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Atendimento Geral à Saúde e Estilo de Vida na Talassemia Estilo de vida

115 TALASSEMIAS DE ADULTOS

14: Atendimento Geral à Saúde e Estilo de Vida na Talassemia Estilo de vida

Se for obtido um equilíbrio entre a doença e seu tratamento, um indivíduo com talassemia major pode desfrutar um estilo de vida normal e conhecer um desenvolvimento físico e emocional regular da infância à idade adulta, inclusive a paternidade (maternidade). O médico atendente deve promover essa

progressão, tentando reduzir tanto quanto possível a

interferência da doença na vida pessoal e social do paciente. A partir de um ponto de vista prático, o médico deve:

• Estabelecer um esquema de transfusões e prescrição de quelação que minimize qualquer impacto desnecessário sobre a atividade diária normal.

• Estar ciente dos aspectos psicológicos particulares de atendimento à saúde nessa condição crônica (ver Capítulo 10).

Confidência vs. reserva

O paciente deve ter o direito de decidir se, quando e com quem falar sobre sua doença. Esse direito deve ser levado em consideração antes de outros pontos de vista (p.ex., dos pais, escola, hospital e organismos oficiais).

O médico deve:

• Assegurar confidência da identidade e dados de seu paciente em todas as circunstâncias

• Ajudar os pais a estar logo cientes dos aspectos

relacionados com a doença (p.ex., ensinando os pais a decidir com a criança, a partir dos 6 anos de idade, se e como comunicar sobre a talassemia à escola)

• Auxiliar o paciente a estabelecer uma posição realista e equilibrada entre ser aberto ou reservado sobre a doença.

Escola

Se os níveis de hemoglobina do paciente forem mantidos em torno dos valores recomendados neste livro, não deverá ser observada nenhuma interferência com o desempenho acadêmico. Se for permitido que o nível de hemoglobina caia muito, o paciente poderá ter dificuldades na escola. A variabilidade individual, entretanto, é muito grande.

Embora os esquemas de transfusão e seguimento exijam um certo número de ausências, elas não devem ser tantas que

prejudiquem o desempenho escolar.

Em casa

Os pacientes esplenectomizados devem ser alertados sobre o risco de ter animais em casa, devido à possibilidade de

mordidas e seu crescente risco de septicemia (Capnocytophaga canimorsus). Os pacientes com hepatite adquirida ou outras infecções virais devem adotar medidas gerais (discutidas no Capítulo 8) para manter baixo o risco de transmissão à

família.

Trabalho

Em geral, é importante para os pacientes assumir uma atitude positiva em relação à sua capacidade de trabalho. É incomum que pacientes bem tratados tenham dificuldade em realizar um trabalho em resultado direto de sua doença. A doença cardíaca deve estar muito avançada antes de provocar sintomas na

talassemia. A osteoporose, as fraturas ósseas ou a dor nas costas podem causar dificuldades na realização de certas tarefas físicas, podendo limitar a mobilidade.

Dependendo do país, a talassemia pode ser reconhecida como causa de um certo graus de incapacidade, com resultantes benefícios e facilidades especiais de emprego. Embora isso possa auxiliar a família e o paciente segundo um ponto de vista prático, deve ser tomado cuidado para que essas concessões não interfiram com uma atitude positiva de normalidade, auto-estima e capacidade de trabalho.

Vida sexual e reprodutiva

As diferênças na aparência (aspectos faciais, altura, cor da pele) podem afetar a auto-confiança e a participação na vida

social. Na adolescência, a ausência ou retardo do desenvolvimento sexual é vista como particularmente

estigmatizante pelos pacientes. O tratamento favorável e oportuno do hipogonadismo limita esses efeitos. Ser portador de uma infecção viral acrescenta dificuldades ao

comportamento sexual.

Hoje em dia é possível às pessoas com talassemia major ter filhos espontaneamente ou por meio de indução da gravidez. A atitude dos pacientes com a paternidade/maternidade pode variar de sentimentos desnecessários de inadequação

psicofísica a uma superestimativa dos riscos e dificuldades envolvidos. O médico deve auxiliar o(a) paciente e seu(sua) parceiro(a) a chegar a uma posição equilibrada. A decisão de induzir ou não a gravidez por meios médicos pode ser difícil, levando-se em conta as expectativas do(a) paciente e de

seu(sua) parceiro(a), os riscos da gravidez, e o prognóstico do(a) paciente a longo prazo. É necessário um aconselhamento detalhado para explorar esses aspectos de maneira sensível e completa.

Atendimento rotineiro à saúde

Vacinações

Não existem motivos na talassemia para que sejam omitidas ou retardadas as vacinações padronizadas recomendadas em cada respectivo país. Nos Capítulos 4 (esplenectomia) e 8

(infecções) são discutidas vacinações adicionais em pacientes talassêmicos.

Atendimento odontológico

Os talassêmicos transfundidos, super-transfundidos ou que iniciam as transfusões em um estágio avançado da doença, podem apresentar algumas más-formações dos ossos faciais, devido à expansão medular. Isso pode afetar o cresciento dos dentes e causar má oclusão. O atendimento ortodôntico pode ser bem sucedido ao melhorar a função mastigatória e/ou corrigir aparências dentais não estéticas.

Viagens

As viagens trazem um grau de risco, o qual aumenta se o

paciente não puder retornar ao centro principal de tratamento ou receber tratamento especializado local caso ocorram

viajando para um país distante, é vital que seja obtido um seguro de viagem adequado, de modo que, se ocorrerem

quaisquer complicações graves, o paciente possa voar

imediatamente para casa, com provisão de qualquer assistência médica necessária. Se o paciente planejar uma excursão, o médico deverá, tanto quanto possível, informar sobre o hospital mais próximo com experiência em talassemia. Devem ser obtidas informações detalhadas sobre os riscos de

infecção no país a ser visitado, devendo ser realizadas com antecedência vacinações e profilaxia adequadas.

Sangue

Idealmente, um paciente deve receber transfusão sempre no mesmo local. A viagem e o esquema de transfusão devem ser organizados de modo que o paciente não precise receber

transfusão durante sua excursão, particularmente se nas áreas a serem visitadas os suprimentos de sangue trouxerem o risco de infecção por malária, HIV ou hepatite.

Quelação

As viagens e férias devem ser organizadas de modo a não

interferir com a quelação regular. O médico não deve tolerar a atitude de “pobre coitado” (ver Capítulo 10). As

solicitações para que consinta com ajustes do esquema de quelação para minimizar as interrupções, entretanto, também devem levar em conta aspectos práticos (p.ex., um adolescente planejando sua primeiras férias no campo com colegas) e de relacionamento (isto é, confidência ou comunicação livre sobre a doença).

Esplenectomia

O paciente esplenectomizado deve sempre viajar com

antibióticos, a fim de assegurar imediata medicação em caso de febre, sepsia ou picadas de animais. O médico deve

desencorajar viagens para onde seja significativo o risco de malária, pois essa doença pode ser mais grave em pessoas esplenectomizadas.

Nutrição

Geral

A menos que apresentem complicações, os pacientes com

das de outras crianças e adolescentes. Em geral, uma dieta retritiva é fácil de ser prescrita mas difícil de ser

mantida. Na talassemia, o paciente já tem um esquema pesado de tratamento e é contraprodutivo sobrecarregá-lo com mais restrições sem a possibilidade de um benefício evidente. Durante o crescimento é recomendada a ingestão normal de energia, com conteúdo normal de gordura e açucar. Durante a adolescência e na idade adulta, uma dieta pobre em

carboidratos altamente refinados (açucar, refrigerantes, lanches) pode ser útil na prevenção ou retardo do

aparecimento de tolerância diminuída à glicose ou diabetes. Não há nenhuma clara evidência de que uma dieta seja benéfica na prevenção ou controle de doença hepática, exceto nos

estágios finais.

Ferro

A absorção aumentada de ferro no trato intestinal é característica da talassemia (ver Capítulos 5 e 12). A

quantidade depende do nível de hemoglobina. A ingestão de um copo de chá preto às refeições reduz a absorção de ferro dos alimentos, particularmente na talassemia intermédia

[DeAlarcon 1979]. Não existem evidências, entretanto, de que as dietas pobres em ferro sejam úteis na talassemia major. Somente devem ser evitados os alimentos ricos em ferro (como fígado e algumas “bebidas naturais” ou coquetéis de vitaminas naturais).

Os pacientes com talassemia nunca devem receber suplementos de ferro. Muitos alimentos para crianças, cereais para o desjejum e preparados de multivitaminas contêm ferro adicionado, junto com outros suplementos vitamínicos. O paciente deve se habituar a ler cuidadosamente os rótulos.

Cálcio

Muitos fatores na talassemia provocam a depleção de cálcio. É recomendada uma dieta contendo quantidade adequada de cálcio (p.ex, leite, queijo, laticínios, repolho). Em alguns adultos com talassemia major, entretanto, pode ser constatada

nefrocalcinose, e nesse caso não devem ser dados suplementos de cálcio, a menos que exista uma clara indicação. Se for constatada nefrolitíase, deve-se considerar uma dieta pobre em oxalato. A vitamina D também será necessária para

ocorrer hipoparatireoidismo. Caso sejam usados suplementos, entretanto, será necessário uma monitoração cuidadosa a fim de se prevenir a toxicidade.

Ácido fólico

Os pacientes com talassemia que continuam sem transfusão ou estão em regimes de transfusão baixa, apresentam consumo aumentado de folato e podem desenvolver uma deficiência relativa de folato. Se isso ocorrer, podem ser dados suplementos (1 mg/dia). Os talassêmicos sob regimes de

transfusão elevados raramente desenvolvem essa condição e em geral não necessitam de suplementos.

Vitamina C

A sobrecarga de ferro faz com que a vitamina C seja oxidada numa taxa mais elevada, provocando deficiência de vitamina C em alguns pacientes. A vitamina C pode aumentar o “ferro

quelatável”, desse modo aumentando a eficácia da quelação com a desferrioxamina. Por outro lado, a ingestão de vitamina C aumenta o ferro lábil e, portanto, a toxicidade do ferro. A vitamina C também aumenta a absorção de ferro no intestino. Os suplementos, portanto, não devem ser tomados, exceto quando combinados com o tratamento com desferrioxamina (ver Capítulo 5).

Alguns medicamentos, como a aspirina e as pastilhas para a garganta, assim como certos “alimentos naturais”, podem conter vitamina C, devendo ser evitados. É recomendada uma dieta rica em frutas frescas, inclusive frutas cítricas e vegetais.

Vitamina E

A necessidade de vitamina E é grande na talassemia. O médico deve recomendar uma ingestão regular de óleos vegetais como parte da dieta balaceada. A eficácia e a segurança da

suplementação de vitamina E na talassemia major não estão, porém, formalmente determinadas, não sendo possível no momento fazer recomendações sobre seu uso.

Zinco

Pode ocorrer deficiência de zinco durante a quelação. A suplementação de zinco deve ser feita sob rigorosa

Abuso de substâncias

Álcool

Deve ser desencorajado o consumo de álcool pelos pacientes talassêmicos. O álcool potencializa a lesão oxidativa do

ferro e agrava o efeito de HBV e HCV sobre o tecido hepático. Se esses três fatores estiverem presentes, as possibilidades de desenvolvimento de cirrose e hepatocarcinoma serão

significativamente aumentadas. O consumo excessivo de álcool também resulta em diminuição da formação de osso, sendo um fator de risco de osteoporose. As bebidas alcoólicas podem ter interações inesperadas com as medicações.

Fumo

O fumo de cigarros pode afetar diretamente a remodelação óssea, estando associado à osteoporose.

Abuso de drogas

Em muitos países, é comum o abuso de drogas por adolescentes e jovens adultos. Em um indivíduo com uma doença crônica, o abuso de drogas pode ser uma séria ameaça a uma condição já perigosa, por alterar o delicado equilíbrio dos fatores que afetam a saúde física e mental. Esta é a atitude mais

realista, e o médico deve ajudar o paciente a manter essa posição. Há o perigo de que o abuso de drogas possa ser visto como uma maneira compensatória de ser popular com os colegas ou de ajustar seu comportamento. Sentimentos de dependência, diferença e anxiedade podem motivar as pessoas jovens com talassemia a procurar a “normalidade” por meio do abuso de drogas. Uma discussão franca sobre esses assuntos pode ajudar o paciente a estabelecer um critério sobre essas pressões. Atividades recreativas

Atividade física

Em geral, a atividade física deve ser sempre encorajada nos pacientes com uma doença crônica. Os pacientes com talassemia devem sempre ter uma qualidade de vida e experiências de vida tanto quanto possível iguais às das outras pessoas. Não

existem motivos para que eles sejam impedidos de exercer atividades físicas até os limites de sua capacidade e

interesse, a menos que exista uma condição médica secundária bem definida.

As condições em que o médico deve prestar uma atenção especial incluem:

• Esplenectomia: quanto maior o baço, mais prudente deve ser o médico ao recomendar que sejam evitados esportes e atividades físicas com risco significativo de trauma abdominal.

• Doença cardíaca: a atividade física moderada é benéfica, se conjugada à condição clínica e seu tratamento.

• A osteoporose ou a dor nas costas em adultos podem

limitar a atividade física. A osteoporose traz um maior risco de fraturas nos esportes de contato, os quais devem ser evitados se existir osteoporose.

Direção de veículos

Não é necessário nenhuma atenção especial. Em alguns países, a presença de diabetes mellitus requer checagens especiais e limitações.

Apêndice: Organização e Programação de um Centro de Talassemia

Importância de uma unidade dedicada à talassemia

A menos que o número de pacientes seja mínimo, a organização de uma Unidade de Talassemia é útil em termos tanto de

funcionalidade como de custos. Freqüentemente é

contraproducente tentar controlar muitos pacientes com

talassemia em grandes unidades multidisciplinares (Pediatria, Onco-hematologia, Centros de Transfusão) sem facilidades

especializadas, pois a maioria dos recursos é utilizada para a atividade principal da unidade (paciente agudo, paciente oncológico, transfusão).

Em uma unidade dedicada à talassemia, um médico especialmente treinado na doença supervisiona todos os aspectos do

tratamento, encaminhando a especialistas quando necessário. Os mais comumente envolvidos são:

• Enfermeira(s) especializada(s) • Cardiologista

• Endocrinologista • Diabetologista • Endocrinologista da reprodução • Andrologista ou Ginecologista • Psiquiatra/Psicólogo • Assistente social • Hepatologista • Especialista em transplante

O Centro deve ser especiaizado mas não isolado. A equipe requer uma estrutura de carreira com possibilidades de

promoção e contato regular com outros ramos da medicina, caso contrário os médicos e enfermeiras podem ter medo de perder sua experiência e as oportunidades de promoção, o resultado podendo ser que não queiram trabalhar no Centro. É essencial que a taxa de rotatividade na unidade seja mantida tão baixa quanto possível para que seja mantida continuidade no

atendimento. A equipe deve incluir uma enfermeira encarregada que supervisione a equipe de enfermagem.

A unidade de talassemia deve operar baseada em pacientes ambulatoriais; facilidades para transfusões à tarde, noite e durante a noite podem minimizar a inconveniência para a vida social do paciente.

Atendimento pediátrico vs. adultos

A escolha entre instalações para atendimento médico pediátrico ou adulto pode ser crucial. Os centros

pediátricos, principalmente de talassemia major, acumulam mais experiência e estão mais próximos da prevenção da doença genética. Conforme as oportunidades de tratamento melhoram, mais pacientes atingem a idade adulta (Fig. A.1), com um crescente número de fatores de risco e complicações. Isso requer uma abordagem mais semelhante à da medicina interna de adultos.

Figura A.1: Mudança de padrão da distribuição etária dos pacientes

com talassemia