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DA APLICABILIDADE DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS A MOTOR NOS CRIMES COMETIDOS POR NEGLIGÊNCIA

No documento Direito Estradal (páginas 129-137)

A PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS NO CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL E NOS CRIMES POR NEGLIGÊNCIA

VI. DA APLICABILIDADE DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS A MOTOR NOS CRIMES COMETIDOS POR NEGLIGÊNCIA

A questão da aplicabilidade da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor a quem cometer crimes por negligência não tem sido pacífica na jurisprudência42.

Contudo, entendemos que existem fundamentos em defesa da aplicabilidade da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor aos crimes por negligência.

Quando falamos em crimes negligentes, estamos a referir-nos aos crimes cometidos com a utilização de veículo que originam, essencialmente, homicídios negligentes e ofensas à integridade física negligentes.

Tal como já vimos, com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pretendeu-se dotar o sistema sancionatório português, em termos de direito penal geral de uma verdadeira pena acessória capaz de dar satisfação a razões “(…) político-criminais (…) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente encarecidas. (…) À proibição de conduzir deve também assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo 40 Sendo que o menos, neste caso, é o facilitar de forma relevante.

41 Sendo certo que o mais aqui é o facto de o veículo ser condição necessária para o cometimento do crime. 42 Veja-se a título de exemplo o Ac. da Relação de Coimbra, de 21.01.2004, Rel. Desemb. Oliveira Mendes,

in dgsi.pt que decidiu pela não aplicabilidade da pena acessória a um crime negligente (homicídio negligente).

Em sentido contrário, veja-se o Ac. da Relação de Lisboa, de 17.03.2005, Rel. Desemb. João Carrola, in dgsi.pt que decidiu pela aplicabilidade da pena acessória a um crime negligente (homicídio negligente).

Por outro lado, veja-se também, o Ac. da Relação de Lisboa, de 13.02.2007, Rel. Desemb. Simões de Carvalho, in

dgsi.pt, que decidiu não aplicar a pena acessória de proibição de conduzir a um crime de ofensa à integridade

física por negligência, contendo, contudo, um voto de vencido por parte do Desemb. Agostinho Torres, que defende que se aplicaria a pena acessória ao caso de crime de ofensa à integridade física por negligência.

porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. (…) deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”43 – sublinhado nosso.

Ora, tais finalidades, são unanimemente aceites aquando da condenação dos crimes previstos e punidos pelos artigos 291.º ou 292.º, ambos do Código Penal tal como já vimos.

Como é sabido, os crimes supra mencionados, são crimes de perigo e que, tal como já vimos, protegem, em última linha, a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado. E este é o principal motivo que justifica a aplicabilidade da pena acessória de proibição de conduzir a tais crimes.

Por outro lado, relativamente aos crimes de homicídio e de ofensa à integridade física, ninguém tem dúvidas quais são os bens jurídicos protegidos com estas incriminações.

Assim sendo, será legitimo fazer a seguinte questão: - terá o legislador querido aplicar a pena acessória a quem cometer um crime de perigo e não aplicar a quem cometer um crime de dano, quando está em causa o mesmo âmbito de protecção?

Entendemos que não. Senão vejamos.

Considerando as consequências da acção punível, distinguem-se tradicionalmente os crimes de lesão, também chamados crimes de dano, dos crimes de perigo, abstracto ou concreto. Nos crimes de dano (de resultado de dano) a consumação do crime supõe a lesão ou o sacrifício dum objecto concreto. Nos crimes de perigo não se requer a efectiva lesão do bem jurídico, mas como o perigo se identifica com a probabilidade de dano, o legislador previne o dano com a incriminação de situações de perigo.

Pode tratar-se de um perigo concreto ou de um perigo abstracto.

Os crimes de perigo concreto são crimes de resultado, não de resultado de dano, mas de resultado de perigo: o resultado causado pela acção é a situação de perigo para um concreto bem jurídico. Exige-se que no caso concreto se produza um perigo real para o objecto protegido pelo correspondente tipo.

Existe, por outro lado, um certo número de ilícitos em que o legislador, partindo do princípio de que certos factos constituem normalmente um perigo de lesão, puniu-os como crime consumado, independentemente da averiguação de um perigo efectivo em cada caso concreto. São os crimes de perigo abstracto.

O que caracteriza os crimes de perigo é a chamada protecção avançada, isto é, o legislador pune determinados comportamentos ainda antes de haver uma efectiva lesão aos bens 43 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Apud ANTÓNIO JOÃO CASEBRE LATAS in Sub Judice – justiça e sociedade,

n.º 17, Janeiro/Março de 2000, p. 76.

jurídicos protegidos, por entender que esses comportamentos serão potencialmente lesivos dos bens jurídicos em causa.

Assim sendo, será razoável entender que o legislador puna de forma mais grave, com a pena acessória, os comportamentos em que ainda não houve uma efectiva lesão do bem jurídico e, não tenha a mesma vontade punitiva quando essa lesão se concretiza? Ou de outra forma: - como se compreende que o legislador queira punir, por exemplo, a condução perigosa ou a condução sob o efeito do álcool, com a pena acessória e não queira punir o homicídio negligente ou a ofensa à integridade física negligente com a mesma pena acessória? Salvo melhor opinião, entendemos que não se compreende.

Não faz muito sentido que o legislador, contrariamente ao que sucede na prática de crimes abstractos que o agente fosse punido com a pena acessória de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a,) do Código Penal, enquanto que o agente que pratica um crime de resultado (de dano), v.g., o crime de homicídio por negligência, pudesse ficar isento de punibilidade na referida pena acessória, atendendo ao artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

Assim sendo, atendo aos bens jurídicos em causa, entendemos que será de aplicar a pena acessória a tais ilícitos criminais.

Tal argumento, por si só, em nosso entender, seria suficiente para se infirmar a ideia de que a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor é de aplicar aos crimes negligente cometidos com veículo.

Contudo, entendemos que existe uma outra argumentação que reforça esta ideia.

Como é sabido, a estrutura normal dos crimes de perigo comum é: no número 1 - acção dolosa e criação de perigo doloso; no número 2 - acção dolosa e criação de perigo negligente e, no número 3 - acção negligente e criação de perigo negligente.

Tal estrutura é a constante, por exemplo, do crime previsto no artigo 291.º do Código Penal que pune a condução perigoso de veículo rodoviário.

Como facilmente se constata, no n.º 3 deste preceito legal é punida uma conduta negligente que cria um resultado de perigo negligente.

Ora, ninguém tem dúvidas que ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, quem for condenado pelo crime previsto no artigo 291.º, n. 3, do Código Penal, além da pena principal, verá ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor. Neste caso, também estamos perante uma conduta negligente. Apesar de se tratar de um crime de perigo, trata-se de uma conduta negligente que é uma conduta igual às condutas negligentes de outros crimes de dano.

Ora, se o legislador quisesse excluir a punição com a pena acessória aos crimes negligentes, não teria sido feita uma restrição ao artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e, dizer-se que só seria aplicada a quem for punido por crime previsto no artigo 291.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal? Entendemos que sim. E só assim faria sentido que o legislador quisesse, de facto, excluir as condutas negligentes da pena acessória em causa.

Por fim, restará verificar, se os crimes negligentes, v.g. o crime de homicídio negligente e o crime de ofensa à integridade física por negligência se enquadram no preceituado no artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.

No que respeita aos crimes cometidos por negligência, no domínio da circulação rodoviária, as imposições preventivas prendem-se em muito com razões de prevenção geral, garantindo-se a confiança da comunidade na preservação dos mais relevantes bens jurídicos, e salientando-se a absoluta necessidade de conformação e actuação segundo os comportamentos devidos no exercício de actividades que comportam riscos para aqueles valores e que impõem, por isso, a observância de estritas regras de cuidado Por outro lado, não pode olvidar-se que, neste domínio, a prevenção especial não é só adequadamente satisfeita pela pena principal mas sobretudo pelas medidas acessórias de que esta possa ser acompanhada.

Neste tipo de criminalidade, como é sabido, o crime é cometido com a utilização de um veículo.

Agora, será legítimo dizer-se que a execução de tal crime foi facilitada de forma relevante com a utilização do veículo?

Entendemos que, desde logo, quem conduzir um veículo e que este tendo sido o instrumento do crime, uma vez que a sua condução/utilização esteve estruturalmente ligada à comissão do crime (seja a ofensa negligente seja o homicídio negligente) preenche a primeira parte da previsão normativa do referido artigo 69.º, número 1, alínea b), do Código Penal – punido por crime cometido com utilização de veículo.

Por outro lado, o crime negligente em causa, seja o de homicídio, seja o de ofensas, não poderia ter existido e/ou ter sido cometido, sem a condução, por parte daquele, do referido veículo automóvel e foram essenciais para causar a morte ou a lesão no corpo do ofendido(a), pelo que se encontra preenchida, cumulativamente, a segunda parte da previsão normativa do referido artigo 69.º, número 1, alínea b), do Código Penal – e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.

Um dos argumentos utilizados pela jurisprudência que não aplica a pena acessória de proibição de conduzir aos crimes negligentes é que é sintomático o termo «execução» usado no texto legal, bem mais próprio dos crimes dolosos44.

Ora, execução, significa capacidade, faculdade, habilidade para realização de uma tarefa, desempenho de um cargo, etc.45.

Quando, na jurisprudência se refere a que “execução” é bem mais próprio dos crimes dolosos, quer dizer que os crimes negligentes não são executados? Com o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que não será assim.

Todo o crime terá necessariamente de envolver uma acção humana. Essa acção humana terá que ser imputada a alguém e, terá que se aferir, a que título se imputa, isto é, se foi uma acção dolosa ou se foi uma acção negligente.

Ora, assim sendo, mesmo os crimes negligentes envolvem uma execução do crime. Não se trata, como é evidente, de uma execução intencional, mas não deixam de ser actos de execução.

Todo o crime terá de ser executado por um ser humano, tenha ele ou não intenção de o cometer. Assim, quando no artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal se diz que cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, entendemos que engloba os crimes negligentes porque a execução refere-se ao crime e não à intenção de o cometer. Ora, sendo o crime negligente cometido com o uso do veículo e, tendo sido este crucial, como o é nos casos de homicídio negligente e ofensa à integridade física negligente resultantes da condução de veículo, apenas quer significar que a actuação do agente foi auxiliada, de forma relevante, pelo veículo.

Posto isto, e concluindo, entendemos que aos crimes negligentes resultantes da actividade de conduzir, deverá ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor.

Haverá situações em que ao julgador poderá ser colocada um entrave para se aplicar a pena acessória de proibição de conduzir nos crimes negligentes. Por vezes, o julgador, olhando para o cidadão que está a julgar, poderá entender que não se justifica puni-lo de forma mais grave, isto é, em nada as razões político-criminais, nomeadamente, os fins das penas, justificam que aquele cidadão arque com o plus da pena acessória46.

Contudo, este entrave é facilmente ultrapassado pelo facto de a pena acessória não ser de aplicação automática47. Nada impede que o julgador, analisando o caso concreto, entenda que, de forma fundamentada, não se aplique a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor ao cidadão que foi condenado num crime negligente48 por 45 Cfr., neste sentido, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa, Verbo Editora, I vol., p. 1635.

46 E, entendemos, que este será, eventualmente, o principal motivo da não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor aos crimes negligentes em muitos casos da jurisprudência. Por vezes, pensamos nós, está no espírito de quem julga que “aquilo poderia ter acontecido comigo…”.

47 Veja-se quanto ao principio do carácter não automático das penas acessórias, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS,

in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime , Noticias Editorial, 1993, § 197. 2. p. 158 e ss..

48 Como a outro qualquer crime que caia, abstractamente, na alçada do artigo 69.º do Código Penal.

inexistirem fundamentos para tal, atendendo, essencialmente, às finalidades da punição consagradas no artigo 40.º do Código Penal.

Vídeo da apresentação

ESPECIFICIDADES DAS CONTRAORDENAÇÕES RODOVIÁRIAS. O REGIME ATUAL E

No documento Direito Estradal (páginas 129-137)