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Investigação de Acidentes de Viação

No documento Direito Estradal (páginas 88-91)

INVESTIGAÇÃO DE ACIDENTES DE VIAÇÃO

3. Investigação de Acidentes de Viação

Investigar significa analisar um evento com o fim de responder a várias questões: o Quê? Quando? Onde? Quem? Como? Porque? Sabendo-se responder ao Como? e ao Porque? Poderemos saber Quais? Foram as suas causas.

Para responder àquelas questões são precisas fontes de informação, que no caso dos acidentes de viação assentam na inspeção ocular ao cenário do acidente, nas testemunhas e em perícias.

O processo de investigação de acidentes de viação deve obedecer a um ciclo de procedimentos, que consistem: o primeiro passo, na recolha exaustiva de provas, materiais e testemunhais, relacionadas com os fatores intervenientes, designadamente, a via, o ambiente, os condutores ou peões e os veículos; o segundo passo, no tratamento e cruzamento da informação recolhida com a Teoria da Evolução do Acidente; o terceiro passo, na formalização de hipóteses explicativas do acidente; e, por fim, na submissão das hipóteses explicativas a perícias técnicas, científicas e forenses, que confirmarão ou não as hipóteses formuladas.

Este constitui o objeto de intervenção da atividade de investigação de acidentes de viação.

a. Competências Legais

Na sequência da publicação da Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC) e do Despacho do Procurador-Geral da Republica, sobre a Delegação Genérica de Competências de Investigação Criminal, nos termos do artigo 270º, nº 4, do Código de Processo Penal (CPP), a GNR e a PSP passaram a ter competência legal para a investigação e para a prática dos atos processuais, da mesma derivados, relativamente aos crimes que lhes forem denunciados, cuja competência não esteja reservada à Polícia Judiciária, donde se deduz a competência para alguns tipos de crimes onde se incluem o Crime de Homicídio por Negligência, previsto e punido pelo Art.º 137º do CP, e Crime de Ofensa à Integridade Física por Negligência, previsto e punido pelo Art.º 148º do CP, onde se incluem os acidentes de viação com vítimas mortais e com feridos, respetivamente.

No caso do Crime de Ofensa à Integridade Física por Negligência, o procedimento criminal depende de formalização de queixa nos termos dos artigos 113º e 148º do Código Penal (CP). Na prossecução das atribuições legais os órgãos de Polícia Criminal (OPC), de competência genérica, têm autonomia técnica assente na utilização de conhecimentos e de métodos adequados de agir e autonomia tática consistente na opção pela melhor via e momento de as cumprir8.

b. Metodologia de Investigação 1) Breve resenha histórica

Na relativamente curta história da Investigação de Acidentes de Viação, deve fazer-se referência ao engenheiro Norte-americano Stannard Baker, do Instituto de Trânsito da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, que em 1953 publicou o seu primeiro Manual de Investigação de Acidentes de Viação9 e realizou as primeiras experiências para determinar alguns parâmetros de interesse, como sejam o centro de gravidade do veículo e o coeficiente de atrito da via.

Em 1986 associou-se ao projeto, como autor, Lynn B. Frickle tendo colaborado na modificação substancial de treze capítulos do Manual (BAKER, J. STANARD, 1953). O Instituto de Trânsito de Northwestern University detém, ainda hoje, um importante prestígio a nível mundial na formação de investigadores de acidentes de viação, tanto na vertente clássica como na aplicação de novas tecnologias sobre reconstituição de acidentes de viação.

S. Baker foi o primeiro autor a formular uma teoria sobre a evolução do acidente, com a finalidade de servir de base e de guia para a investigação. Em resumo, o que S. Baker fez foi descobrir o procedimento da condução.

S. Baker apercebeu-se que o acidente podia e devia estudar-se por fases10. A maioria dos autores e investigadores seguem o seu esquema, que se tornou tradicional11.

A Teoria de S. Baker concebe a evolução do acidente de viação em três fases:

- a Perceção da situação de perigo; - a Decisão sobre como evitar o perigo; e - a Execução da manobra decidida.

Todavia, a Teoria formulada por S. Baker não foi recebida de forma pacífica por outros investigadores, sobretudo no que concerne a conceptualizações e terminologia relacionadas com a evolução do acidente de viação.

9 BAKER, J. STANARD e al.: “Accident Investigation Manual”. Northwestern University Traffic Institute. Evanston- Illinois. EUA. 1953.

10 FRICKE, LYNN B.; BAKER, STANNARD: Pag. 64-4. Baker divide a manobra evasiva numa sequência de três atos: a perceção da situação como um perigo; decisão sobre como evitar o perigo e execução da manobra escolhida. 11 CENTRO ZARAGOZA: Curso sobre técnicas de reconstituição de acidentes. Zaragoza. 1997. No capítulo segundo

do Nível RA1 distingue-se entre quatro fases, anexando às três já citadas uma fase prévia. Nesta fase prévia incluem-se todos os acontecimentos que ocorreram anteriormente ao acidente, mas pode ter influído na sua posterior ocorrência. Os acontecimentos que compõem esta fase finalizam no ponto em que o condutor poderia ter percebido que deveria ter permanecido em estado de máxima atenção. Por sua vez, dentro desta fase distinguem- se os acontecimentos anteriores à viajem dos acontecimentos durante a viagem.

Como exemplo, S. Baker expõe que Olson12 define o tempo de perceção somente como o percorrido desde o primeiro sinal do obstáculo até o sujeito começar a responder, levantando o pé do acelerador.

Porém, existe uma teoria alternativa à Teoria da Evolução do Acidente denominada PIEV13, cujo autor se desconhece, mas que S. Baker atribui a Pignataro14, enquanto que outros autores a atribuem a Matson, Smith e Hurd15.

A PIEV preconiza a evolução do acidente considerando as seguintes fases:

- Perceção – ver, ouvir e sentir o estímulo ou perigo;

- Identificação ou interpretação – compreender o que foi visto como um perigo; - Emoção, juízo intelectual ou compreensão – processo de realização da decisão; - Reação – executar a decisão.

Por outro lado, Bernard Abrams divide o tempo de perceção-reação PRT (Perception- Reaction Time) em quatro fases que denomina: Deteção, Identificação, Avaliação e Reação. O professor Robert Dewar, conhecido especialista canadiano da matéria, considera que as fases são as seguintes: Procura, Deteção, Reconhecimento, Decisão e Ação.16

O estudo não fica por aqui, podemos aprofundar os estudos psicológicos sobre o tema e encontramos o seguinte conjunto de teorias que tentam explicar os fenómenos relacionados com a perceção e a reação: Teoria da Deteção de Sinais17, Teoria dos Estados18, Teoria da Atenção19, Teoria da Informação20, etc.

Mais recentemente, o autor que melhor sistematizou e desenvolveu a Teoria da Evolução do Acidente foi o Magistrado Miguel Lopez Moñiz Goñi21. A sua visão sobre a evolução do

12 OLSON, P.L; CLEVELAND, D.E; FANCHER, P.S; COSTYNUIK, L.P; SCHNEIDER, L.W: “Parameters Affecting Stopping

Sight Distance”. National Cooperative Highway Research Program Report 270. Washington. EUA. Olson representa um colégio de autores vinculados nos seguintes centros e instituições: Ford Motor Co., Universidad de Michigan, Universidad de Ohio, Universidad de Indiana, Universidad de California, Universidad de Wayne, Ben Gurion y Universidad del Negev (Israel).

13 PIEV, corresponde às siglas, em inglês, de Perception (Perceção), Identification or Intellection (Identificação), Emotion ou judgment (Emoção ou juízo) e Volition ou reaction (Reação).

14 PIGNATARO, LOUIS: Traffic Engineering, Theory and Practice. Prentice Hall. Englewood Cliffs. EUA. 1973.

15 MATSON, SMITH Y HURD: Técnica del Traffico Stradale. Traduzido em italiano por Alighiero Bottaro. Cedam. Padova.

16 BADGER, JOSEPH : Human factors: perception and reaction. Law and Order Magazine. Agosto.1996. Op. Cit . In. Campón Andrés. 2006.

17 GREEN, D.M.; SWETS, J.A.: Signal detection theory and psychophysics. J. Willy. Nueva York. EUA. 1966.

18 STERNBERG, S.: The Discovery of processing stages: Extensions of Donder´s method. En G.Koster (editor): Attention and performance II. Acta Psychologica. 1969. Pg. 276.

19 SHAW, M.L.: Attending to multiples sources of information: I. The integration of information in decision-making, II. Coding selectivity versus decision selectivity. Cognitive Psychology. (1982). Existem dois processos na atenção: o processo de codificação e de decisão. O primeiro transforma o estímulo numa representação interna. Esta fase tem uma série de subestados que o autor definiu e desenvolveu.

20 ATTNEAVE, F.: Applications of Information Theory to Psychology. Hoolt, Reinhart y Wistion. Nueva York. EUA. 1959.

21 LOPEZ-MUÑIZ GOÑI MIGUEL: Dirección y técnica de circulación. Editorial Gesta, RD Judicial Madrid. 1964. Tomo I,

acidente foi mais ampla que a de S. Baker porque abarcou o espaço e o tempo compreendido entre o Ponto de Conflito e a Posição Final dos veículos. Esta versão da Teoria de Evolução do Acidente é a que foi adotada pela Escola de Tráfico da Guardia Civil e, consequentemente, pela Guarda Nacional Republicana, em virtude de ter sido aquela a fonte de conhecimento neste domínio e cujo conteúdo seguidamente se descreve.

No documento Direito Estradal (páginas 88-91)