• Nenhum resultado encontrado

CAP 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao estudarmos a evolução dos direitos e garantias fundamentais temos que lembrar que esse estudo é feito a partir do momento em que esses direitos foram positivados, falamos isso porque a priori o conceito de dignidade humana, respeito e amor ao próximo e liberdade, tanto de locomoção quanto de expressão, são sentimentos incutidos na alma humana desde o seu nascimento. Podemos vislumbrar esses princípios em textos religiosos de milênios atrás, como a Bíblia. Dessa forma percebemos que o homem sempre teve dentro de si a ideia inata do bem e do mal, da importância da proteção dos direitos das pessoas como seres humanos. O que virá a ser estudado são os momentos históricos em que esses mesmos direitos tomaram vulto dentro das legislações ao redor do mundo. No mesmo sentido George Marmelstein15

14 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 1ª edição. São Paulo: Atlas, 2008. p.20 15 MARMELSTEIN, George Op. Cit. p.33

afirma:

“Que fique bem claro, então, que sempre houve uma consciência de que existem valores ligados à dignidade (direitos do homem), já que é da essência do ser humano se indignar com injustiças. No entanto, tais valores não eram positivados pelos ordenamentos jurídicos, de modo que não havia por parte das autoridades constituídas um reconhecimento formal de que tais valores representavam verdadeiros direitos, capazes de serem invocados perante um órgão imparcial e independente mesmo contra a vontade do soberano.”

O estudo que se fará agora diz respeito à classificação cronológica das Gerações de Direitos Fundamentais. Há de se olhar com cautela o termo geração de direitos fundamentais, pois poderia gerar a falsa ideia de que uns substituiriam os outros numa sucessão cronológica, o que ocorre, de fato, é que eles se acrescentam e não se excluem. Devido a isso muitos autores usam o termo dimensão, para facilitar a compreensão de que eles estariam no mesmo patamar valorativo e coexistindo dentro de um mesmo sistema.

A primeira geração de direitos fundamentais surgiu no contexto do Estado absolutista e viriam a ser conhecidos como direitos de liberdade. Nesse contexto histórico as pessoas eram perseguidas por suas crenças religiosas, por suas ideias e por seus comportamentos, não existindo liberdade nenhuma para adotar um padrão comportamental diferente daquele ordenado pelo Estado, sendo aqueles que apresentassem ideias mais progressistas taxados de inimigos do Estado e ameaçados de morte. Temos como exemplos ilustres disso os cientistas Galileu e Copérnico. Some-se esses fatos a uma pesada carga tributária que deixava a população na miséria para sustentar o luxo da nobreza e um regime de estado onde o povo não tinha nenhuma participação na tomada de decisões e teremos o contexto de grande insatisfação popular.

No decorrer desse período foram aparecendo vários fatores que culminariam no surgimento dos direitos de primeira geração. A reforma protestante que apregoava uma tolerância religiosa e ideias diferentes da igreja convencional, o iluminismo que tratava o

homem como centro do universo e enaltecia a razão e a ciência e, por fim, temos a descoberta do novo mundo com o aumento do comércio e a ascensão econômica da classe burguesa. Todos esses fatos fizeram eclodir as revoluções liberais, sendo promulgados os principais documentos que traziam em seu bojo os direitos de primeira geração. São eles a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, decorrente da Revolução Francesa, e a Declaração de Direitos da Virgínia, decorrente do movimento de independência americano.

Os direitos de primeira geração cobravam um comportamento negativo do Estado, declaravam a liberdade de expressão, o direito de propriedade, a liberdade de reunião, liberdade religiosa, liberdade de profissão etc. Além desses direitos também foram reconhecidos nessa primeira geração os direitos políticos, cujo objetivo era regulamentar e democratizar o exercício do poder, permitindo que o povo participasse das decisões políticas. Sobre essa primeira geração de direitos é importante a lição de Paulo Bonavides16:

“Os direitos da primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.”

O surgimento da segunda geração de direitos fundamentais, os direitos da igualdade, tem como pano de fundo a Revolução Industrial do século XIX, nessa época a produção industrial estava em alta e as inovações tecnológicas garantiam ainda mais o desenvolvimento econômico, gerando grandes riquezas. Acontecia que as riquezas ficavam extremamente concentradas nas mãos dos burgueses, donos das indústrias, ficando a classe dos trabalhadores, a vasta maioria da população, sujeita a condições de miséria e exploração. Não havia limites para a jornada de trabalho, estipulação de férias, nem mesmo descanso regular, sendo comum jornadas de trabalhos de quatorze e dezesseis horas, havendo no corpo de trabalhadores até mesmo crianças.

16BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª edição. São Paulo: editora Malheiros, 2004. p.563.

Dentro desse contexto onde os trabalhadores eram tratados de forma vil, como se valessem menos que animais, é que a classe proletariada passou a reivindicar do Estado ações positivas no sentido de mitigar a desigualdade social e dar condições dignas aos trabalhadores. O liberalismo que deu a tônica aos direitos de liberdade não mais servia, pois, devido a ganância do homem, o industrial passou a usar de sua liberdade para aniquilar os direitos dos trabalhadores, deveria então o Estado se pronunciar tomando medidas que aliviassem a desigualdade social e dessem condições as pessoas de realmente usufruir a liberdade adquerida com o direitos de primeira geração.

Os expoentes desse pensamento voltado aos direitos sociais foram a revolução russa de 1917 e o New Deal, programa econômico desenvolvido pelo presidente Roosevelt. Em ambos os casos o Estado passou a intervir diretamente na economia para salvaguardar os direitos dos trabalhadores. Vale ressaltar que as reivindicações da população não se baseavam apenas em direitos relacionados ao trabalho, os direitos sociais ou de igualdade dizem respeito a toda uma condição de vida digna, a pessoa humana deveria ter direito a alimentação, saúde, educação, trabalho digno e tudo o mais que necessitasse para uma boa qualidade de vida. Seguindo essa ótica George Marmelstein17 ensina:

“Além dos direitos trabalhistas, o Estado do bem-estar social também se compromete a garantir os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, que são aqueles direito s ligados às necessidades básicas dos indivíduos, independentemente de sua qualidade de trabalhador, como alimentação, saúde, moradia, educação, assistências social etc. O reconhecimentos desses direitos parte da ideia de que, sem as condições básicas de vida, a liberdade e uma fórmula vazia.”

Após as atrocidades cometidas pelos nazistas durante a segunda guerra mundial a preocupação com os direitos e garantias fundamentais aumentou exponencialmente, surgindo um movimento no sentido de internacionalizar esses direitos referentes à condição humana. Dentro desse contexto é que surgem direitos que extrapolam as fronteiras dos países, direitos não direcionados à pessoas ou grupos específicos, mas à humanidade como um todo, os

direitos da terceira geração ou da fraternidade. Sobre as características desses direitos nos ensina Paulo Bonavides18:

“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção de interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado. Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.”

Dentre os referidos direitos de terceira geração, ou de fraternidade, encontram-se o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. No intuito de propagar esses direitos e os das outras gerações foram celebrados vários tratados internacionais e criados órgãos a nível mundial com o intuito de proteger os direitos humanos na Terra.

Deve-se notar também que os direitos fundamentais não são restritos unicamente aos aqui mencionados, com a evolução do pensamento humano e da necessidade das pessoas outros direitos fundamentais vão surgindo com o decorrer do tempo, já se falando em direitos fundamentais de quarta e até mesmo quinta geração. Esses novos direitos estariam ligados ao processo de globalização e ao avanço nas descobertas científicas. Dentre os citados direitos estariam o direito à democracia direta, o direito à informação e o direito ao pluralismo.