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Aplicação de princípios ativos de Castanha-do-Brasil na indústria de cosméticos NATURA

CAPÍTULO III TRANSFORMAÇÃO INDUSTRIAL DA CASTANHA-DO-BRASIL EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

3.4. Aplicação de princípios ativos de Castanha-do-Brasil na indústria de cosméticos NATURA

Em 2000, a empresa paulista JGP consultoria foi contratada pela empresa de cosmésticos Natura, contando com o intermédio da SETEC, do PIETEC/IEPA e da SEICOM, para certificar a RDS- I em Laranjal do Jari, capacitando neste quesito a COMARU como uma das fornecedoras de óleo de Castanha-do-Brasil, para aplicação na linha de produtos Ekos. É de interesse da empresa que sua atuação comercial mantenha a cultura e os modos de vida das populações tradicionais, contribuindo para que recursos naturais adquiram competitividade.

O mercado internacional de cosméticos movimentou em 2002, cerca de 1,9 bilhão de reais, e neste segmento a Natura estava perdendo espaço. A marca de seus produtos precisava receber um choque de inovação tecnológica e de mudanças no gerenciamento de suas fontes de matéria-prima. Durante 30 anos, a empresa viveu um ciclo intensivo de expansão crescendo por duas décadas em torno de 30%. No final dos anos 1990 no entanto, percebeu-se que o ciclo estava se esgotando, pois em 1999, as vendas atingiram R$ 659,7 milhões, demonstrando queda de 8,5% em relação ao período anterior, com conseqüente queda na taxa de lucro110. As questões a serem superadas estavam em: como garantir

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As tentativas de internacionalização da marca representam atualmente 3% dos negócios. Para entrar em sintonia com novas 'ondas' de alta volatilidade nos modismos do mercado, a Avon, maior empresa mundial do setor, investe US$ 100 milhões ao ano em desenvolvimento tecnológico; a Natura para garantir sobrevivência, tem que colocar no mercado pelo menos 50 novos produtos. No total de suas atividades produtivas a Natura gera em SP, 2.700 empregos.

um novo ciclo de expansão, inovando constantemente a linha de produtos, a abordagem [estratégias de venda] do consumidor, assegurando sustentabilidade no longo prazo?

Diante das questões estabelecidas acima, a opção a ser seguida seria seguir a vocação natural da empresa e investir em pesquisa e desenvolvimento da biodiversidade brasileira. O quadro a seguir, resume a inauguração do chamado terceiro ciclo, com a introdução da linha Ekos111

, usando a biodiversidade como plataforma tecnológica como estratégia de produção econômica:

QUADRO III. 07 - Indicadores de produção na NATURA

Anos 1998 1999 2000 2001 2002 Vendas (US$ milhões) 429,3 A Natura é eleita Empresa do Ano pela publicação Melhores e Maiores, da Exame. Nas duas décadas anteriores, a empresa havia crescido a taxas de 31% anuais.

392,7 Com vendas e lucros em declínio e com o aumento da concorrência, a Natura compra a Flora Medicinal. Fundada em 1912 no RJ, a empresa possui como patrimônio 300 produtos e pesquisas com mais de 280 espécies de plantas brasileiras Uma equipe de marketing parte para Nova York, onde lança as bases do projeto Manhattan, origem da linha Ekos

A biodiversidade brasileira é escolhida como foco do projeto

417,7 A Natura reestrutura suas operações na América Latina

Tem início o processo de certificação de ativos da biodiversidade

Em agosto, a linha Ekos - composta inicialmente de 21 produtos - é lançada

A produção da empresa é transferida para uma nova fábrica, em Cajamar, com investimento de quase R$ 185 milhões

O negócio entra numa fase chamada de Terceiro Ciclo 437,8 a empresa inicia os trabalhos de treinamento e capacitação de comunidades fornecedoras de matérias-primas para os produtos Ekos. Oito são selecionadas na elaboração do planejamento estratégico, a Ekos é escolhida como canal para a internacionalização da Natura 466,7 a Ekos torna-se a linha de maior crescimento de vendas da Natura. A participação no faturamento total chega a 10% Os primeiros testes são realizados com consumidoras francesas e inglesas Lucro* 33,4 26,8 11,7 14,7 33,7 Produtos (lançados) 197 150 206 165 91

Fonte: Exame, Março 2003. Dados fornecidos pela Natura (*valores atualizados pelo dólar de 30/12/2002; números consolidados pelo lucro líquido antes das participações)

Outro aspecto inovador nesse novo ciclo de produção da empresa, é a parceria na formação de uma rede de aproximadamente dez universidades e centros de pesquisas envolvidos em pesquisas de plantas, que em futuro breve podem compor a fórmula de cremes, xampus, sabonetes e outros produtos. Um projeto chamado Campus, foi criado para incentivar a pesquisa acadêmica dirigida ao uso

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A marca da mudança na Natura recebeu o nome de Ekos: do grego oikos (nossa casa), do tupi-guarani ekó (vida) e do latim echo (tudo o que tem ressonância).

industrial da biodiversidade brasileira, onde pesquisadores poderão também, orientar comunidades sobre práticas de manejo sustentável, que garantam uso econômico de recursos, com qualidade, menores custos e volume significativo de produção.

A venda do óleo de Castanha-do-Brasil da COMARU à Natura, é feita pela empresa multinacional que atua no mercado de óleos essenciais: a Cognis do Brasil. Essa empresa se comprometeu a atender as especificações técnicas (propriedades físico-químicas) do produto, repassando tecnologia básica de extração de óleos, praticando o chamado 'preço justo' (indefinido e contraditório) e atentando para a estruturação de uma manejo florestal participativo, respeitando a cultura, o estilo de vida e as tradições locais.

A Cognis do Brasil, é uma empresa alemã controlada pelo banco Goldman Sachs e pelo fundo de investimentos Schoreder Ventures Life Sciences (SVLS), e atualmente trabalha com quatro comunidades em Rondônia, Amazonas e Acre, sendo que seu mercado para este tipo de produto está no Brasil. Da RDS-I, a Natura adquire em torno de 5% do volume de óleo produzido a partir da Castanha- do-Brasil, sendo que as matérias-primas que entram na composição de outros produtos como: buriti, o cupuaçu, o cumaru e a andiroba, são adquiridos de outras comunidades em diversas regiões do País112.

Os impacto sociais, econômicos e ambientais das atividades geradas pela comercialização do óleo de Castanha-do-Brasil produzido na COMARU, ainda serão avaliados naquilo que se refere a melhoria na elevação do nível de empregos, no nível do faturamento da cooperativa, enfim, no impacto dessa produção para melhoria da qualidade de vida da comunidade, destacando-se inclusive, quais as mudanças mais profundas foram promovidas na execução das atividades relacionadas ao manejo da produção, como resultado prático do processo de certificação florestal.

O relacionamento de grandes empresas corporativas com comunidades tradicionais nem sempre são exemplares, um exemplo ilustrativo é o caso da empresa inglesa de cosméticos The Body Shop, com negócios semelhantes ao da Natura, que em meados dos anos 80 passou a comprar óleo de castanha do índios Caiapós (Altamira/PA), para compor condicionadores para cabelos Body Shop. A compra do óleo resultou em cerca de 300 empregos em duas aldeias, que no entanto, passaram a fazer exigências financeiras cada vez maiores, resultando em disputas e antagonismo violentos. A empresa

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A composição do custo dos insumos iniciam-se com uma prospecção de quanto custa a operação de coleta e semi- beneficiamento da castanha, através de uma listagem de todas as etapas de trabalho...desde o custo com combustível para barcos e caminhões de transporte até horas de trabalho utilizadas na coleta de matéria-prima e prensagem.

inglesa foi acusada de ser culpada pela instabilidade social instalada nas aldeias em virtude das relações comerciais113.

Segundo dados da consultoria Booz Allen, a demanda mundial por extratos de plantas dobrou, movimentando cerca de US$ 2 bilhões em 2002. Em agosto de 200, a linha Ekos, foi colocada no mercado, marcando a atuação da empresa em utilizar a biodiversidade como plataforma comercial enquanto estratégia de inovação para diversificação de produtos. Em 2002, suas vendas cresceram mais de 20% e a linha Ekos representou 10% do faturamento total, e em dois anos a adoção de ativos da biodiversidade se transformou num negócio de cerca de R$ 200 milhões anuais.

Em recente estudo, o Instituto Ecoamazon revelou que um dos principais fatores impeditivos para expansão econômica de produtos florestais não-madeireiros, é a falta de certificação orgânica e do aprimoramento tecnológico, junto à cooperativas de produtores. A garantia de um selo orgânico, reconhecido no mercado mundial (Forest Stewardship Council - FSC, entidade internacional que promove e certifica o manejo sustentável de florestas) garante mudança em todo sistema de coleta, armazenamento e cadeia produtiva, amparado em participação ativa das comunidades através, entre outros fatores, de um Plano de Manejo Participativo.

A indústria de cosméticos utiliza pouca quantidade de insumos naturais, por tanto a Natura desenvolveu o conceito de cesta de produtos, que significa na mesma área outros insumos que possam compor a cesta e aumentar, consequentemente a rena da comunidade. No caso do Iratapuru a cesta foi aumentada além da castanha, com breu e copaíba. O trabalho de certificação será responsabilidade da ONG Imaflora, responsável por diagnosticar e indicar áreas para a certificação. A RDS-I já foi visitado e recomendado aos consultores externos que certificam com o selo do IFC. A castanha do Iratapuru está em vias de certificação.

Para garantir o manejo florestal, a Natura optou por adquirir produtos certificados pelo FSC, SAN ou IBD de acordo com as características dos ativos e das áreas onde forem retirados. No caso do RDS-I, onde o produto não dispunha de nenhuma certificação, optou-se em investir no processo do FSC por ser extrativismo de produtos não-madereiro. Para atingir as normas exigidas pelos órgãos, foi contratada no ano 2000 a empresa JGP, para elaborar um diagnóstico da RDS e de um plano de manejo da castanha, baseado no manejo tradicional da espécie in loco.

Os resultados apontaram para o ciclo de cheia e vazante do rio que garante que parte das sementes não possam ser retiradas das colocações, garantindo alimentação de animais e regeneração da

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A Body Shop encerrou as compras de óleo de castanha dos caiapós, e apesar de ter sua imagem afetada, continua a acreditar na linha de ativismo social-ecológico. Possui uma rede de 190 lojas em 50 países e 5.000 empregados diretos, e sua receita bruta em 2002 foi de US$ 1,1 bilhão.

espécie. O Imaflora, ONG nacional credenciada pelo IFC para fazer auditorias, foi contratada para apresentar à comunidade o processo de certificação e verificar o interesse desta em integrar o processo na área. De posse do aval da comunidade, foi realizada uma auditoria final visando a certificação da área. Hoje a comunidade está trabalhando sobre as três pré-condições apontadas na auditoria final e caminhando para certificação no primeiro semestre de 2004.