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4 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL NA EXECUÇÃO

4.2 APLICABILIDADE MODERADA

O ponto crucial, vencida a questão sobre a constitucionalidade dos referidos artigos da maior parte da discussão doutrinária acerca do tema aqui exposto, é saber qual é o alcance dos artigos sob estudo.

Interpretar extensivamente o art. 741, parágrafo único, bem como o art. 475-L § 1º do CPC poderia levar a situações incomuns, como o já citado fato da existência da coisa julgada sob condição, bem como a possibilidade de um juiz inferior anular a decisão de um juiz superior.

Apesar de ser necessário o afastamento da coisa julgada inconstitucional, há um sério inconveniente advindo do uso dos meios processuais que vêm sendo propostos, sobretudo, dos embargos à execução, para o qual poucos têm atentado. Trata-se da possibilidade de um juiz inferior anular a decisão de um juiz superior. Isto pode ocorrer principalmente quando há interposição de recurso, caso em que o acórdão substitui a sentença, ainda que a ratifique inteiramente (art. 512 do CPC). Assim, poderia ocorrer, por exemplo, de um juiz singular anular uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. Isto explica porque a ação rescisória é da competência originária dos tribunais (LIMA, 2006, p. 179/180).

A própria hierarquia judiciária estaria sendo desrespeitada nos casos em que um juiz singular, sob o pretexto do art. 741 parágrafo único do CPC, deixar de aplicar uma decisão que foi proferida por um órgão colegiado.

Permitir ao juiz, como pretendem alguns revisionistas da coisa julgada, reapreciar causas decididas, em grau de recurso, por Tribunais de segundo grau ou mesmo por Tribunais Superiores, estar-se-ia subvertendo a hierarquia judiciária e fazendo

tabula rasa não só do instituto da res iudicata, mas do próprio ordenamento

processual civil. Teríamos, enfim, a consagração da prática de que outrora se dizia não possuir nem forma nem figura de juízo (MEDINA, 2007, p. 14).

Ademais, nesse caso, a segurança jurídica e o próprio trânsito em julgado da sentença ficariam prejudicados. “Se, portanto, a Constituição declara que a coisa julgada fica protegida em face da lei superveniente, a fortiori, está, assim, a protegê-la, igualmente ante outras sentenças” (MEDINA, 2007, p. 09).

Todavia, como a própria lei legitimou a impugnação ou os embargos a ter força rescisória e por ser uma regra excepcional, assim como a ação rescisória, a interpretação dos dispositivos deverá ser restrita.

Por outro lado, representando a via da impugnação ou a dos embargos à execução meios excepcionais que a lei expressamente acolheu, além ou à margem do processo tradicional da ação rescisória, parece claro que a exegese dos dispositivos correspondentes haverá de ser sempre estrita, como sói acontecer em todos os casos de direito excepcional (MEDINA, 2007, p. 14).

Destarte, não pode a jurisdição ceder às pressões momentâneas sob o simples pretexto de corrigir injustiças, pois sempre poderá surgir nova interpretação mais adequada. Por isso, as mudanças no direito são construídas mediante longos processos, um longo caminho, sempre percorrido a passos prudentes.

Os institutos jurídicos não se constroem nem se alteram senão mediante longo processo de amadurecimento. A insurreição contra os cânones do Direito não se concilia com a prudência natural dos juristas. Chame-se a isso espírito conservador, ou não, o certo é que não faltam razões aos que têm alertado para o inconveniente de, ao influxo de impressões momentâneas, causadas por situações excepcionais e que encontrariam solução adequada no julgamento de cada caso, partir-se logo para generalizações, no plano teórico, suscetíveis de comprometer o princípio da segurança jurídica, em que se funda a autoridade da coisa julgada (MEDINA, 2007, p. 28).

Assim, não é a coisa julgada um dogma intocável. Entretanto, precisa ser respeitada e somente em casos excepcionais é que poderá ser desconstituída ou relativizada.

4.2.1 Existência de precedente do STF

Requisito essencial para a eficácia rescisória dos embargos à execução é que exista, no Supremo Tribunal Federal, o precedente de inconstitucionalidade da lei que fundou a sentença. Ou seja, só é aplicável o parágrafo único do art. 741 do CPC se a decisão de inconstitucionalidade da lei for anterior à sentença.

Por outro lado, a [...] característica qualificadora da inconstitucionalidade que dá ensejo à aplicação do art. 741, parágrafo único do CPC, é a de que ela tenha sido reconhecida pelo STF [...] Assim, alargou-se o campo de rescindibilidade das sentenças, para estabelecer que, sendo elas, além de inconstitucionais, também contrárias a precedente da Corte Suprema, ficam sujeitas a rescisão por via de embargos, dispensada a ação rescisória própria. A existência de precedente do STF representa, portanto, o diferencial indispensável a essa peculiar forma de rescisão do julgado (ZAVASCKI, 2005, p. 85/86).

Neste sentido, a juíza federal Flávia da Silva Xavier pronunciou-se, em importante decisão do processo 2007.70.95.010293-0/PR, do Tribunal Regional Federal da 4ª região:

Ora, não se pode cogitar na aplicação da regra às hipóteses em que a coisa julgada se formou antes da manifestação do STF pela simples razão de que isso implicaria em condicionar a coisa julgada a uma posterior manifestação do Supremo, causando insegurança jurídica e perenização dos litígios, pois a qualquer momento poderia haver uma manifestação da Corte Suprema a desconstituir um título judicial com trânsito em julgado.

Ademais, não se pode desconsiderar que, na prática, a manifestação do Supremo pode ser decorrente de uma modificação de entendimento do próprio STF, oriunda da mudança de composição ou de quórum de votação, com o que se estaria diante da absurda hipótese de uma decisão do STF desconstituir um título que tenha sido formado em sintonia com a orientação jurisprudencial do próprio Supremo até então vigente (BRASIL, 2007).

Ademais, o juiz não está vinculado às decisões de tribunais superiores e, mesmo que o tivesse, com a edição de súmula vinculante, por exemplo, tal vinculação por questão de lógica não poderia ter efeitos retroativos.

4.2.1.1 Direito intertemporal

O parágrafo único do art. 741 do CPC ingressou no ordenamento jurídico por meio da medida provisória 2.180-35/2001, que foi várias vezes reeditada até tornar-se lei, em 2005.

Sendo norma de natureza processual tem aplicação imediata, alcançando os processos em curso. Todavia, não pode ser aplicada retroativamente. Como todas as normas infraconstitucionais, também ela está sujeita à clausula do art. 5º, XXXVI da Constituição [...]. É que nesses casos há, em favor do beneficiado pela sentença, o direito adquirido de preservar a coisa julgada com a higidez própria do regime processual da época em que foi formada (ZAVASCKI, 2005, p. 89).

Por se tratar de lei processual tem aplicação imediata, como regra geral, aplicando-se aos processos em curso. Contudo, no presente, caso sua aplicação esbarra no direito adquirido pela parte que foi beneficiada com sentença fundada em lei tida por inconstitucional antes do ingresso do referido regramento legal.

4.2.1.2 Proibição do controle de constitucionalidade das decisões

Cumpre novamente ressaltar “que o juiz brasileiro tem o dever de negar aplicação à lei inconstitucional, ainda que a questão constitucional não tenha sido invocada pela parte”

(MARINONI. 2010). Assim, quando não há alegação do magistrado acerca da inconstitucionalidade na aplicação da lei, significa que o mesmo entendeu pela sua constitucionalidade, tanto que a utilizou como fundamento da sentença.

Dessa decisão judicial, entretanto, a parte prejudicada poderia recorrer e, se não o fez em tempo, é por que entendeu como justa a sentença que, com seu trânsito em julgado, sanou todos os vícios existentes.

No sistema em que todo e qualquer juiz tem o dever-poder de controlar a inconstitucionalidade da lei, nulificar a sentença transitada em julgado que se fundou em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal significa retirar do juiz ordinário o próprio poder de realizar o controle difuso da constitucionalidade (MARINONI, 2010, p. 21).

Ademais “se o juiz ou tribunal, diante do caso concreto, não obedece à decisão de inconstitucionalidade, cabe „reclamação‟ ao Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 102, I, l, da Constituição Federal” (MARINONI, 2010, p. 22), desde que a decisão não tenha transitado em julgado, a teor da súmula 734 do STF.

Por outro lado, há de se convir que não seria coerente a decisão de inconstitucionalidade das leis servir como uma forma anormal de controle de constitucionalidade de sentenças/decisões judiciais transitadas em julgado.

A eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade não diz respeito ao controle da constitucionalidade das decisões judiciais [...] a tese da retroatividade da decisão de inconstitucionalidade sobre a coisa julgada muitas vezes esquece que nesta hipótese se está diante do controle da constitucionalidade da lei, e não de um meio de controle da constitucionalidade das decisões judiciais (MARINONI, 2010, p. 25). Salienta-se, novamente, que o meio para modificar decisões judiciais é o recursal, respeitando os prazos e os requisitos específicos para tanto. No mais, imaginar a coisa julgada subordinada a uma não declaração de inconstitucionalidade retiraria a efetividade do sistema difuso.

Conforme ensina Marinoni (2010, p. 36), “não se pode raciocinar como se fosse possível conceber uma coisa julgada subordinada a uma não decisão de inconstitucionalidade [...]. A qualidade e a efetividade do sistema difuso estariam na capacidade de o juiz „adivinhar‟ a interpretação futura do Supremo Tribunal Federal”.

No mais, o próprio ordenamento permite que a decisão judicial seja rescindida, como é o caso da ação rescisória, que tem requisitos específicos, como toda exceção é sempre interpretada de maneira restritiva, sempre em homenagem a segurança jurídica, corolário do estado democrático de direito.

Isto não quer dizer, obviamente, que a decisão judicial esteja isenta de controle da sua constitucionalidade. Esse controle pode ser feito mediante ação rescisória (art. 485, V, CPC), em caso de aplicação de lei flagrantemente inconstitucional e de adoção de lei ou interpretação já declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal

Federal, e, através de impugnação (art. 475-L, § 1.º, CPC) e de embargos à execução (art. 741, parágrafo único, CPC), quando a sentença se fundou em lei ou interpretação que, no momento de sua prolação, já tinha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (MARINONI, 2010, p. 41). Desta interpretação restritiva, observa-se a possibilidade de aplicação dos artigos 741 parágrafo único e 475-L, § 1.º do CPC quando a sentença se fundou em lei ou ato normativo que, no momento em que foi prolatada, já tinha sido decretada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

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