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Para Marc Bloch (2001, p. 46), sua obra faz a apologia da História, mas não por declaração. Ele não quis exorcizar fantasmas ou tão pouco separar, para um debate, o que a História tem de bom ou ruim. Não se trata de mais um testemunho no tribunal. Seu esforço é uma avaliação pelo grau de certeza dos métodos que uma pesquisa historiográfica utiliza ou deve utilizar, “até na humilde e delicada minúcia de suas técnicas” (BLOCH, 2001, p. 46). Ou seja, sua postura é: a História é uma ciência, logo vamos estudar o método científico nos mínimos detalhes. É no modo de operar o método que a ciência da História deve ser avaliada como tal, principalmente diante dos problemas impostos ao historiador que lida com o método científico (BLOCH, 2001, p. 46). Como, por que e para que um historiador pratica seu ofício? Como escreve Bloch (2001, p. 46): “Ao leitor cabe decidir, em seguida, se tal ofício merece ser exercido”. E mais:

(...) a história não é a relojoaria ou a marcenaria. É um esforço para conhecer melhor: por conseguinte, uma coisa em movimento. Limitar-se descrever uma ciência tal qual é feita é sempre traí-la um pouco. É mais importante dizer como ela espera ser capaz de progressivamente ser feita. (2001, p. 44).

Bloch pontua as dificuldades em se estudar métodos, que são variáveis ligadas até onde cada ciência chegou em seu desenvolvimento nunca terminado. Ele justifica e argumenta dizendo que a Física Newtoniana era mais fácil de expor do que a atual, ou melhor, a da sua atualidade. Percebe-se aqui um dos critérios de progressão científica para Bloch, que parece estar ligado a graus de dificuldade.

Voltando para a História, o autor delineia que a História enquanto ciência, enquanto empreendimento racional de análise, é muito jovem. É uma ciência em

marcha, mas que está na infância. Bloch a coloca na balança, abordando que, sob a velha forma da narrativa, apinhada de ficções coladas aos acontecimentos apreensíveis, a História é velha, mas como ciência, a História está em um estágio inicial, em constituição. Como ciência possui dificuldades, como:

(...) penetrar, enfim, no subterrâneo dos fatos de superfície, para rejeitar, depois das seduções da lenda ou da retórica, os venenos, atualmente mais perigosos, da rotina erudita e do empirismo, disfarçados em senso comum. Ela (a História) ainda não passou, quanto alguns dos problemas essenciais de seu método, os primeiros passos. (2001, p. 47).

Aparece aqui claramente uma aversão a pensadores que trabalham a História defendendo a sua similaridade com a Arte, com a ficção e não com a ciência. No entanto, o debate travado por Bloch se direciona mais solidamente contra outros pensamentos e conceitos, sobretudo os de cunho positivista.

Marc Bloch, no calor do debate, se coloca à frente de seus imediatos (entre os dos séculos XIX e XX), por considerá-los alucinados por uma imagem bastante rígida, uma imagem verdadeiramente comtiana das ciências do mundo físico, em que tudo deveria desembocar em demonstrações irrefutáveis, em definições baseadas em leis imperiosamente universais. É possível identificar tal postura em pensadores e correntes de pensamento de tradição iluminista, que tinham uma visão de História como o progresso da humanidade. Outros, como os positivistas e os historiadores da escola metódica, viam a História como uma exposição objetiva, do fato. Entre esses se destaca uma das maiores expressões da escola metódica e que foi um dos professores de Marc Bloch: Charles Seignobos (1863-1929). Esse cenário, segundo Bloch, gerou duas tendências conflitantes no que tange aos estudos históricos.

Uma tendência formula uma posição no sentido de instituir uma ciência da evolução humana, conformando-se com o ideal pancientífico. Esses pensadores levaram tão a sério os seus trabalhos, diz Bloch (2001, p. 47), que deixaram de lado realidades bem humanas, que lhes pareciam não ter importância alguma. A esse tipo de conhecimento, um resíduo segundo Bloch, eles chamavam de acontecimento; era também uma parte da vida mais individual. Ele exemplifica falando criticamente de uma escola, mas que muito lhe influenciou:

Essa foi em suma, a posição da escola sociológica fundada por Durkheim. Ao menos se não ignorarmos concessões que, à primeira inflexibilidade dos princípios, vimos pouco a pouco introduzidas por homens inteligentes demais para não sofrerem a revelia, a pressão das coisas. Nossos estudos devem muito a esse grande esforço. Ele nos ensinou a analisar mais profundamente, a cerrar mais de perto os problemas, a pensar, ousaria dizer, menos barato. Não falaremos dele senão com reconhecimento e respeito infinitos. Se hoje parece ultrapassado, é, para todos os movimentos intelectuais, cedo ou tarde, o resgate de sua fecundidade. (2001, p. 48). Confirmando a influência de Durkheim em Bloch, Peter Burke (1997, p. 26) pontua:

A carreira de Bloch não foi muito diferente da de Febvre. (...); contudo, como comprova a análise de suas últimas obras, sua maior influência foi a do sociólogo Émile Durkheim, que iniciou sua carreira de professor na École mais ou menos na época de seu ingresso. Ele mesmo um egresso da École, aprendeu a levar a história com seriedade através de seus estudos com Fustel de Coulanges ( LUKES, 1973, p. 58ss, apud, BURKE, 1997, p.26). E ainda:

Em sua maturidade, Bloch reconheceu sua profunda dívida com a revista de Durkheim, Année Sociologique, lida entusiasticamente por um grande número de historiadores de sua geração, tais como Lois Gernet, dedicado ao estudo das letras clássicas, e o sinologista Marcel Granet (BLOCH, 1935, p. 393,

apud, BURKE, 1997, p. 26.).

Já, outros pensadores, que se alinham a uma tendência que se distância daquela primeira, não conseguindo colocar a História nos quadros do legalismo físico, inclinaram-se em ver nela, em lugar de um conhecimento científico, uma espécie de jogo estético, ou melhor, de exercício benéfico à saúde do espírito. Foram denominados à vezes, diz Bloch, de “historiadores historizantes” (2001, p. 48), ou historiadores românticos, que Marc Bloch reluta em chamá-los de historiadores.

Como ciência definida, não apenas por vãs declarações, a História se autodestina a ser ensinada e aprendida. Para Bloch, ensino e aprendizagem são características de cientificidade numa determinada ciência, como a História. Esse é o aspecto do pensamento blochiano que se analisa a seguir.