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Apoio Psicológico na Talassemia

115 TALASSEMIAS DE ADULTOS

10: Apoio Psicológico na Talassemia

Porque o apoio psicológico é tão importante?

É agora universalmente reconhecido que a talassemia, como outras doenças crônicas, tem importantes implicações

psicológicas. O modo como a família e o paciente aceitam a doença e seu tratamento, tem um efeito crítico sobre a sobrevida do paciente. Sem uma compreensão e aceitação da doença e suas implicações pelo paciente e sua família, não serão enfrentadas as dificuldades das transfusões e da terappia de quelação por toda a vida, o que provocará a um maior risco de complicações da doença e sobrevida menor. Uma condição básica para os médicos e os outros profissionais da área de saúde é ajudar os pacientes e suas famílias a encarar as difíceis demandas do tratamento. O contato mensal com o centro de talassemia permitirá ao médico e aos demais membros da equipe atuar como um ponto de referência para o estado geral de saúde do paciente. Essa interação regular também oferecerá ao médico uma boa oportunidade para promover o desenvolvimento físico, emocional e social do paciente.

O controle da talassemia está baseado na aliança terapêutica entre médico e paciente no decurso da doença. Devido à ênfase objetiva e orientada para a doença da educação médica, muitos médicos encontram dificuldades para se ajustar às demandas psicológicas do tratamento de doenças crônicas hereditárias.

Isso pode ser tornado ainda mais difícil para o médico, porque os pacientes com talassemia freqüentemente expressam fortes sentimentos negativos, os quais podem obstruir a comunicação. Além do mais, depois de muitos anos de

tratamento, os pacientes e suas famílias freqüentemente estão melhor informados sobre a doença que médicos não

especialistas, o que alguns médicos sentem que subverte seu papel. Todos esses fatores podem tornar extremamente difícil a manutenção de uma comunicação honesta e profunda, a qual é vital para o atendimento bem sucedido à talassemia.

A psicologia da doença hereditária crônica

Toda doença genética implica, independentemente de sua

etiologia, em um sentimento de culpa. Ele pode interferir com o relacionamento primário entre os pais e o bebê. Conforme suas manifestações clínicas se desenvolvem no primeiro ano de vida, a doença também pode exercer um impacto negativo no relacionamento entre os pais e a criança. Além disso, o

tratamento é emocionalmente exigente, já que as transfusões e a terapia de quelação requerem repetidos procedimentos

invasivos e consultas hospitalares.

Como a talassemia major tipicamente “começa” durante o primeiro ano de vida e requer um seguimento mensal, isso permite que o médico do centro assuma muitas das

características de um “médico da família” tradicional, como guardião do bem estar geral do paciente – tanto físico como psicológico.

A cronicidade é uma forte fonte de problemas emocionais, que se intensificam a cada estágio significativo de

desenvolvimento da vida do paciente. Os pacientes podem

sentir que são diferentes, limitados ou isolados. Seu estado mental pode rapidamente mudar de depressão para raiva e vice- versa. O médico deve estar preparado para aceitar essas

mudanças e ajudar o paciente a lidar com esses sentimentos.

Comunicação dos profissionais da área de saúde com os pacientes

Isso inclui, tanto quanto possível:

• Atenção – estar interessado nas experiências emocionais e reais do paciente

• Aceitação – tanto respeitando o ponto de vista do paciente como sendo sensível quanto ao momento da comunicação pessoal

• Co-participação – estar consistentemente próximo dos sentimentos positivos e negativos do paciente como ser humano

• Compreensão – não apenas num nível intelectual mas também emocional

• Manutenção de limites – oferecendo ajuda e alívio, mas tendo em mente seu papel como médico.

As condições e a metodologia para discussão são importantes em todo o decurso da doença, mas são obrigatórias em momentos cruciais da experiência do paciente:

• diagnóstico

• primeira transfusão • início da quelação • puberdade

• complicações graves

Este tipo de interação pode ser extremamente benéfico para o paciente, ajudando-o a lidar melhor com a talassemia e a manter um senso de equilíbrio. Pode ser também extremamente gratificante para o médico, tanto em termos médicos como emocionais. Se o médico conseguir manter um diálogo

constante, freqüentemente encontrará nas pessoas talassêmicas habilidades que superam grandemente as de seus iguais quando enfrentam os grandes desafios da vida, como nascimento/morte, amor/solidão, e possibilidades/limites.

Aceitando o diagnóstico

O dia do diagnóstico é geralmente lembrado pelos pacientes como chocante e fulminante. Para ajudá-los a lidar com essa angustiante informação, a comunicação do diagnóstico deve ser feita em condições específicas:

• A sala e o momento devem ser escolhidos de modo a fornecer uma atmosfera que mantenha as esperanças sem iludir ou deprimir.

• O médico deve discutir o diagnóstico com ambos os pais juntos, reservando bastante tempo para ouvir suas

preocupações e responder às perguntas.

• As informações devem ser sinceras, completas, e repetidas quantas vezes for necessário. O peso das emoções

negativas pode ser tão grande que os pais podem parecer confusos mesmo depois da informação completa ter sido dada mais de uma vez.

• A discussão deve ser renovada nos meses que se seguem ao diagnóstico, com a mesma atenção para as condições, e de preferência com o mesmo médico, a fim de se preservar a continuidade.

A criança deve ser incluída assim que possível. Já aos três a cinco anos de idade os jovens pacientes começam a fazer

perguntas cruciais sobre a duração do atendimento e as possibilidades de cura. Esses aspectos devem ser atendidos com sensibilidade e honestidade.

Impacto psicológico da anemia e da transfusão

A anemia grave fará com que o paciente se sinta fraco e

vulnerável. A manutenção de um nível adequado de hemoglobina por meio de terapia de transfusão adequada(ver Capítulo 3) elimina esses sintomas e reduz a ansiedade do paciente sobre a morte. A diminuição da hemoglobina no intervalo das

transfusões, entretanto, pode permitir que esses sintomas reapareçam. Isso dá ao paciente a sensação de instabilidade e dúvida quanto a suas capacidades físicas.

A necessidade de transfusões periódicas comprova que a energia vital vem de outras pessoas, o que implica em

dependência. Essa terapia não cura; ela meramente compensa, como um “remendo” mensal da anemia, dando vida e bem-estar mas também transportando os produtos danosos complementares dos vírus e do ferro, os quais necessitam de tratamento adicional. Essa combinação de vantagens e desvantagens da transfusão encontra um paralelo nas reações psicológicas dos pacientes aos seus tratamentos. Os pacientes multiplamente transfundidos podem experimentar tanto sentimentos positivos de gratidão como sentimentos negativos de estar contaminados ou arruinados.

Psicologia da terapia de quelação

O médico precisa estar muito familiarizado com os aspectos emocionais da quelação, já que a aderência à terapia

determina o prognóstico.

• A quelação é um tratamento psicologicamente exigente, já que é “o remendo de outro remendo”; ela trata

parcialmente as complicações de outro tratamento (transfusão).

• Como a transfusão, ela é uma lembrança da doença de alguém, mas numa base diária.

• A quelação adequada começa nos primeiros anos de vida. • Ela implica em um pequeno ato de agressão, seja auto-

direcionado ou inflingido por pessoas queridas pelo paciente.

• As puncturas causadas pelas agulhas causam um dano na imagem corporal. O paciente pode se sentir “tão cheio de furos quanto uma peneira.”

• As restrições de tempo e movimento relacionadas com o uso da bomba, geram sentimentos de ser diferente e limitado. • A eficácia da droga não pode ser checada rápida e

diretamente pelo paciente. Por isso a aderência ocorre em função da confiança; quer dizer, ela reflete a qualidade do relacionamento médico-paciente e a crença em

beneficios a longo prazo.

Esses aspectos emocionalmente aflitivos da quelação podem dar origem a uma tendência contraproducente por parte do paciente com talassemia, dos pais, e mesmo do médico atendente, para tacitamente encorajar a não aderência à terapia a fim de evitar os estados psicológicos negativos.

Os pais podem:

• Ainda não ter superado o choque do diagnóstico. A administração da infusão pode ser dolorosa se eles se sentirem responsáveis pelo desconforto de seu filho. • Usar a quelação como um instrumento de controle quando a

criança chegar à adolescência. Os pacientes podem:

• Constatar, somente após muitos anos de má quelação, quão lesiva pode ser a sobrecarga de ferro.

• Permitir-se um estado de “negação” dos vínculos entre má aderência e mortalidade.

• Adotar atitudes de recusa, sentindo-se “torturados” em lugar de tratados.

• Explorar qualquer oportunidade ou desculpa para pular a infusão desse dia.

• Permitir que sentimentos de baixa auto-estima prejudiquem suas atitudes ao auto-atendimento e auto-tratamento.

• Selecionar repetidamente os mesmos locais para inserção da agulha, permitindo que as reações locais se tornem mais freqüentes e graves.

Os médicos podem:

• “Barganhar” com o paciente, prescrevendo uma dose ou

freqüência mais baixa de ferrioxamina que a indicada para a quantidade de carga de ferro.

• Ser rigidamente inflexíveis, insistindo na prescrição e julgando, reprimindo ou mesmo ameaçando o paciente. Embora a motivação subjacente a essas reações seja em geral um desejo de fornecer alívio ao desconforto do paciente e fazê-lo sentir-se melhor, os efeitos a longo prazo desse comportamento são danosos para a saúde física e o bem-estar emocional do paciente.

Recomendações:

• Definir e resolver os aspectos práticos da quelação adequada (ver Capítulo 5).

• Dar a devida atenção aos aspectos psicológicos, já que o menosprezo aos mesmos enfraquece a eficácia do

relacionamento médico-paciente e aumenta os fracassos de tratamento.

• Promover, assim que possível, a mudança do controle dos pais para o paciente. Muitos pacientes com talassemia podem começar a assumir o controle de seu regime de

medicação a partir dos 6 anos de idade. O início precoce do auto-controle limita a super-proteção e estimula a autnomia do jovem paciente. Isso também dá alívio aos pais e, em última análise, melhora a qualidade de vida de toda a família.

• Encorajar os pacientes a se sentir recompensados por terem conseguido atingir os objetivos terapêuticos mutuamente acordados.

• Lembrar-se de que a aderência elevada por longo prazo promove boa capacidade e auto-confiança, sendo um fator chave positivo na manutenção do bem-estar emocional.

Impacto psicológico das complicações da doença

Na talassemia, uma complicação grave como cardiopatia ou

diabetes pode aparecer durante a adolescência ou no início da idade adulta. O paciente passa por um período de reajuste

psicológico, no qual deve tentar integrar as esperanças, entusiasmo e desejos típicos da juventude com um estado

físico comprometido e com condições médicas típicas da idade avançada. Nessa situação, o paciente inadequadamente apoiado pode se sentir “desesperadamente arruinado”, desistindo da saúde e da terapia continuada.

Mesmo em casos muito graves, ainda é possível lidar com o sofrimento, compartilhando e trabalhando em conjunto para encontrar meios de aceitação dos novos limites estabelecidos pela situação. O médico deve encorajar o paciente a manter seus cuidados, mesmo que as complicações sugiram um mau prognóstico de sobrevivência.

Resumo dos objetivos psicológicos

Os objetivos psicológicos são:

• Fornecer informações que promovam a compreensão da doença • Ajudar o paciente e seus pais a falar e expressar seus

sentimentos sobre a doença

• Ajudar o ppaciente a aceitar a doença e se cuidar • Manter esperanças realistas

• Facilitar um estilo de vida “normal” para encorajar a auto-estima.

Para por em prática essas tarefas, o médico deve:

• Ter a mente aberta para os aspectos psicológicos de ter e tratar uma doença hereditária

• Ser treinado no desenvolvimento psicossocial da infância à idade adulta

• Ter sensibilidade em relação às condições especiais dessa doença hereditária crônica

• Estar disponível para acompanhar e apoiar o paciente ao longo de toda sua vida.

Evidentemente, não é possível que um médico forneça esse último apoio se a organização do sistema de atendimento à saúde não lhe der a oportunidade de trabalhar com os

pacientes a longo prazo. A “rotação” de médicos experientes para centros diferentes, ou a transferência dos pacientes para uma clínica diferente em uma idade arbitrária, podem comprometer seriamente o bem-estar psicológico, o tratamento e o prognóstico de um paciente. O apoio psicológico

capacitados mas também pressupõe uma estrutura organizacional que permita a prestação bem sucedida de um atendimento

apropriado e amplo.

11: Talassemia Intermédia