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A obra de Marc Bloch é vastíssima, não pela quantidade publicada, mas pela influência que exerceu no campo da historiografia mundial no século XX. Além disso, o resultado de seus pensamentos e ponderações acerca da História deram fundamento para a criação de uma escola historiográfica de renome, onde juntamente com Lucien Febvre gerou em 1929 a prestigiosa escola do Annales, que teve um papel fundamental na constituição de um novo modelo de historiografia. Não é por acaso que Marc Bloch é considerado por muitos o maior medievalista e historiador do século XX.

Diante disso, justifica-se porque apresentar e refletir sobre os conceitos de Bloch pontuados e trabalhados na sua última obra de 1949, Apologie pour

l'histoire ou métier d'historien (Apologia da história ou o ofício de historiador), obra

que, devido ao assassinato do autor pelo exercito alemão em plena 2ª Guerra Mundial, ficou inacabada. Primeiro, porque trata-se de uma obra que se objetiva a perguntar e responder questões de base, questões atualíssimas, que oferecem reflexões sobre os porquês da existência da História como ciência e dos seus processos epistemológicos (BLOCH, 2001, p. 15). Em segundo lugar, com a ajuda de Le Goff, também é possível lançar questões como: esse último trabalho de Bloch trata da metodologia da História, que traduz de fato a metodologia aplicada em suas obras, ou marca uma nova etapa de sua reflexão e projetos? Ambas as questões levantadas por Le Goff, e que ele trabalha no prefácio do livro de Bloch, são questões de referência e dignas de muita atenção, pois ambas tratam o livro como um marco nas reflexões metodológicas sobre a História. A intenção de Le Goff é tentar dizer o que significou esse texto no contexto geral da historiografia, em particular na historiografia francesa de 1944, e o que ainda significa hoje.

Há também, obviamente, muitos outros textos de Marc Bloch de suma importância, textos que reúnem e representam vinte e cinco anos de reflexões sobre a História e sobre o trabalho do historiador, sobre casos como o da compilação e da organização de diversos trabalhos, alguns inéditos, outros publicados em revistas, e obviamente na própria revista do Annales. Como já falado no capítulo I, a responsável por essa obra foi a filha de Marc Bloch, Étienne Bloch, que organizou os textos em seis temas: “a história e seu método; organização e instrumentos de

trabalho; a história comparada e a Europa; as representações coletivas; figuras de historiadores; o ensino da história” (BLOCH, 1998, p. 10). A utilização dessa obra nesta pesquisa foi importante, pois como escreve Étienne Bloch (1998, p. 6) ela reúne em detalhes o que foi sintetizado em Apologia da História:

No livro que vamos ler surgem-nos claramente os eixos desse <<pensamento de historiador>> de Marc Bloch e as suas idéias sobre o exercício do ofício de historiador, a que haveria de dar uma forma sintética, infelizmente inacabada, na sua obra póstuma Apologie pour L’histoire ou

Métier d’historien.

As outras obras escritas de Marc Bloch sempre foram elaboradas a partir de muita pesquisa e sempre inseridas no debate contra os positivistas. Em 1924 publica Os reis taumaturgos, obra que procurava entender o poder de toque (curas) praticado pelos monarcas ingleses e franceses durante a Idade Média. Ao fim, Bloch reconhecia ter feito uma história do milagre. Seu direcionamento era sempre para uma história da longa duração, de períodos históricos em estrutura e maiores do que os tradicionais e que se modificam de maneira mais vagarosa. Segundo Lilia Moritz Schwarcs, na apresentação à edição brasileira Apologia da História (BLOCH, 2001, p. 9), com essa obra Bloch se estabelecia como uma espécie de fundador da “antropologia histórica” ao selecionar eventos marcados pelo seu contexto, mas acionados por estruturas e permanências sincrônicas anteriores ao momento mais imediato. Em questão, por exemplo, estava o poder monárquico. Para Peter Burke (1997, p. 129), Os reis taumaturgos foi uma obra notável em três aspectos: primeiramente, porque não se limitava a um período convencional, no caso a Idade Média; em segundo lugar, a obra se destaca por ser uma contribuição ao que Bloch chamava de “psicologia religiosa”. Escreve Burke (1997, p. 129) sobre este aspecto que: “O núcleo central do estudo era a história dos milagres e concluía com uma discussão explícita do problema de como explicar que o povo pudesse acreditar em tais ‘ilusões coletivas’ (...)”. O terceiro aspecto é a presença daquilo que o próprio Bloch chamava de “História comparativa”, quando fazia comparações com sociedades distantes da Europa sobre as temáticas tratadas na obra (BURKE, 1997, p. 30).

Em 1928 Bloch toma a iniciativa de ressuscitar velhos projetos, entre eles fundar uma revista histórica. Marc Bloch e Lucien Febvre (1878-1956) tornam-se editores da revista dos Annales:

(...) publicação essa que daria origem a todo um movimento de renovação na historiografia francesa e que está na base do que hoje chamamos de “Nova História”. Nos primeiros números – e apesar do predomínio de artigos de historiadores econômicos – ficavam expressas as prerrogativas do grupo: o combate a uma história narrativa e do acontecimento, a exaltação de “uma historiografia problema”, a importância de uma produção voltada para todas as atividades humanas e não só a dimensão política e, por fim, a necessária colaboração interdisciplinar. (Bloch, 2001, p. 10).

Em 1931 Bloch publica uma obra sobre a história rural francesa, em que utiliza fontes literárias. Nessa obra Marc Bloch aplica seu método “regressivo”, buscando ler a história ao inverso e utilizando-se de temas do presente. Em 1939 é a vez de A sociedade feudal, uma espécie de painel sobre a história européia de 900 a 1300. Em suma, os textos de Bloch “convertiam-se em motes de ataques a modelos mais empíricos” (Bloch, 2001, p. 10).

Com 53 anos, Bloch resolve alistar-se mais uma vez no exercito francês. Sendo a França derrotada, volta à vida acadêmica por um breve período, pois em 1943 entra para a resistência do grupo de Lyon. Preso em 1944, e em condições deploráveis, Marc Bloch dedica-se a escrever mais dois livros: o primeiro – A

estranha derrota –, em que associa a experiência particular das duas guerras e se

debruça sobre a derrota francesa de 1939. Le Goff, no prefácio de Apologia a

História (BLOCH, 2001, p. 17), caracteriza essa obra como um estudo perspicaz,

pois se trata de um trabalho de história, refletido no calor do acontecimento e sem nenhum caráter jornalístico. A segunda obra que é a referência central deste trabalho: Apologia da história ou O ofício do historiador, editada após a sua morte em 1949, traz reflexões sobre método, objetos e documentação histórica. A ação política faz parte da obra. Por isso mesmo, Marc Bloch (2001, p. 10) escreve: “a história serve a ação”. Nesses tempos difíceis, dizia Bloch (2001, p.11): “a história se encontra desfavorável as certezas”. Marc Bloch foi torturado pela Gestapo e depois fuzilado em 16 de julho de 1944 em Saint Didier de Formans, perto de Lyon, por fazer parte da resistência francesa.

Tal trajetória, além de surpreendente, inseriu Marc Bloch no rol dos maiores historiadores da humanidade. Mas muito mais do que isso, releva que ser historiador não é “passa tempo”, e o próprio Marc Bloch discorre sobre isso quando trata de legitimar a História como ciência, como será visto no próximo tópico.