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CAPÍTULO I FITASES: PRODUÇÃO POR MICRO-ORGANISMOS,

3. Aplicações e interesse comercial das fitases

Os principais ingredientes das rações para animais de criação agropecuária são de origem vegetal, tendo como base o milho e o farelo de soja, que representam um custo elevado. Uma forma de reduzir os custos das rações é pelo uso de subprodutos vegetais oriundos principalmente do beneficiamento de cereais. O elevado teor de fitatos, porém, representa uma problemática nessas matérias-primas devido ao seu aspecto antinutricional (ERDAW; BHUIYAN; IJI, 2016; JOSHI; SATYANARAYANA, 2015).

Ruminantes digerem o fitato pela ação de fitases produzidas pelo microbiota simbionte existente no rúmen. O fósforo liberado pela hidrólise pode ser aproveitado tanto pela microbiota quanto ser absorvido pelo hospedeiro. Por outo lado, animais monogástricos (suínos, aves e peixes) são incapazes de digerir e metabolizar apropriadamente o fósforo complexado ao fitato devido à falta de fitases no trato digestório. Portanto fez-se necessária a suplementação de fósforo às rações aumentando custos e gerando poluição pela lixiviação dos fosfatos excretados

(BHAVSAR; KHIRE, 2014). A adição de fitases exógenas, especialmente de origem microbiana, às rações tornou-se então uma alternativa extremamente interessante nas duas últimas décadas e com resultados satisfatórios, fato pelo qual esse ainda é o principal mercado para essas enzimas (SINGH; SATYANARAYANA, 2013; ERDAW; BHUIYAN; IJI, 2016). Além disso, as preparações contendo fitase são consideradas como GRAS (Generally Regarded As Safe) pelo FDA (The Food and

Drug Administration).

Fitases podem agir sobre a ração em dois momentos diferentes: apresentar atividade hidrolítica durante a digestão, desde que sejam resistentes ao ambiente ácido e às proteases digestivas, ou serem adicionadas durante o processamento, momento em que serão ativadas, desde que submetidas às condições necessárias e sejam termoestáveis. Uma vez que a fitase tenha agido sobre o fitato das rações, o teor nutritivo da mesma é melhorado e o fósforo estará biodisponível para os monogástricos (GREINER; KONIETZNY, 2006).

A adição de fitases em rações já se mostrou eficiente em diversos estudos envolvendo suínos, aves e peixes. Por exemplo, a adição de 1000 U/fitase/kg de ração substituiu completamente a suplementação de fósforo na alimentação de aves. A suplementação com fitases também elevou a concentração sérica de minerais como cálcio, fósforo, magnésio, zinco, ferro e cobre em frangos de corte (DEBNATH et al., 2005). A utilização de fitases microbianas na dieta de aves e suínos melhorou o aproveitamento do fósforo ligado ao fitato entre 20% e 45%. Entre 500 e 750 FTU fitase/kg ração equivale à adição de 1g de fósforo inorgânico para suínos e aves respectivamente (LEI et al., 2007). Em aves, a adição de fitase aumentou a utilização de aminoácidos e proteínas devido à quebra do complexo fitina-proteína (SINGH; SATYANARAYANA, 2015). Também foi observado que o uso de fitases reduziu a excreção de fósforo por frangos de 50% a 61% (SELLE; RAVINDRAN, 2007). A administração de fitase e mioinositóis melhorou aspectos como glicemia, colesterol e conversão alimentar em ganho de peso em frangos (COWIESON, et al., 2013). Foi observado que em salmões, a suplementação com fitases apresentou melhores resultados do que uma dieta suplementada com minerais (SINGH; SATYANARAYANA, 2015). Outros peixes como truta arco-íris, carpa e bagre tiveram aumento de peso e de fósforo e minerais nos ossos e menor excreção de fósforo nas fezes (DEBNATH et al., 2005).

Em relação ao mercado, desde que foi lançada em 1991 até 2007, a enzima Natuphos® havia movimentado cerca de 150 milhões de euros (LEI et al., 2007) e em 2014 era estimado que a demanda por fitases em rações alcançasse a marca de 570 milhões de dólares (POLITZER; BON, 2006). Outro dado afirmava que, se a fitase fosse aplicada na alimentação de todos animais monogástricos criados nos EUA, o fósforo liberado seria equivalente ao valor de 168 milhões de dólares, e evitaria a entrada de 82 mil toneladas de fosfato no ambiente por ano (BHAVSAR; KHIRE, 2014).

3.2. Alimentação e saúde humana

O fitato desenvolve um papel antinutricional na dieta de animais monogástricos, incluindo o homem. Uma dieta baseada em cereais e produtos integrais possui alto teor de fitato, portanto são requeridas estratégias para a desfitinização dos alimentos como forma de aumentar seu valor nutricional. Podemos citar como a mais simples a imersão em água. Como o fitato é solúvel, uma parte dele é liberado para o meio aquoso e adicionalmente fitases endógenas também são ativadas, hidrolisando parte do fitato (GREINER; KONIETZNY, 2006). Essa técnica pode aumentar a solubilidade de zinco e ferro em até 23% no milheto e diminuir em 21% o teor de fitato no sorgo; porém perde-se também outros minerais e parte das fibras dietéticas solúveis (GUPTA; GANGOLIYA; SINGH, 2015). O cozimento tem efeito semelhante na desfitinização, seja pela remoção da água do cozimento ou pela ativação das fitases endógenas (GREINER; KONIETZNY, 2006). O simples descascamento pode provocar uma diminuição significativa no conteúdo de fitato. Alimentos como o arroz e o trigo, por exemplo, concentram entre 84% e 88% do total de fitato na casca (pericarpo) (REDDY, 2002).

Alimentos fermentados podem ter o teor de fitatos reduzidos e aumento da disponibilidade de minerais tanto pela ação das fitases microbianas quanto pela acidificação do meio. Em particular, alimentos orientais como tempêh, missô, koji e shoyu fermentados pelos fungos R. oligosporus e A. oryzae tem uma significativa diminuição nos fitatos (FUJITA et al., 2003; WANG; SWAIN; HESSELTINE, 1980). A germinação reduz entre 40% e 50% os teores de fitato em cereais, isso devido à mobilização da reserva de fósforo dos fitatos para o desenvolvimento da plântula (MARSHALL et al., 2011). Estudos também têm visado a ativação das fitases

endógenas de cereais para elevar a biodisponibilidade de minerais em produtos derivados destes (BRINCH-PEDERSEN et al., 2014).

Fitases exógenas podem representar um importante avanço na nutrição humana durante o preparo e processamento dos alimentos, contudo até o momento não existe um produto relevante para essa finalidade no mercado (BHAVSAR; KHIRE, 2014). A efetividade da fitase nos alimentos depende de fatores como pH, temperatura, matéria-prima, entre outros.

A panificação baseia-se no uso da farinha de trigo, rica em fitatos, por isso é um interessante alvo e o mais estudado para aplicação de fitases. A adição das fitases de A. niger sobre a massa de pão integral, resultou em melhor crescimento, forma e maciez no pão, melhorias associadas à uma ação indireta da enzima na atividade da α-amilase, além da redução do fitato e maior disponibilidade de minerais (AFINAH, et al., 2010; GREINER; KONIETZNY, 2006). Adição de fitases de B. amyloliquefaciens e E. coli em preparações de pão integral de trigo reduziu o teor de fitato em 38% e 76% respectivamente, e aumentou a disponibilidade de ferro em 7,4 vezes quando acionada a fitase de B. amyloliquefaciens e 15 vezes quando combinadas a fitase de E. coli e ácido cítrico (JAIN; SAPNA; SINGH, 2016). O uso da fitase de S. termophile em massa de pão resultou em liberação de fósforo e de proteínas solúveis, redução de açúcares e melhorias nas propriedades nutricionais do produto. Houve também uma redução do ácido fítico na farinha de trigo (SINGH; SATYANARAYANA, 2010). Fitase de S. cerevisae aumentou as qualidades nutricionais do pão integral (CAPUTO; VISCONTI; DE ANGELIS, 2015).

Outros estudos para aplicação da enzima em alimentação humana são para desfitinização e liberação de aminoácidos de isolados proteicos vegetais (GREINER; KONIETZNY, 2006), desfitinização do leite de soja (BHAVSAR; KHIRE, 2014), das farinhas de trigo e besan e aumento do teor nutricional (SINGH; SATYANARAYANA, 2015), aumento da biodisponibilidade de ferro em farinhas para

injera (BAYE et al., 2015), ingestão de probióticos produtores de fitases (por

exemplo Bifidobacterium sp.) (AFINAH et al., 2010) e uso de suas enzimas para emprego em alimentos infantis (SANZ-PENELLA et al., 2012).

Um campo promissor para o emprego das fitases em alimentos funcionais e área farmacêutica é na produção de mioinositóis. Esses compostos são intermediários formados durante a hidrólise enzimática do fitato (possuem entre 1 e 5 fosfatos ligados ao anel de inositol em diferentes posições) e possuem

propriedades funcionais e terapêuticas (KUMAR et al., 2016). Sua síntese química é difícil, enquanto que a produção por via enzimática ocorre em condições moderadas e apresenta alta estereoespecificidade (HAEFNER et al., 2005). A produção destes compostos visando a produção de terapêuticos pode ser feita utilizando-se fitases imobilizadas para um maior rendimento (JAIN; SAPNA; SINGH, 2016; KUMAR et al., 2016). O emprego de fitases em alimentos ricos em fitato também pode disponibilizar mioinositóis via dieta (GREINER; KONIETZNY, 2006). Nesse sentido, foi relatada a produção de pão de centeio com mioinositóis biodisponíveis para absorção por células Caco-2 (DULIŃSKI et al., 2015).

3.3. Outras aplicações

O fósforo é um mineral essencial no desenvolvimento dos vegetais e estima-se que até 2050, as fontes baratas de fosfato mineral para uso na agricultura podem ser esgotadas (KUMAR et al., 2016). Uma fonte alternativa de menor custo de fósforo para a agricultura é o fósforo orgânico do solo, presente majoritariamente na forma de fitato. A quantidade de fitase adicionada ao solo para mobilizar esse fósforo orgânico seria inviável, assim, vegetais transgênicos que expressem fitase microbianas poderiam metabolizar e aproveitar esse fitato em torno da rizosfera (SARSAN, 2013). Estudos nesse sentido têm sido realizados com batatas, tabaco e com o gênero Arabidopsis. Outra vantagem da expressão heteróloga de fitases em vegetais seria a possibilidade de plantas e sementes com maior teor biodisponível de P e outros minerais, sendo interessante sua utilização em rações (AFINAH, et al., 2010; JAIN; SAPNA; SINGH, 2016). Ainda no campo da transgenia, estudos com camundongos e porcos que expressam fitase de E. coli na saliva reduziu a zero a excreção de fosfatos para o ambiente (KUMAR et al., 2016).

Fitases podem ainda ser empregadas como alternativa eco-friendly para remoção de fitatos na indústria de processamento de polpas para papel (LIU, 1998). Também foi observado um aumento no rendimento da produção de álcool quando utilizados micro-organismos produtores de fitase (LEI et al., 2007; KUMAR et al., 2016).