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Talassemia Intermédia Definição

115 TALASSEMIAS DE ADULTOS

11: Talassemia Intermédia Definição

A talassemia intermédia abarca um espectro clínico muito mais amplo que a talassemia major. Sua própria designação é um rótulo aplicado a pacientes com talassemia e anemia com reticulócitos ou glóbulos vermelhos nucleados aumentados, e um decurso clínico em geral independente de transfusão. A gravidade da talassemia intermédia é extremamente

heterogênea. Na extremidade grave do espectro clínico, os pacientes apresentam idades entre 2 e 6 anos, e embora sejam capazes de sobreviver sem transfusões regulares de sangue, está claro que seu crescimento e desenvolvimento são

retardados. Na outra extremidade do espectro estão os pacientes completamente assintomáticos até a vida adulta, apenas com anemia leve (8-10 g/dl) e que podem necessitar apenas ocasionalmente, ou nunca, de transfusões. Em alguns pacientes, a esplenomegalia causada por excessiva destruição de glóbulos vermelhos ou aglomerado de glóbulos vermelhos leva a um hiperesplenismo que pode, por sua vez, exacerbar a anemia e tornar o paciente dependente de transfusões. Isso pode ser revertido com a esplenectomia [Weatherall 1981]. Base molecular

Está claro agora que o fator chave na patogênese da talassemia é a quantidade de cadeias α livres que se

precipitam no interior da célula, causando dano grave e morte das células eritróides. O excesso de cadeia α está

relacionado com a magnitude da eritropoiese ineficaz. Isso implica em que deve ser esperada uma condição talassêmica mais branda (talassemia intermédia) quando:

a. o defeito talassêmico não provoca a ausência completa de síntese da cadeia β. Em outras palavras, ele permite a síntese de uma quantidade subnormal de cadeis β, o que leva menos a um excesso de cadeias α do que à ausência completa de cadeias β.

b. é alta a quantidade de cadeias γ que ficam disponíveis no interior das células eritróides talassêmicas devido à

ativação dos respectivos genes, porque esses últimos neutralizam uma grande parte das cadeias α não ligadas, e c. é suprimida a síntese de cadeias α pela presença

concomitante de um ou mais defeitos da α-talassêmicos. Na Figura 11.1 são apresentados exemplos das interações acima, a qual inclue também algumas raras interações de interesse.

Figura 11.1: Interações do gene globina resultando em talassemia

intermédia

Dois genes talassêmicos

♦ Genes β++/β++ da talassemia, causando redução leve da síntese da cadeia β e, conseqüentemente, menor excesso de cadeia α

♦ Genes β+/β+ da talassemia e co-herança de um ou mais genes α da talassemia, provocando redução direta do excesso de cadeia α ♦ Presença de genes que reforçam a síntese da cadeia γ em cis

(talassemia δβ apagadora ou não apagadora, o polimorfismo –158 5’para o gene Gγ Xmn), ou

♦ Presença de genes que reforçam a síntese da cadeia γ em outros cromossomas (#6, cromossoma X), resultando em redução do excesso de cadeia α por meio da formação de tetrâmeros α2γ2 (HbF).

ββββ-talassemia in trans com uma variante talassêmica

♦ β-talassemia++ em um cromossona e HbE, HbKnossos ou outra variante

com síntese reduzida no outro

Apenas um gene ββββ com defeito

♦ β-talassemia heterozigota e presença simultânea de mais que dois genes α em um ou ambos os cromossomas, resultando em

significativo excesso de cadeias α que não podem ser removidas por proteólise e se precipitam no interior da célula, causando a morte prematura das células eritróides.

♦ Talassemias “dominantes” devido a codificação “variante” dos genes da globina para cadeias β hiper-instáveis, as quais se precipitam imediatamente ou logo após sua liberação dos

ribossomas, desse modo provocando um excesso deletério de cadeia α e anemia.

Conforme já foi dito, a identificação molecular dos genes talassêmicos subjacentes é agora sistemeticamente procurada em todos os pacientes e pode ajudar a predizer o grau

esperado de supressão da síntese da cadeia β. Além disso, em diversas mas não em todas as ocasiões, as mesmas técnicas são aplicadas para identificação das seqüências de DNA que podem

favorecer a síntese da cadeia γ, tal como o apagamento tanto do gene δ como do gene β, o que é conhecido como talassemia δβ, as várias formas de persistência da hemoglobina fetal (HPFH), e o local polimórfico Xmn I no nucleotídeo –158, 5’para os genes Gγ. Hoje, os estudos moleculares de todos os pacientes estão se tornando um instrumento importante para escolha da mais apropriada abordagem terapêutica.

A Figura 11.2 resume as mutações mais comuns da β-globina na talassemia intermédia e na talassemia major, conforme

estabelecido em uma grande coorte de pacientes de origem Mediterrânea [Camaschella 1997].

Figura 11.2: Mutações da β-globina em 298 alelos de talassemia média e 254 alelos de talassemia major, em pacientes de origem Mediterrânea

Mutações Talassemia Intermédia n.(%) Talassemia Major n.(%) Cd 39 C→T 72(24) 136(53,5) IVSI-110 G→A 52(17) 58(23) IVSI-6 T→C 94(31,5) 16(6,3) IVSI-1 G→A 8(2,7) 19(7,4) IVSII-1 G→A 14(4,7) 10(3,9) IVSII-745 C→G 11(3,7) 9(3,5) -101 C→T 10(3,3) - Cd 6 – A 10(3,3) 3(1,2) -87 C→G 8(2,7) - δβSiciliana 13(4,3) - Lepore Boston 2(0,7) - IVSI-5 G→A - 1(0,4) IVSI-5 G→C 1(0,3) - IVSII-844 G→C 1(0,30 - IVSI-2 T→A 1(0,3) - Cd 44 –C - 1(0,4) Cd 8 –AA 1(0,3) 1(0,4) Total 298(100) 254(100) Diagnóstico diferencial

A diferenciação entre talassemia major e talassemia

intermédia à apresentação é essencial para a determinação do tratamento apropriado do paciente. Realmente, a previsão acurada de um fenótipo leve pode evitar transfusões

diagnóstico de talassemia major permitirá um início precoce do programa de transfusão, desse modo evitando ou retardando o hiperesplenismo e reduzindo o risco de sensibilização

antigênica do glóbulo vermelho. Infelizmente, a identificação acurada desses dois fenótipos é notavelmente difícil. Apesar disso, uma análise cuidadosa dos dados clínicos,

hematológicos, genéticos e moleculares pode permitir uma atitude razoável de tratamento. A Figura 11.3 apresenta os critérios mais úteis para diferenciação entre talassemia major e talassemia intermédia.

Figura 11.3: Critérios que podem ajudar a diferenciação entre

talassemia major e intermédia na apresentação. Cada aspecto apresentado pode ajudar a decidir entre o diagnóstico de

talassemia major ou talassemia intermédia, mas todos os aspectos devem ser considerados em conjunto e não isolados.

Mais provavelmente Talassemia Major Mais provavelmente Talassemia Intermédia Clínico • Apresentação (anos) • Níveis de Hb (g/dl) • Aumento do fígado/baço < 2 < 7 Grave > 2 8-10 Moderado a grave Hematológico • HbF (%) • HbA2 (%) < 50 < 4

10-50 (pode ser até 100%) > 4 Genético • Pais Ambos portadores de β-talassemia HbA2 Um ou ambos portadores atípicos: - β-talassemia HbF elevada - HbA2 limítrofe Molecular • Tipo de mutação • Co-herança de α- talassemia α • Persistência hereditária de hemoglobina fetal • δβ-talassemia • Polimorfismo G y XmnI Grave Não Não Não Não Leve/silenciosa Sim Sim Sim Sim

A Figura 11.4 mostra um fluxograma útil para uma abordagem diagnóstica molecular visando a diferenciar a talassemia major da talassemia intermédia. Ele deve, entretanto, ser

combinado com uma abordagem clínica, já que não são incomuns excessões à gravidade da doença baseadas na análise genética.

Figura 11.4: Diagnóstico diferencial entre as talassemias major e

intermédia

Mutações do gene β

Leve/Leve Leve/Grave Grave/Grave α-talassemia -158 Gγ +/+ +/- -/- HPFH heterozigota (Estudos Familiares) Talassemia

Intermédia sim não ?

Talassemia Major

Manifestações clínicas

Três fatores principais são responsáveis pelas manifestações clínicas da talassemia intermédia: a) eritropoiese ineficaz, b) anemia crônica, c) sobrecarga de ferro. A gravidade desses fatores depende dos defeitos moleculares subjacentes

determinando o excesso relativo de cadeias de α-globina. Devido à extraordinária heterogeneidade da talassemia intermédia, alguns pacientes apresentam muito poucas anormalidades clínicas, enquanto que outros apresentam

conseqüências graves em decorrência da eritropoiese ineficaz e da anemia. A expansão da medula óssea, uma conseqüência da grave eritropoiese ineficaz, resulta em deformidades

características do crâneo e face, além de adelgaçamento cortical e fraturas patológicas dos ossos longos. A anemia crônica causa absorção gastrintestinal acelerada do ferro. Enquanto a carga de ferro é menos acelerada que o acúmulo de ferro transfusional em pacientes com talassemia major, os pacientes com talassemia intermédia freqüentemente

desenvolvem doença cardíaca, fibrose hepática, anormalidades endócrinas, diabetes mellitus e outras complicações da

sobrecarga de ferro. Além do mais, os pacientes com

talassemia intermédia sofrem várias complicações bastante incomuns em pacientes portadores de talassemia major

adequadamente transfundidos, como deficiência de ácido fólico, úlceras da perna, cálculos biliares e trombose. Controle

Terapia de transfusão

Devido a heterogeneidade da doença, é muito difícil a decisão de iniciar transfusões regulares na talassemia intermédia. Complicações médicas recorrentes ou persistentes, como facies anormal, crescimento retardado, expansão aumentada da medula óssea, fraturas patológicas ou complicações cardíacas devido à anemia crônica, são indicações definitivas de que são

necessárias transfusões de sangue. Uma vez que tenham sido iniciadas, não há benefício em limitar a quantidade ou freqüência das transfusões, sendo que isso não deve ser tentado.

Os pacientes com níveis de hemoglobina entre 8 e 10 g/dl podem precisar de transfusões durante infecções ou outras condições agudas. O desenvolvimento de hiperesplenismo pode tornar esses pacientes dependentes de transfusão, mas essa situação pode ser revertida com a esplenectomia.

Foi observado que o início das transfusões depois do terceiro ano aumenta o risco de aloimunização dos glóbulos vermelhos. Por esse motivo, foi sugerido que as primeiras transfusões devem ser realizadas conjuntamente com 3-5 dias de tratamento esteróide, visando a minimizar esse risco, embora não esteja comprovada a eficácia dessa abordagem.

É recomendável a suplementação com ácido fólico por via oral (1 mg/dia), pois os pacientes com talassemia intermédia

apresentam o risco de deficiência relativa de folato. As mulheres grávidas portadoras de talassemia intermédia precisam ser cuidadosamente monitoradas, podendo ser necessário transfusões.

Esplenectomia

As principais indicações para a esplenectomia são os sinais clínicos de hiperesplenismo (aumento do baço e baixa do nível médio de Hb), redução da taxa de crescimento, e decréscimo da sensação de bem-estar, na ausência de outros possíveis

fatores interativos, como infecção. A esplenectomia deve ser levada em consideração se esses indicadores se tornarem

evidentes (remover sem demora). Entretanto, desde que os pacientes com talassemia intermédia permaneçam bem e

apresentem um nível aceitável de Hb, não há necessidade de esplenectomia.

A trobocitopenia e a leucopenia sintomáticas geralmente aparecem mais tarde na progressão do hiperesplenismo, mas também são indicações para a esplenectomia. As recomendações sobre o controle antes e depois da esplenectomia são as

mesmas da talassemia major (Capítulo 4). A esplenectomia

antes dos 5 anos de idade envolve um grande risco de infecção e por isso em geral não é recomendada.

Antes ou durante a esplenectomia, a vesícula biliar deve ser checada quanto à presença de cálculos biliares, comuns nos pacientes com talassemia intermédia, devendo ser realizada colecistectomia, se necessário. Um exame macroscópico e a biópsia do fígado por ocasião da esplenectomia, oferecem uma boa oportunidade para avaliação da histologia e do conteúdo de ferro do fígado.

Terapia de quelação do ferro

A sobrecarga de ferro ocorre mesmo em pacientes com talassemia intermédia não transfundidos, devido à

eritropoiese ineficaz, destruição periférica de glóbulos vermelhos e aumento da absorção intestinal de ferro. A carga de ferro secundária a essas causas é menos acelerada que a associada à sobrecarga transfusional de ferro nos pacientes talassêmicos dependentes de transfusão. Apesar disso, as

conseqüências clínicas são similares, embora isso ocorra mais tarde na vida. Um estudo relatado sobre o equilíbrio do ferro em pacientes com talassemia intermédia, indica que nesses pacientes a carga de ferro pode ser da ordem de 2-5 g de ferro por ano [Pippard 1982].

Os pacientes mais idosos, portadores de talassemia

intermédia, podem apresentar o mesmo risco de disfunção hepática, cardíaca e endócrina induzida pelo ferro que os pacientes com talassemia major. Nos pacientes com talassemia intermédia têm sido observadas concentrações elevadas de ferro hepático (LIC), a despeito de um ligeiro aumento da ferritina sérica [Fiorelli 1990]. Por esses motivos, a medida da concentração hepática de ferro ou o início da terapia de quelação do ferro devem ser seriamente levados em

consideração nos pacientes com talassemia intermédia que apresentam a ferritina aumentada mesmo moderadamente. A

saturação da transferrina pode ser mais confiável que a ferritina na talassemia intermédia, mas é recomendada uma determinação direta da carga de ferro pela medição da

concentração do ferro hepático por meio de uma biópsia ou de métodos não invasivos.

Os pacientes com talassemia intermédia devem ser aconselhados a evitar a ingestão de alimentos particularmente ricos em ferro (p.ex., fígado), e a evitar alimentos “naturais” e bebidas com quantidades elevadas de suplementos de ferro. O hábito de tomar chá preto às refeições reduz a absorção do ferro não-heme.

A terapia de quelação deve ser iniciada quando a sobrecarga de ferro for determinada por exames bioquímicos ou

histoquímicos. Pode ser suficiente a desferrioxamina administrada subcutaneamente 2 a 3 dias por semana. O tratamento deve ser monitorado da mesma maneira que nos pacientes submetidos a transfusões regulares (ver Capítulo 5).

Osteoporose

Quase todos os pacientes com talassemia intermédia apresentam os valores da densidade mineral óssea espinhal (S-BMD) no limiar de fratura ou próximo dele. Como a osteoporose é uma doença progressiva, a prevenção e o diagnóstico precoce são mais eficazes que a tentativa de tratamento de uma doença estabelecida. Os pacientes osteopênicos devem ser encorajados a realizar exercícios ativos, aumentar a ingestão diária de cálcio e evitar o fumo. Eles também podem se beneficiar com a suplementação oral de cálcio e vitamina D. Os bifosfonados têm sido usados recentemente com sucesso no tratamento da osteoporose pós-menopausal. Seu papel nos pacientes com talassemia ainda precisa ser validado.

Massas eritropiéticas extramedulares

A medula óssea hiperplástica provoca a formação de tecido eritropoiético extramedular, principalmente no tórax e na região para-espinhal. Isso pode causar complicações

neurológicas, devido à compressão da medula espinhal. A

presença das massas pode ser documentada por Raios-X ou, mais precisamente, por MRI. Um regime de hipertransfusão

geralmente reduz essas massas. Em alguns casos pode ser

necessário radioterapia, quando já estão documentadas lesões neurológicas. Recentemente, alguns casos foram tratados com

sucesso com hidroxiuréia; no momento, porém, não estão disponíveis dados de estudos controlados.

Úlceras da perna

As úlceras da perna, uma complicação comum nos pacientes adultos com talassemia intermédia, são muito difíceis de tratar. Nos casos persistentes, transfusões regulares dão algum alívio. São recomendadas medidas simples, como manter pernas e pés elevados acima do nível do coração por 1 a 2 horas durante o dia, quando possível, e dormir com a

extremidade inferior da cama elevada cerca de 10 cm. A

hidroxiuréia, só ou em combinação com a eritropoietina, tem sido usada com algum benefício em casos esporádicos.

Trombofilia

Os pacientes com talassemia intermédia apresentam um maior risco de eventos trombólicos quando comparados com a

população em geral. Diversos mecanismos podem estar envolvidos para explicar o estado trombofílico desses

pacientes, inclusive a atividade pró-coagulante dos glóbulos vermelhos circulantes lesados, e a possível co-herança de defeitos da coagulação [Ruft 1976]. Embora não haja, no momento, um consenso sobre o tratamento profilático, é recomendado um antiagregante plaquetário quando existir trombose, sendo administrado tratamento anticoagulante (p.ex., heparina com baixo peso molecular) em pacientes submetidos a operações cirúrgicas ou quando é documentada trombose. A terapia anticoagulante deve ser cuidadosamente monitorada. Transfusões antes da cirurgia podem reduzir a atividade pró-coagulante dos eritrócitos talassêmicos.

12: ββββ-talassemia/Hb E