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OS CRIMES COMETIDOS POR NEGLIGÊNCIA

No documento Direito Estradal (páginas 117-121)

A PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS NO CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL E NOS CRIMES POR NEGLIGÊNCIA

IV. OS CRIMES COMETIDOS POR NEGLIGÊNCIA

A forma como vivemos nos dias de hoje envolve necessariamente a prática de algumas actividade que envolvem riscos. Esses riscos serão um mal necessário numa sociedade contemporânea. Contudo, torna-se premente acautelar e minimizar esses riscos ao máximo possível.

Não conseguimos imaginar os dias de hoje sem os meios de transporte. Como sabemos, tais meios são potencialmente causadores de lesões a bens jurídicos fundamentais como a vida e a integridade física. Desta forma, compreendemos que o legislador queira punir de forma gravosa, aplicando o direito de última ratio, como é o direito penal, às situações em que o cidadão actua de forma leviana ou negligente.

No âmbito dos crimes rodoviários, as principais formas de cometimento de crimes negligentes são a ofensa à integridade física e o homicídio.

Vejamos, então, de forma sucinta, em que moldes se pune os crimes negligentes.

De acordo com o disposto no artigo 13.º do Código Penal, “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.”. Neste preceito legal está expressamente consagrado o princípio da excepcionalidade da punição das condutas negligentes com a consagração de um numerus clausus.

Por outro lado, diz-nos o artigo 15.º do mesmo diploma legal que “Age negligentemente quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.”.

Como já referimos, foi com o avanço da industrialização e o aumento significativo dos veículos em circulação que fez com que o legislador sentisse a necessidade de punir determinadas atitudes negligentes, isto é, o legislador teve de sucumbir face ao elevado e crescente número de homicídios e ofensa à integridade física por negligência consequentes do tráfico rodoviário.

Do ponto de vista doutrinal, nomeadamente da doutrina clássica, a negligência era unicamente visto como um problema de culpa. A teoria causal da acção limitava o conteúdo do ilícito do facto negligente à “causação do resultado” socialmente nocivo.

Posteriormente passou-se a distinguir, ainda no âmbito da culpa, entre dois elementos significativos: a inobservância do cuidado objectivamente necessário e o cuidado que o autor estava em condições de observar.

Actualmente, existe o entendimento dominante de que o delito involuntário constitui um tipo especial da acção penal com estruturas autónomas no que respeita à tipicidade, à ilicitude e à culpa: a negligência é um tipo especial de conduta punível que reúne elementos de ilicitude e de culpa.

Na construção dos tipos de crime poderemos atender a dois tipos de desvalores: o desvalor do resultado e o desvalor da acção.

Na comparação entre os crimes dolosos e os crimes negligentes, não é o desvalor do resultado que nos vai auxiliar. Tanto o artigo 131.º do Código Penal que trata do Homicídio doloso como o artigo 137.º, do mesmo diploma legal que trata do homicídio negligente, atendem ao mesmo resultado, isto é, alguém mata outra pessoa.

Assim, o elemento distintivo entre os dois tipos legais é o desvalor da acção, isto é, no homicídio doloso o agente actua com intenção ou prevê a realização típica como consequência necessária da sua conduta ou conforma-se com essa realização, enquanto que no homicídio negligente, basicamente, actuou com um simples erro de conduta.

O artigo 15.º do Código Penal formula um juízo de dois graus, na medida em que se dirige a quem não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz.

Aparentemente, o nosso Código Penal favorece a consideração de um dever de cuidado objectivo, situado ao nível da ilicitude, a par de um dever subjectivo, situado ao nível da culpa, ao referir o cuidado a que o agente "está obrigado" e de que é "capaz" — em ambos os casos, "segundo as circunstâncias"13.

Deste modo, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, conforme as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, não chega sequer a representar a possibilidade da realização típica14. Age ainda negligentemente quem, de forma ilícita e censurável, representa como possível a realização típica mas actua sem se conformar com essa realização15.

Tem sido entendido que a negligência é uma forma de conduta que reúne elementos de ilícito e de culpa. Nos crimes negligentes teremos de atender no plano do ilícito típico, à violação do cuidado objectivo e à previsibilidade objectiva da realização típica — nos crimes negligentes de resultado não basta a simples causação do evento típico. Por seu turno, no plano da culpa, atendemos ao dever subjectivo de cuidado e à previsibilidade individual da realização típica. A actividade do tipo de ilícito esgota-se na realização da conduta típica descrita na norma e na não observância do necessário cuidado objectivo.

13 RUI PEREIRA, in A relevância da lei penal inconstitucional de conteúdo mais favorável ao arguido, RPCC 1 (1991), p. 67.

14 É a chamada negligência inconsciente. 15 Tratamos aqui da negligência consciente.

Mas, na realidade o que é uma conduta descuidada do ponto de vista jurídico-criminal?

A violação do dever de cuidado determina-se por critérios objectivos, nomeadamente, pelas exigências postas a um homem avisado e prudente na situação concreta do agente. A extensão do dever de cuidado é referida ao homem médio do círculo social ou profissional do agente, isto é, do concreto círculo de responsabilidades em que o agente se move.

A medida do cuidado devido é portanto independente da capacidade de cada um.

O dever objectivo de diligência concretiza-se, em numerosos sectores da vida, através de regras de conduta16 ou por regras de experiência.

O que em abstracto é perigoso poderá não o ser em concreto17.

O direito impõe a todos o dever de evitar a lesão de terceiros, de forma que, quando falamos das características típicas dos crimes negligentes, devemos indagar quais são os comportamentos que a ordem jurídica exige numa determinada situação — só assim poderemos valorar a conduta do agente, saber se ela corresponde à do homem avisado e prudente na situação concreta do agente. A medida do cuidado exigível coincidirá com o que for necessário para evitar a produção do resultado típico.

Actualmente, torna-se muito difícil, e até mesmo inexequível, proibir toda e qualquer acção que implique um perigo de lesão de bens jurídicos. No entanto, na prática torna-se igualmente impossível sistematizar cada um dos deveres de cuidado, tão diferentes são entre si.

Em muitos domínios, a afirmação de que a negligência começa quando se ultrapassam os limites do risco permitido, é uma ideia perfeitamente assimilável. A condução automóvel, como em outras actividades próprias das sociedades modernas, é uma actividade que comporta riscos que, em certas ocasiões, nem mesmo com o maior cuidado se podem evitar. Põe-se em relação a tais actividades a questão da sua necessidade social ou da sua utilidade social e, por isso mesmo, o direito aceita-as, não as proíbe, não obstante os perigos que lhes estão associados. As condutas realizadas ao abrigo do risco permitido não são negligentes, não chegam a preencher o tipo de ilícito negligente. Se o agente não criou ou incrementou qualquer perigo juridicamente relevante não existe sequer a violação de um dever de cuidado.

Ninguém terá em princípio de responder por faltas de cuidado de outrem. Uma limitação das exigências de cuidado deriva do princípio da confiança. Provindo o perigo da actuação de outras pessoas, não precisará o agente de entrar em conta com tal risco. Quem actua

16 Normas específicas, como as normas de trânsito - que são as mais frequentemente invocadas, em vista do desenvolvimento a que chegou a circulação automóvel.

17 Neste sentido, CLAUS ROXIN, Problemas Fundamentais de Direito Penal, 3.ª Edição, Colecção Vega Universidade, 2004, p. 275.

de acordo com as normas de trânsito pode pois contar com idêntico comportamento por parte dos demais condutores, peões e demais utilizadores das estradas.

No plano objectivo, o nexo de imputação entre acção e resultado vale tanto para os crimes dolosos como para os negligentes.

Ao falarmos de causalidade estamos a pensar na acção que provoca um determinado evento ou resultado. Quando falamos de imputação partimos do resultado para a acção.

Ora, nos crimes negligentes de resultado, a causação do resultado e a violação do dever de cuidado, só por si, não preenchem o correspondente ilícito típico, é necessário ainda que o resultado seja causado pelo sujeito, tem que lhe ser objectivamente imputável. Por outro lado, a previsibilidade do resultado típico e do processo causal nos seus elementos essenciais deverá verificar-se não só no plano objectivo, mas igualmente no plano subjectivo, de acordo com a capacidade individual do agente. Na negligência inconsciente o agente não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto, ficando excluída a previsibilidade individual, especialmente por falhas de inteligência ou de experiência. Na negligência consciente o agente representa sempre como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime.

Os crimes rodoviários negligentes por excelência são, como já referimos, os crimes de homicídio e de ofensa à integridade física.

Como já referimos anteriormente, a diferença do recorte típico entre os crimes em crise cometidos da forma dolosa e da forma negligente é o desvalor de acção, isto é, o desvalor do resultado é o mesmo, tanto num como noutro tipo de ilícito foi produzida a morte ou a ofensa à integridade física, mas o desvalor da acção é diferente.

Assim, torna-se desnecessário tratar desses tipos criminais por ser por demais sabido os elementos necessários para o preenchimento dos tipos de crime em causa, isto é, o de homicídio e o de ofensa à integridade física.

Posto isto, e feita esta breve incursão acerca da pena acessória, do crime de condução sem habilitação legal e dos crimes negligentes, restará verificar se será de aplicar a pena acessória a quem comete o crime de condução sem habilitação legal e aos crimes negligentes cometidos com o uso do veículo.

V. DA APLICABILIDADE DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS A

No documento Direito Estradal (páginas 117-121)