freitas Chagas53:

“Pelo Brasil afora, onde se instalaram as centrais para a aplicação das alternativas penais, com o apoio do Ministério da Justiça, não faltam estórias emocionantes de pessoas que, pela primeira vez na vida, se sentiram úteis a sociedade, conseguiram empregos e, principalmente, encontraram o caminho para sua reinserção social.”

A mesma autora porém adverte:

“Deve, contudo a comunidade ser esclarecida e envolvida em tal processo, uma vez, que ao receber o infrator e colaborar no monitoramento da sanção, constatará que a pena alternativa não significa impunidade e que o cárcere não pode ser destinado a todo e qualquer condenado, de forma indiscriminada. É necessário construirmos uma rede eficaz e segura para o recebimento de tais pessoas, para que possam ser aplicadas a prestação de serviços comunitários e limitações de fim de semana, evitando, assim, a banalização do pagamento de cestas básicas.”

O Estado do Ceará foi o primeiro da República Federativa do Brasil a implementar uma Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas, isso em data de novembro de 1998. Instalada no Fórum Clóvis Bevilácqua essa Vara especializada possui toda uma equipe de psicólogos e assistentes sociais que auxiliam o apenado durante e após o cumprimento da medida alternativa.

Sobre o trabalha da equipe multidisciplinar da VEPA de Fortaleza, um de seus membros, o psicólogo Elton Alves Gurgel54 afirma:

“Cabe a estes profissionais, dentre outras atividades: avaliação psicossocial; acompanhamento e apoio ao cumprimento da pena ou medida; credenciamento de instituições parceiras; elaboração e execução de projetos; acompanhamento de dados estatísticos; e visitas domiciliares e às instituições. O trabalho do psicólogo, instituído de forma interdisciplinar, manterá, entretanto,

54 GURGEL, Elton Alves. Dependência Química: um desafio na execução de penas alternativas em

particularidades no que concerne a avaliação (eventualmente subsidiada por testes psicológicos), e, na VEPA de Fortaleza, preponderância em condições limítrofes de saúde mental e notadamente em relação à dependência química por parte dos beneficiários.”

A VEPA de Fortaleza possui mais de 200 parceiros em sua rede social, dentre eles é de relevância a participação da Secretaria Municipal de Educação, que possibilita o cumprimento de medidas alternativas em seus Centros de Educação de Jovens e Adultos, em especial o CEJA – Paulo Freire. a participação da Secretaria de Municipal de Saúde também é de suma importância, grande parte dos infratores beneficiários das penas alternativas são viciados em substâncias psicoativas, levando isso em consideração o convênio com a referida secretaria possibilitou a integração do cumprimento da pena com a inclusão no programa de assistência dos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS – AD), pois somente com ajuda especializada o dependente tem chance de escapar do domínio da drogadicção, um fator extremamente criminógeno.

Tratando a educação do apenado temos uma melhora significativa nas suas chances de inclusão social, sobre a educação durante o cumprimento da pena de limitação de fim de semana e de prestação de serviços à comunidade o psicólogo da VEPA55 também ensina:

“Convênio firmado com a Secretaria de Educação Básica possibilita que a execução da pena de Limitação de Fim de Semana esteja associada à escolarização regular. Ação efetuada no Centro de Educação de Jovens e Adultos – CEJA Paulo Freire. As pessoas em cumprimento de PSC podem, igualmente, se beneficiar através do comparecimento a qualquer CEJA de Fortaleza, por remição de horas em sua PSC. Ações voltadas à oferta de cursos profissionalizantes também ocorrem, porém não com a freqüência demandada. Encaminhamentos diversos a serviços de saúde e assistência social, constituem prática rotineira por parte de técnicos da VEPA.”

Como pudemos perceber a execução da pena alternativa fornece uma real

possibilidade do beneficiário ressocializar-se. Seja através da educação, do trabalho, de tratamento ambulatorial, do acompanhamento psicossocial são inúmeras as chances para que o apenado repense a sua vida e possa fazer uma escolha consciente para o seu futuro. Mostrando-se assim ferramenta adequada para a sua consciente reintegração social, sendo respeitados sua personalidade e as garantias fundamentais inerentes a ela.

CONCLUSÃO

Após todo o estudo aqui posto fica demonstrado que, mesmo com a estrutura precária na qual hoje são executadas as penas alternativas, elas se mostram um remédio mais eficaz do que a pena privativa de liberdade quando tratamos de criminosos que cometeram ilícitos de menor e médio potencial ofensivo. Isso devido à sua integração com a sociedade e as possibilidades que ela oferece tanto de educação, como profissionalização. Tanto no seu aspecto prático quanto no ideológico as penas alternativas provaram-se meios eficientes de combate à reincidência e apoio à reinserção social.

Vimos que a pena privativa de liberdade da forma como é executada atualmente em nosso país afronta totalmente a ordem constitucional posta e não respeita o princípio-valor da dignidade humana, baluarte alardeado pela ONU em todo o mundo.

A bem da verdade Lei de Execuções Penais pátria é muito bem redigida e em suas letras temos todo um sistema que em tese garantiria a dignidade do apenado, ocorre apenas que a Lei nunca saiu do papel. A realidade é que o atual sistema Penitenciário conta com um déficit de mais de duzentas mil vagas, isso porque existem milhares de mandados de prisão não cumpridos. Para que o sistema penitenciário seja reestruturado, sendo sanado o déficit de vagas e sendo efetivamente aplicada a LEP, seria necessário um trabalho a longo prazo e um investimento de bilhões de reais. Em nosso país onde a educação é precária e a área da saúde encontra-se no caos falar de tal investimento na área carcerária seria improvável.

Mesmo com o pouco que se investe nelas as penas alternativas mostraram-se efetivas no combate à pequena e média criminalidade, no contexto cearense podemos ver o êxito de sua empreitada. A VEPA de Fortaleza conta com equipe técnica qualificada que dá suporte ao beneficiário da pena alternativa antes, durante e depois do cumprimento da medida. O apenado é assistido por equipe multidisciplinar que o avalia, fiscaliza e encaminha para a aplicação das penas alternativas. A rede social da VEPA de Fortaleza conta com mais de 200 orgãos, públicos e privados, que colaboram e participam da aplicação da reprimenda,

garantindo assim a sua maior eficácia.

Dessa forma deve haver uma mudança de paradigma tanto dos operadores do direito, quanto dos legisladores e, principalmente, da sociedade civil, de que a alternativa penal não é sinônimo de impunidade, mas sim uma importante ferramenta no combate à criminalidade de pequeno e médio potencial ofensivo, que não necessita de uma reprimenda tão grave quanto a perda total da liberdade.

Dessa forma citamos as sábias palavras de César Barros Leal56 que aqui fazemos como nossas:

“Inclino-me por um direito penal justo, mínimo, garantista, respaldado por Alessandro Baratta, Luigi Ferrajoli e Winfied Hassemer, que se oponha à reprodução das desigualdades, que não se concilie com a manutenção de regimes opressivos e preveja a aplicação da privação de liberdade somente aos multirreincidentes, aos autores de delitos caracterizados pela extrema violência, àqueles que representam uma séria ameaça à comunidade.”

Como já defendemos no decorrer do trabalho nenhum tipo de pena teria como forçar o indivíduo delinquente a ser um cidadão que não infringisse as normas penais. Dessa forma as Penas Alternativas não são capazes de forçar uma mudança de ideologia na cabeça do apenado, a sua virtude está em sua capacidade de dar uma chance, uma oportunidade para que o infrator, a partir da sua vontade de renovação e assistido por sua família e toda uma equipe multidisciplinar, possa trilhar um novo caminho.