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A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA E SUAS DECORRÊNCIAS PEDAGÓGICAS: UMA ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO- PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC A PARTIR DE MARC BLOCH

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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO

A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA E SUAS DECORRÊNCIAS

PEDAGÓGICAS: UMA ANÁLISE DO PROJETO

POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC A PARTIR DE

MARC BLOCH

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A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA E SUAS DECORRÊNCIAS

PEDAGÓGICAS: UMA ANÁLISE DO PROJETO

POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC A PARTIR DE

MARC BLOCH

Dissertação apresentada à Diretoria da Una de Humanidades, Ciência e Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, como prérequisito para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva

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Dedico este trabalho aos meus pais, Maria da Silva Cabral Bousfield e Paulo Augusto Bousfield, sinais vivos do amor incondicional de Deus em minha vida.

Também dedico ao Arthur Bousfield, sobrinho querido, que mais uma vez provou ser um mestre na capacidade de recuperação.

À Edimara Maciel, que ofereceu água em meu deserto com sua presença e amor.

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Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva, pela paciência, dedicação e pelo legado de idéias oferecidas em cada aula, cada debate, em cada orientação e em cada conversa informal.

Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESC, pelas aulas ministradas, conversas esclarecedoras e pelos momentos de descontração.

Agradeço ao Prof. Dr. Dorval do Nascimento e Prof. Dr. Vidalcir Ortigara pela motivação e direcionamentos significativos.

À Igreja Presbiteriana de Rio do Sul, pela compreensão e apoio, sem o qual até aqui não seria possível.

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Quem sou?

Freqüentemente me dizem que saí do

confinamento de minha cela tranqüilo, alegre e firme como um senhor de sua mansão de campo. Quem sou?

Freqüentemente me dizem que costumo falar com os guardiões da prisão confiada, livre e claramente, como se eu desse as ordens. Quem sou?

Também me dizem que superei os dias de infortúnio orgulhosa e amavelmente, sorrindo, como quem está habituado a triunfar.

Sou, na verdade, tudo o que os demais dizem de mim?

Ou sou somente o que eu sei de mim mesmo? Inquieto, ansioso e enfermo, como uma ave enjaulada, pugnado por respirar, como se me afogasse, sedento de cores, flores, canto de pássaros, faminto de palavras bondosas, de amabilidade,com a expectativa de grandes feitos, temendo, impotente, pela sorte de amigos

distantes, cansado e vazio de orar, de pensar, de fazer, exausto e disposto a dizer adeus a tudo.

Quem sou?

Esse ou aquele? Um agora e outro depois? Ou ambos de uma vez?

Hipócrita perante os demais e, diante de mim mesmo, um débil acabado?

Ou há, dentro de mim, algo como um exército derrotado que foge desordenadamente da vitória já alcançada?

Quem sou?

Escarnecem de mim essas solitárias perguntas minhas;

Seja o que for tu o sabes, ó Deus: sou Teu!

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A história como ciência e suas decorrências pedagógicas: uma análise do projeto político-pedagógico do Curso de História da UNESC a partir de Marc Bloch

Autor: André Augusto Bousfield

Orientador: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva

Esta pesquisa, inserida na linha de pesquisa Educação e Produção do Conhecimento nos Processos Pedagógicos, produz análise de um curso de História do ensino superior, no Brasil, que forma pesquisadores e professores. A investigação é realizada a partir de postulados científicos da própria História como saber. Parte dos alertas oriundos do racionalismo aberto bachelardiano, para buscar uma orientação teórica no campo da própria História. Isto é, ancora as perguntas no pensamento de Marc Bloch, historiador do século XX e um dos fundadores da Escola dos Annales, movimento francês na historiografia que rompeu com os pressupostos positivistas da conhecida “Escola histórica metódica”. A obra primordial de Marc Bloch que serviu a esse propósito foi Apologia da história, ou, O ofício de Historiador, último trabalho feito por ele antes de ser assassinado pelos alemães em meio a II Guerra Mundial. A pergunta central, sobre a concepção de cientificidade na formação do professor historiador, portanto de natureza epistemológica e de imbricações pedagógicas, foi dirigida ao Curso de História da UNESC, representado pelo seu Projeto-Político Pedagógico. Optou-se por uma pesquisa qualitativa, de análise de conteúdos, que parte das categorias blochianas sobre o modo de operar da História como saber científico, para escrutinar as noções de história e de historiografia manifestadas no PPP do Curso. Duas são as razões principais da escolha do Curso de História da UNESC. A primeira, porque sua proposta institucional, pedagógica e política assume a Licenciatura e o Bacharelado como indissociáveis. A segunda, complementar à primeira, porque com Bloch percebeu-se que o engendramento articulado entre pesquisa, ensino e formação se dá inerentemente no âmbito de como a História se efetiva enquanto ciência. Isto é, a partir do modo de operar de seu método científico, que exige dos profissionais dessa área prestarem contas do que produzem, nas minúcias de cada passo metódico e, além disso, mostrar capacidade de análise de conhecimentos e historiografias já produzidas por outros de sua comunidade científica. Nesse sentido, a análise do referido Projeto, com base nos postulados blochianos, revelou que, ao não ficar marcadamente evidenciada a noção sobre que ciência está sendo colocada em operação nos processos formativos do futuro pesquisador e professor, por falta de um posicionamento teórico-metodológico explícito e/ou um hibridismo teórico, pode comprometer a percepção de especificidades dessa ciência.

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History as science and its pedagogical consequences: an analysis of the political-pedagogical project of the History Course at Unesc from the perspective of Marc Bloch

Author: André Augusto Bousfield

Advisor: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva

This work belongs to the research line Education and Knowledge Production in the Pedagogical Processes and aims at analyzing a Brazilian undergraduate History program that forms researchers and teachers. The analysis is based on scientific assumptions in History as knowledge. This work is based on the principles established by the Bachelardian open rationalism. This reference was enriched by the thoughts of Marc Bloch, a 20th historian and one of the founders of the Annales School, a historiography French movement that broke with the Positivists assumptions of the "Traditional History". Mark Bloch's work selected was The Historian's Craft, his last book before being murdered by the Nazis during II World War. The research question was the conception of science in History teachers formation, na epistemological and pedagogical question. The study locus was the History course at Unesc as it is represented by its Pedagogical Political Project. I chose a qualitative research in which, based on Blochians' categories, the PPP was analyzed in order to observe its notions of history and historiography. I chose the History course because its political and pedagogical proposal assumes teaching formation and baccalaureate as inseparable. With Bloch I could perceive that the linkage between research, teaching and education is inherent to History as science. This science works from the starting point of its scientific method, which forms and demands professionals who shall respond for what they produce in detail and, besides, for their capacity of analysis of knowledge and historiographies produced by others. The analysis revealed that the PPP does not states clearly which notion of science it is working with, nor assumes a clear theoretical, methodological position, and tends to present a hybrid theoretic perspective that can affect the scientific specificities of this science.

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ANPUH – Associação Nacional de História

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNE – Conselho Nacional de Educação

INEP – Associação Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira PPP – Projeto Político-Pedagógico

PUC-MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais MEC – Ministério da Educação

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFU – Universidade Federal de Uberlândia

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1 A PROBLEMATIZAÇÃO ...10

1.1 Configuração do problema ...10

1.2 Relações entre problemas pedagógicos e epistemológicos...18

1.3 A processualidade científica da História e a formação de professores de História ...25

1.4 O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de História da UNESC...27

1.5 O caminho metodológico a título de sistematização ...28

2 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA EM MARC BLOCH: A QUESTÃO DO MÉTODO ...31

2.1 A História no campo epistemológico (séculos XIX e XX) ...31

2.1.1 O surgimento da Escola dos Annales: a primeira geração...35

2.2 A produção historiográfica de Marc Bloch...38

2.3 Ciência histórica e não um hobby...41

2.4 Apologia da História: nada por declaração...43

2.5 O ensino e aprendizagem de História ...46

2.6 O método científico e suas manifestações na formação do Historiador...52

2.6.1 A legitimidade do esforço intelectual em História ...53

2.6.2 A atitude do historiador diante da história efetiva: a escolha do objeto...54

2.6.3 A estética da linguagem científica em História ...56

2.6.4 A noção de temporalidade e a “tomada de consciência”...57

2.7 O método crítico para a História: o valor da análise dos testemunhos para a educação...61

3 A CIENTIFICIDADE NO PPP DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC...71

3.1 O curso de História da UNESC e o surgimento do PPP ...71

3.2 A manifestação da “cientificidade” na elaboração do PPP...74

3.3 A concepção de História e a relação com o método ...78

3.4 A concepção de Educação e a relação com o método em História ...82

REFERÊNCIAS...97

ANEXO ...101

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1 A PROBLEMATIZAÇÃO

Este capítulo introdutório trata do itinerário percorrido nesta pesquisa, com o objetivo de se conceber e apresentar uma problemática, com um tema, referenciais teóricos, caminhos metodológicos, objetivos e hipóteses em relação ao problema.

1.1 Configuração do problema

A temática sobre a cientificidade da História em processos pedagógicos, da presente pesquisa, surge de interrogações minhas durante um período no curso de graduação em História, diante do amplo e complexo debate sobre qual melhor corrente teórico-metodológica seguir ao se fazer pesquisa para elaboração de um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). A pergunta mais recorrente dirigia-se à problemática da cientificidade nos processos de produção de conhecimento na área. Por isso mesmo, esta pesquisa parte de um incômodo pessoal. Ou seja, quando um indivíduo faz um curso de graduação em História, seja licenciatura ou bacharelado, no Brasil em pleno século XXI, aprende o que é ciência historiográfica? E de que tipo de ciência está-se tratando? Isto tanto no que concerne aos processos de produção de ciência historiográfica, como naqueles momentos do seu ensino? De fato, o ensino é apenas a conseqüência articulada de uma ciência? Que cientista é formado, ao se terminar o curso de bacharelado e licenciatura em História?

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século XIX (GLENISSON, 1983, p. 16). É um debate até certo ponto recente, mas muito amplo.

Esta pesquisa não vem trazer mais uma resposta sobre a pergunta: É a História uma ciência? Trata-se de outras questões: Que ciência, que saber, ou melhor, que História é manifestada num curso de graduação em História e que historiador (professor) tal curso se objetiva a formar? E, mais especificamente, interrogar e identificar, pela presença ou ausência, que método ou métodos científicos são acessados num programa de formação de professores em História e como, se for o caso, determinado método se manifesta. Afinal, não se trata de defender a cientificidade da História por uma declaração institucional e tão pouco de analisar os fatores sociais, econômicos e políticos que também configuram uma realidade na educação superior. Trata-se de analisar, num campo específico, a processualidade da História, tanto na sua produção de conhecimento quanto imbricadamente na formação docente. O campo de análise é um curso de graduação em História conforme se apresenta no Projeto-político-pedagógico. Esta pesquisa visa a analisar o PPP do curso de História da UNESC.

Muitas pesquisas no Brasil têm se dedicado ao estudo da formação de professores na área de História. Convém aqui citar e destacar a professora Dra.

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A autora também discute sobre os processos de produção e difusão do conhecimento histórico e as relações entre os diferentes espaços do saber e a lógica subjacente a essas relações. Em suma, Selva Guimarães Fonseca, na obra citada, segue a linha investigativa que procura saber sobre o significado do ensino de História e das mudanças nele anunciadas no interior das lutas políticas e culturais dos diferentes setores sociais em determinados momentos históricos. A autora se propõe a pensar sobre como essas mudanças se constituíram nas duas últimas décadas da história brasileira do século XX: a formação de professores, o lugar ocupado pela disciplina no currículo escolar, a definição do conteúdo de História a ser ensinado, como essas questões se projetaram ao longo da década de 1960 e se concretizaram nas de 1970 e de 1980. No capítulo IV, último capítulo de sua obra, “Longe da escola, na escola: vozes da universidade e da indústria cultural”, a autora escreve:

As mudanças ocorridas no ensino de História nas décadas de 70 e 80 situam-se no movimento historiográfico vivido no Brasil, nas modificações ocorridas no debate acadêmico, no mercado editorial, na pós-graduação, enfim, na produção da História. (FONSECA, 1993, p. 111).

Selva G. Fonseca diz que a expansão do ensino superior nesse período tem como fundamento uma concepção de ensino, especialmente de ensino superior, como capital, fator de desenvolvimento econômico, cujo crescimento é significado de democratização e de progresso (FONSECA, 1993, p. 113). A autora cita uma crítica de Marilena Chauí com relação a esse processo:

Sobre o silêncio e o medo, entre 1969 e 1984, ergue-se a universidade modernizada, onde se fará dos conselhos departamentais e interdepartamentais, das congregações, das comissões dos Conselhos Universitário, da administração, uma intrincada rede de poder burocrático fortemente centralizado, em nome da “eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto nível” para o desenvolvimento do país, graças a um repertório de soluções realistas e de medidas operacionais que permitem racionalizar a organização das atividades universitárias, conferindo-lhes maior eficiência e produtividade. (CHAUÍ, 1988, apud FONSECA, 1993, p. 113).

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militar e, por outro, pelo movimento de organização da sociedade na luta pela democracia e pelos direitos básicos de cidadania.

Em outro compêndio de sua autoria, Didática e Prática do Ensino de História, Selva Guimarães Fonseca reúne experiências que compuseram seu desenvolvimento como professora de História no ensino fundamental e médio, de Didática e Metodologia de Ensino de História e como formadora de professores e pesquisadores da área. No capítulo V da primeira parte do livro, “Como nos tornamos professores de História: a formação inicial e continuada”, Fonseca traz uma coletânea de reflexões, resultados de pesquisas sobre formação de professores de História no Brasil. A autora é bem explícita nas problematizações:

Quais os paradigmas de formação têm norteado as práticas dos cursos superiores de História? O que propõe o texto/documento das Diretrizes curriculares Nacionais dos cursos Superiores de História, aprovadas em 2001, produto das novas políticas educacionais do MEC, para formação inicial de professores? Como se articulam as questões da formação inicial/universitária, a construção dos saberes docentes e as práticas pedagógicas no ensino de história? (FONSECA, 2003, p. 59).

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bacharelado/licenciatura, visando uma formação que visasse o professor de história produtor de saberes, capaz de assumir o ensino como descoberta, reflexão e produção” (FONSECA, 2003, p. 62), ou seja, a formação do professor/pesquisador.

Para a professora Selva G. Fonseca, os reflexos desse contexto ainda ecoam nos dias atuais, sobretudo pela perplexidade dos recém-formados diante da complexidade da educação escolar, resultado também de “uma concepção de formação docente, consagrada na literatura da área como modelo da racionalidade técnica e científica ou aplicacionista” (FONSECA, 2003, p. 62). Chamado pela autora de “três + um”, esse modelo marca profundamente a organização dos programas de formação de professores de História, em que os alunos cursam as disciplinas que transmitem os conhecimentos de História em três anos e depois cursam em um ano as disciplinas obrigatórias da área da pedagogia, aplicando os conhecimentos na prática de ensino, também obrigatória.1 Mesmo sendo um modelo bastante questionado, segundo a pesquisadora, ele ainda é norteador nos cursos de formação de professores de História no Brasil. Segundo Fonseca, a crítica a esse modelo foi muito debatida nos anos 1990 e se dava a partir de contribuições de pesquisadores como Donald Schon, Zeichner, Gauthier, Tardif, Nóvoa, Alarcão, entre outros. Para a autora, esse modelo disciplinar e aplicacionista é inadequado e historicamente “cumpre funções ideológicas, epistemológicas e institucionais precisas na organização e manutenção do status quo” (FONSECA, 2003, p. 63). Para a autora, não basta ao professor apenas saber alguma coisa se ele não sabe ensinar e construir condições concretas no seu exercício.

Fica claro, pelo exposto, que essas obras de Selva Guimarães Fonseca têm muita importância para se ter acesso ao estado da arte do ensino de História no Brasil e para apreender algumas relações sobre a importância da qualificação constante do ensino de História, contemplando a formação de professores em História, configurações de cursos e o ensino-aprendizagem propriamente ditos. No entanto, não há correlação explícita em forma de análise entre métodos-científicos, teorias, ensino e formação docente. Sua análise contempla aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, mas não se direciona, de forma mais detida, às questões essencialmente epistemológicas, embora as cite em alguns momentos e explicite a importância dessas questões.

1 A autora enfatiza a palavra obrigatória, para mostrar as opiniões que alegavam desnecessárias as

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Na tentativa de circunscrever o espectro desse debate, buscou-se contato com os trabalhos, dissertações e teses que tratam da formação de professores em História, sobretudo no banco de dados da CAPES. Nesse cenário, é possível perceber que a temática sobre a formação de professores em História está quase sempre voltada para as questões factuais na política, nas configurações de grades curriculares e nas contextualizações socioculturais, em grande medida pautadas por recortes temporais. A pesquisa Formação de professores de História: experiências, olhares e possibilidades (Minas Gerais, anos 80 e 90) do ano de 2000, da autora Ilka Miglio de Mesquita, sob orientação da professora Selva Guimarães Fonseca, traz, por exemplo, uma reflexão sobre o papel da universidade na formação inicial e na construção da prática docente em três Universidades selecionadas: PUC-MG (Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais), a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e a UFU (Universidade Federal de Uberlândia). Sua conclusão, a partir do caminho metodológico escolhido, a história oral, aponta que formar o professor de história está além de propostas curriculares e que: “(...) formar professor de história significa proporcionar ao profissional as condições reais para produzir conhecimentos históricos, para dialogar com fontes e saberes construídos e transgredir práticas pedagógicas, materiais didáticos e guias curriculares que aprisionam o debate, o conhecimento e a reflexão sobre a própria experiência” (MESQUITA, 2000, p. 152).

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Outros trabalhos, que também não se distanciam da ênfase nas práticas políticas e governamentais, apresentam elementos contextuais ligados à política econômica e às realidades socioculturais. O trabalho de mestrado de Carmen Rangel da Silva, A formação do professor de História em tempos neoliberais e pós-modernos, de 1996, é um exemplo característico. Convém frisar que a autora também apresenta a evolução teórica que discute a educação e a História em função dos seus paradigmas, transferidos aos estudantes na academia.

Outras pesquisas buscaram percorrer caminhos em suas análises que levam em conta perspectivas de cunho mais teórico-metodológico, tendo como foco a formação teórica dos professores em graduação, produção do conhecimento historiográfico, as representações de professores, cursos específicos e etc. Alguns trabalhos justificam tais ênfases, como a pesquisa de João Gilberto da Silva Carvalho Construindo o saber histórico em sala de aula: representações de professores de história (2002), em que o autor analisa a identidade do professor de História em termos de valores e crenças. A tese de doutorado de Flavia Eloisa Caimi, Processos de conceituação da ação docente em contextos de sentido a partir da Licenciatura em História (2006), aborda questões ligadas à cognição do professor, ressaltando na análise seus percursos de aprendizagens e desenvolvimentos profissionais. Trata-se de uma pesquisa-intervenção. O trabalho de mestrado de Daniel Florence Giesbrecht, A formação do professor de História frente aos paradigmas do conhecimento: o curso de história no centro do debate,

pesquisa de 2005, analisa o processo de formação de professores de História perante o que ele chama de principais paradigmas que envolvem a produção do conhecimento histórico e a educação, como positivismo, marxismo e os Annales. Seu campo de estudo foi o curso de História da PUC de Campinas (SP). O autor fez entrevistas com docentes e analisou o Projeto Pedagógico do curso, concluindo que a despolitização da sociedade brasileira e o capitalismo e suas reações na sociedade influenciam diretamente os cursos superiores.

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Universidade Estadual do Piauí, traz uma reflexão analítica sobre os modelos que nortearam e norteiam o ensino superior de História na Universidade Estadual do Piauí, procurando avaliar a relação existente entre o currículo formal e a prática docente e como essa relação influencia a formação teórica dos alunos. Um dos resultados dessa pesquisa, que chama a atenção, é a adesão que os docentes e alunos intermediários e do final do curso tiveram ao que o autor chama de modelo teórico resultante do paradigma da escola dos Annales.

Outro pesquisador, Everaldo Paiva de Andrade, na sua tese de doutorado de 2006, Um trem rumo às estrelas: a oficina de formação docente para o ensino de história (O curso de História da FAFIC), também fazendo análises mais conceituais, discute significados de formar, principalmente a partir do debate sobre como configurar a Licenciatura e Bacharelado num curso de História, além de analisar saberes e práticas que já estão consolidados no campo de análise desse autor.

De um modo geral, esses trabalhos e outros artigos a que se teve contatos, alguns apresentados na ANPUH, têm como objeto a formação de professores em História e diretamente o ensino de História. Além de fazerem a análise da formação profissional, a grande maioria dos trabalhos consultados faz a análise a partir das práticas docentes nas instituições de educação básica. Tais pesquisas observadas serviram para que esta pesquisa se contextualizasse ao debate e tivesse acesso ao estado da arte sobre o ensino superior de História no Brasil, sem se tornar mera repetição.

Diante desse quadro, convém frisar que esta pesquisa parte de uma questão de caráter mais epistemológico que social. Isso não ocorre de nenhum modo a eventual descrédito que o autor desta pesquisa venha ter em relação a explicações ou reflexões de cunho social. Trata-se, sim, de se entender que a problemática do conhecimento e de sua produção em processos formativos requer, além de interrogações e explicações sociais, análises de cunho epistemológico, ou seja, interrogar sobre o modo de operar, na produção, na evolução, na formação e na eventual superação de um determinado saber, como é o caso da História.

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epistemologia. É do pensamento de Bachelard que se justifica o porquê e o caráter desse questionamento.

1.2 Relações entre problemas pedagógicos e epistemológicos

Emergem as questões colocadas devido ao contato não proposital, mas de suma importância, com alguns conceitos do pensamento de Gaston Bachelard (1884-1962) ligados à racionalidade científica, aproximação que se deu graças à minha inserção no Programa de Pós-graduação em Educação da UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense) na linha de pesquisa Educação e Produção do Conhecimento nos Processos Pedagógicos. A intencionalidade da pesquisa não se limita a buscar apenas respostas, mas principalmente lançar perguntas sobre a cientificidade e, no caso específico, a cientificidade da História, isto é, ampliar a capacidade de análise e reflexão sobre essa questão e fazer a análise em um ambiente acadêmico específico, com a consciência da impossibilidade de avaliar vários e, muito menos, todos os cursos de graduação em História no Brasil no espaço de tempo de realização do mestrado. Além disso, um curso se apresenta de vários modos e em espaços diferentes. Por isso, em caráter bem específico, contempla-se exclusivamente o PPP do curso de Licenciatura e Bacharelado em História da UNESC, como expressão oficial do que o curso representa ser.

É desse cenário que surge o interesse e a perspectiva de estabelecer relações de questões sobre cientificidade, racionalidade científica e educação. Como aponta o professor Ilton Benoni, abordando o pensamento de Bachelard:

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Assim, é perceptível e explícita a relevância educacional nessa temática proposta quando se pergunta sobre o estatuto epistemológico de determinado saber. Pensar sobre a cientificidade de algum saber é pensar educação. Por isso, as questões centrais desta pesquisa buscam apoio inicial nos alertas e nas reflexões sugeridas pelo pensamento de Bachelard.

Gaston Bachelard articula suas reflexões sobre a processualidade da ciência e da educação. Cabe esclarecer que a intenção aqui não é discorrer literalmente sobre o pensamento epistemológico de Bachelard, mas a partir dele e de algumas de suas reflexões sobre: “o que é ciência?”, direcionar-se a um referencial teórico no campo da própria História e que produza o debate sobre a cientificidade da História no sentido de construir e localizar categorias e conceitos, ou seja, ferramentas que permitam observar e analisar uma determinada realidade acadêmica focalizando o seu Projeto Político-Pedagógico (PPP).

Com Bachelard foi possível perceber que o acontecer histórico da ciência deve ser estudado numa perspectiva mais epistemológica do que historiográfica ou social. Ou seja, pesquisar e estudar História das ciências, para esse pensador, não é fazer historiografia nenhuma, mas é fazer perguntas e reflexões epistemológicas, justamente porque fazer ciência, dentre tantas perspectivas, é produzir conhecimento. Bachelard escreve algo que ajuda a entender isso de modo mais elucidativo:

Percebe-se assim a diferença entre o ofício de epistemólogo e o de historiador da ciência. O historiador deve tomar as idéias como se fossem fatos. O epistemólogo deve tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato mal interpretado por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento. (BACHELARD, 1996, p. 22).

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apontamentos críticos e também instrutivos na formação de um indivíduo que possa compreender a dinâmica da ciência e seus aspectos de formação.

Ao analisar a ciência e algumas tentativas de se fazer ciência, Bachelard o faz historicamente, mas não como historiador, antes como epistemólogo, sem se preocupar em tratar de narrativas factuais. Para ele esse é o direcionamento de desenvolvimento de cientificidade que um espírito em formação científica deve seguir. E é assim que a verdadeira ciência se processa na história humana, sem marcos engessados, sem um apogeu final e sempre abordando e revolucionando as conquistas científicas do passado a partir de crítica e superação, e não na idolatria, do já alcançado. Percebe-se, aqui, uma visão histórica baseada na racionalidade, que nunca se fecha, e sempre deve mudar, retificando e superando o já instituído como saber verdadeiro.

Bachelard (1996, p. 11) afirma que o desenvolvimento individual de um espírito científico passa por três estágios muito mais precisos do que os propostos por Comte: “a) o estado concreto, em que o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno [...]; b) o estado concreto-abstrato, em que o espírito acrescenta à experiência física esquemas geométricos e se apóia numa filosofia da simplicidade; c) o estado abstrato, em que o espírito adota informações voluntariamente subtraídas à intuição do espaço real, [...] desligadas da experiência imediata e até em polêmica declarada com a realidade primeira, sempre impura, sempre informe”. Esses três estágios são marcos que possibilitam a história, a transformação, o desenvolvimento histórico da ciência e do cientista, ou seja, uma história que revela uma dinâmica inerente à própria ciência. Em outras palavras, toda cientificidade implica uma historicidade.

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crítica, sempre destinada a se tornar obsoleta. Por isso, a importância da paciência sobre uma pesquisa desinteressada, que deve ser um dos pré-requisitos básicos de um pesquisador. É assim que um educador deve ensinar aos seus alunos, ou seja, gerar interesse de pesquisa com vistas a transcender o interesse comum, banal, o interesse das primeiras observações.

No entanto, na formação de um indivíduo para ciência, a visão predominante de sua época, Bachelard identifica e propõe superar a aprendizagem pelo exato, em que se acentuam exatamente as “consideradas grandes descobertas”, aliadas à própria experiência pessoal e empírica desse espírito. O fato se torna grande por causa de quem conta. E é nessa dinâmica de formação que o indivíduo esbarra em obstáculos que impedem a sua evolução para o aprendizado e produção de conhecimento. São os obstáculos epistemológicos e pedagógicos, definidos por Bachelard (1996, p. 17):

(...) não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí que mostraremos causas de estagnação e até regressão, detectaremos causas de inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos.

E continua:

O conhecimento do real é luz que sempre projeta algumas sombras. Nunca é imediato e pleno. As revelações do real são recorrentes. O real nunca é “o que se poderia achar”, mas é sempre o que se deveria ter pensado. (...). Ao retomar um passado cheio de erros, encontra-se a verdade num autêntico arrependimento intelectual. No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização.

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ser seu mais importante conteúdo, ter necessidade de necessidades, para não correr o risco de ter uma cabeça bem feita, fechada. Ou seja, um espírito científico, consciente, sabe que se deve conhecer para melhor perguntar, questionar.

Os obstáculos epistemológicos são identificados com mais propriedade quando se estuda o curso histórico do pensamento científico e a prática educacional. Contudo, o epistemólogo deve analisar as fontes que outrora um historiador pudesse escolher, e analisá-las a partir da razão mais desenvolvida, mais atual, pois é na construção de racionalidades que esse epistemólogo deve se direcionar e não em meros resultados.

Na atitude objetiva de se vencer esses obstáculos, como a experiência primeira, o conhecimento geral, o uso e abuso de imagens usuais, o conhecimento unitário e pragmático, obstáculos do conhecimento quantitativo e tantos outros que o autor identifica, o espírito científico se constitui como um conjunto de erros retificados, que nada mais é do que o processo de superação desses obstáculos. Educadores devem levar em conta que, em relação direta com esses obstáculos, está uma cultura que já existe entre os educandos, enraizada na vida cotidiana. Não basta passar o conteúdo de uma vez para aquisição, mas antes superar o que já foi passado pela vida comum.

Diante de tudo isso, Bachelard afirma que o espírito científico se funda na negação do que está dado como pronto, preocupando-se não com o fenômeno em si, mas com o porquê do fenômeno. Por isso, na atitude objetiva, existe a necessidade de um abstrair-se de muitas coisas, como do conhecimento pronto e do conhecimento sensível. Nessa dinâmica, as questões e perguntas científicas ganham mais valor do que as respostas. Ou seja, a ciência progride historicamente não pelo que acumula factualmente, mas pelo que é capaz de questionar, com estudos que não jogam no lixo o conhecimento adquirido, mas também não trata esses conhecimentos como dogmas divinos. Por isso também a idéia de fracasso se faz notória para Bachelard, pois sem a noção de fracasso “o erro é maior ainda” (BACHELARD, 1996, p. 295). E é a partir dessa consciência dos erros que existe a possibilidade de deixar os estímulos primeiros em relação ao objeto e submeter-se ao crivo de uma comunidade científica. Sempre será pelo olhar do outro que o aval será dado ao espírito científico no labor científico.

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relatividade de Einstein, por exemplo. Assim, transcende-se o que já está dado e supera-se seja um método, um dado ou mesmo o que é dito como verdade. Tal revolução será tão impactante que atingirá todas as realidades científicas, colocando em ‘xeque’ verdades anteriormente colocadas e utilizadas. As mudanças são de base, e não apenas em vãs descobertas. Aliás, para esse pensador, não é a descoberta que deve ser valorizada na ciência, mas o rompimento com o que a gerou.

A socialização, ou seja, a educação da ciência se dá, para Bachelard, quando esta se torna fácil para o ensino. Assim, não é o conteúdo fácil, mas uma ciência de fato, fácil de ser ensinada pela sua dinâmica racional revolucionária. E isso é inerente à própria ação dinâmica da ciência, que não se fecha em conteúdos somente, mas se abre para novas perspectivas dinâmicas. Por isso, aquele que realmente aprende ciência deve saber ensiná-la. Para Bachelard, a Escola deve ser fundada a partir da produção do conhecimento científico, deve ser fundada pela ciência, e não o contrário. Ele escreve:

Na obra da ciência só se pode amar o que se destrói, pode-se continuar o passado negando-o, pode-se venerar o mestre contradizendo-o. Aí, sim, a Escola prossegue ao longo da vida. Uma cultura presa ao momento escolar é a negação da cultura científica. Só há ciência se a Escola for permanente. É essa escola que a ciência deve fundar. Então os interesses sociais estarão definidamente invertidos: a Sociedade será feita para a Escola e não a Escola para a Sociedade. (BACHELARD, 1996, p. 310).

Assim, em outras palavras, só há História da ciência quando esta progride, mas sua progressão é por conquistas, conquistas que não são resultados de afirmação, antes resultados de negação. Por isso mesmo, imbricado a esse pensamento, nos processos científicos haverá sempre um compromisso com uma pedagogia crítica, em que a razão sempre critica, a começar por ela mesma e sua tradição e não apenas contra a religião, contra uma ordem tradicionalista estabelecida, escreve Georges Canguilhem no prefácio da obra El Compromisso racionalista (BACHELARD, 1973, p. 9).

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contemporaneidade (CARRILHO, 1991, p. 71-72). Ele afirma que a história das ciências não é inteiramente uma história como as outras. Os historiadores das ciências devem ater-se aos processos científicos, e não procurar explicações contextuais e institucionais na política, economia e etc. “A temporalidade da ciência é um crescimento do número das verdades, um aprofundamento da coerência das verdades. A história das ciências é a narrativa deste crescimento, deste aprofundamento” (CARRILHO, 1991, p. 72). Nisso deduz-se que a história das ciências, para esse autor, deve ser sempre descrita como a história de um progresso do conhecimento, evolução dos conceitos, isto é, a história das suas retificações.

Nessa história, nas análises do conhecimento, o epistemólogo, em completa oposição às prescrições que são recomendadas tradicionalmente ao historiador para que não julgue, julga, apresenta juízos de valor justamente por que:

(...) a história das ciências é essencialmente uma história julgada, julgada no pormenor da sua trama, com um sentido que deve ser permanentemente afinado por valores de verdade. A história das ciências não pode ser somente uma história de registros. As actas das academias contêm naturalmente numerosos documentos para a história das ciências. Mas estas actas não constituem verdadeiramente uma história das ciências. É preciso que o historiador das ciências trace, a partir delas, linhas de progresso. (CARRILHO, 1991, p. 75).

E mais:

(...) se o historiador de uma ciência deve ser juiz dos valores de verdade referentes a essa ciência, onde ele deverá aprender a sua profissão? A resposta não oferece dúvidas: o historiador das ciências deve, para julgar bem o passado, conhecer o presente; deve aprender melhor que puder a ciência cuja história se propõe a fazer. E é nisto que o historiador das ciências tem, quer se queira quer não, uma forte ligação com a actualidade da ciência. (...). O historiador das ciências, na própria medida em que for instruído na modernidade da ciência, aprenderá nuances cada vez mais numerosas e cada vez mais finas, na historicidade da ciência. A consciência de modernidade e a consciência de historicidade são aqui rigorosamente proporcionais. (CARRILHO, 1991, p. 76).

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científica sugere? Ou em outras palavras, o que é inegociável cientificamente falando e se faz necessário na formação de professores de História? Aqui com essas questões a temática da reflexão levantada é colocada deste modo: A História como ciência e suas decorrências pedagógicas. Mas isso será visto com mais objetividade ao longo da pesquisa. Dessa reflexão bachelardiana, porém, decide-se pensar num curso que institucionalmente apresente uma proposta de ensino articulando formação de professores com pesquisa e produção de conhecimento. Em outras palavras, um curso que condense Licenciatura e Bacharelado. Por isso a escolha do curso de História da UNESC.

O que convém agora também diante dessas reflexões sobre o racionalismo aberto de Bachelard é partir para o outro momento, ou seja, a busca de um referencial do campo da História que pense a História em seus processos científicos de produção e formação. Tal pensador abordado é Marc Bloch.

É com ele que essas questões serão pensadas e será feita a análise num curso específico de Licenciatura e Bacharelado, curso de História obviamente, pois esse foi o campo escolhido. Desse curso, a análise dirigir-se-á à manifestação institucional e documental principal do curso, no caso específico o seu Projeto-político-pedagógico.

Por isso, é preciso definir uma metodologia e, conseqüentemente, os instrumentos de análise, e justificar o porquê escolher Marc Bloch como referência teórica fundamental.

1.3 A processualidade científica da História e a formação de professores de História

Diante da exposição de alguns conceitos do pensamento de Bachelard em relação à ciência, racionalidade, educação e história, esta pesquisa foi direcionada a buscar apoio teórico no pensamento de outro autor francês: Marc Bloch (1886-1944).

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co-fundar a revista Annales d’Historie Économique et Sociale. Esse historiador inaugurou uma escola, no sentido profundo do termo. Marc Bloch também foi vítima da Klaus Barbie, ao ser fuzilado em 16 de junho de 1944, em plena 2ª Guerra Mundial (BLOCH, 2001, p. 11).

A Escola dos Annales (século XX) influenciou e influencia historiadores no mundo inteiro, como também no Brasil. Essa escola nascida na França a partir de 1929 se estabelece como pensamento crítico em claro confronto ao pensamento historiográfico tradicional. Começa a ser delineada pelos pensamentos de Marc Bloch e Lucien Febvre. A denominação Escola dos Annales é oriunda da publicação do periódico citado acima, revista que trazia reorientações aos estudos historiográficos. Sobre as Escola do Annales haverá uma apresentação geral no segundo capítulo, abordando a fase da qual Marc Bloch foi membro-fundador. É desse arcabouço teórico sistematizado nesta pesquisa que serão lançadas as perguntas sobre a cientificidade da História e suas manifestações pedagógicas num curso de graduação em História e como o próprio curso lida com isso.

Dito de outro modo, é especificamente com base nos textos de Marc Bloch, sobretudo em sua obra Apologia da História ou O Ofício do Historiador, em que ele escreve, em tom apologético, sobre o universo do historiador como cientista e da historiografia como ciência, que as análises serão elaboradas e executadas. Tal tarefa é desafiante, tamanha a complexidade do pensamento de Bloch. Outras obras do autor a que se teve acesso também foram consultadas. Uma das obras é a coletânea de textos de Marc Bloch organizada por sua filha Étienne Bloch intitulada

História e Historiadores (1995). Esses textos ponderam e tratam sobre o que é e o que deve ser a História e o trabalho do historiador, além de tratar explicitamente sobre o ensino de História.

Diante dos receios, o que mais incomoda, quando se usa uma referência teórica, é o cuidado para não cair num mero hibridismo ou num ecletismo sem nexo e o cuidado para não cometer anacronismos, isso sem falar no perigo de dizer o que o referencial não diz. Por isso, uma leitura no intuito de perceber e localizar as bases de um pensamento é muito mais importante do que uma simples exposição, e nesta pesquisa isso se faz necessário.

Outros textos serão utilizados, como um dos mais recentes em português

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juntamente com textos de sua autoria, uma abordagem sobre o que é a Escola dos

Annales como campo científico, também em tom apologético e crítico. Entretanto, o fundamento referencial para esta pesquisa, partindo do pressuposto da questão bachelardiana sobre o que é ciência e suas imbricações para os processos escolares, é a obra Apologia da História ou O Ofício do Historiador edição em português de 2001, além das outras obras de Marc Bloch a que se teve acesso. Bachelard define e defende em suas perspectivas o que é ciência. Bloch defende a História como uma ciência. Coincidentemente, ambos, contemporâneos, mesmo um sendo epistemólogo e o outro historiador, lançavam argumentos contra os pressupostos positivistas. Com isso, em hipótese nenhuma está-se afirmando que o pensamento de ambos coincide, mas num primeiro momento pode-se hipoteticamente colocar que existam intersecções.

É com Bachelard que chegamos a Bloch, mas é com Bloch que as perguntas serão feitas, perguntas de base e não perguntas por resultados, perguntas de natureza científica e ao mesmo tempo de natureza educacional. Por isso mesmo não bastam perguntas, é preciso direcioná-las ao campo específico. É, portanto, para o Projeto Político-Pedagógico do curso de História da UNESC que as perguntas serão lançadas e a análise será focada.

1.4 O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de História da UNESC

A problemática que esta pesquisa levanta focaliza-se em identificar que História pode ser manifestada num Projeto Político-Pedagógico (PPP) de determinado curso de graduação de História que visa ao mesmo tempo formar professores de História e pesquisadores (cientistas). Embora cada curso de graduação em História no Brasil tenha suas peculiaridades próprias, todos fazem parte de um mesmo contexto, ou seja, seguem as mesmas orientações do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação.2

O PPP investigado é do ano de 2002, elaborado pelo curso de Licenciatura e Bacharelado em História da Universidade do Extremo Sul Catarinense

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(UNESC), localizada em Criciúma (SC). Essa escolha se justifica por duas razões: a primeira, pela proximidade que o autor desta pesquisa teve e tem com o curso; a segunda, porque esse curso, a exemplo de alguns outros, condensa a formação em Licenciatura e Bacharelado. Como bem é explicitado no referido PPP e em seus objetivos:

Os novos objetivos do Curso, bem como as habilidades e competências dos formandos/as evidenciam claramente uma visão de história preocupada com questões sociais e ambientais. A inclusão do bacharelado fortaleceu a nossa preocupação em instituir uma cultura de pesquisa. Ao optarmos pela formação do professor/a-historiador/a, nos propomos a desenvolver habilidades e competências para que o futuro profissional domine a arte de ensinar e pesquisar na perspectiva do conhecimento histórico. (Projeto político e pedagógico do curso de História da UNESC, 2002, p. 3).

Diante da proposta do próprio curso, esta pesquisa traz perguntas, com o auxílio do pensamento de Marc Bloch, a respeito desse PPP no que se refere ao conceito de História e à concepção de historiador que nele se manifesta. Ou seja, a questão não é saber onde e como o curso forma cientistas, mas que cientistas e, principalmente, com que ciência historiográfica ou conhecimento historiográfico esse curso objetiva formar. Assim, a análise contempla o que é manifestado no PPP, seja por presença ou ausência, considerando esse documento como uma das principais expressões da dinâmica do curso. Não é visado, pelo menos nesta pesquisa e num primeiro momento, analisar a formação dos acadêmicos em suas praticidades ou nas dinâmicas de ensino e aprendizagem em suas relações com os professores. Todavia, admite-se que esse campo também é um bom lugar para se direcionar essas perguntas, pois entre o que é manifesto e o que é efetivo existe um considerável distanciamento ou pelo menos peculiaridades próprias de cada campo.

1.5 O caminho metodológico a título de sistematização

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134). Escreve Triviños (1987, p. 134), em relação aos estudos de casos histórico-organizacionais:

O interesse do pesquisador recai sobre a vida de uma instituição. A unidade pode ser uma escola, uma universidade, um clube, etc. O pesquisador deve partir do conhecimento que existe sobre a organização que deseja examinar. Que material pode ser manejado, que está disponível, ainda que represente dificuldades para seu estudo.

E continua, ao escrever sobre o método de análise de conteúdo:

Podemos dizer, também de forma geral, que recomendamos o emprego deste método porque, como diz Bardin, ele se presta para o “estudo das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências” e, acrescentamos nós, para o desvendar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que, à simples vista, não se apresentam com a devida clareza. Por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxiliar de instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, o método dialético. (TRIVIÑOS, 1987, p. 159-160).

O caminho da fundamentação teórica, no que tange às intrincadas e necessárias relações entre epistemologia e pedagogia, já foi exposto em sua primeira parte, quando foram abordados aspectos do pensamento de Bachelard. Com Bachelard também houve o alerta em relação ao campo para análise. A continuação, que será o segundo capítulo, abrangerá os conceitos, categorias e reflexões que Marc Bloch oferece em seus escritos e ponderações, sobretudo em relação à cientificidade da História. É a partir dele que será definido de que ciência Histórica está-se falando; qual o papel do historiador; o que é “História problema”; a quem, por que e quando a História deve se contrapor; como a cientificidade da História altera e se manifesta no ensino da História e na formação de professores. Evidentemente, será necessário dar voz a outros historiadores, mesmo alguns que se colocam contra o pensamento de Bloch, para que se tenha noção do que cada conceito e categoria em Bloch significam. Os objetivos e buscas traçados neste capítulo são de fundamental importância para a análise.

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pedagógica. A análise também se direcionará à justificativa do curso para a oferta de habilitações em licenciatura e em bacharelado.

Nessa etapa da pesquisa, o objetivo é, portanto, localizar os pressupostos de formação e ver se estes têm relações com pressupostos históricos e científicos. A questão central é sobre que historiador o PPP manifesta formar no curso e que dinâmica relacional é identificada na expressão “professor/pesquisador”.

Justificam-se tais objetivos não para propor uma melhora no curso analisado ou uma nova elaboração do PPP do curso em análise, tampouco defender a necessidade da presença do discurso blochiano no PPP do curso de História da UNESC. Longe disso está a proposta da pesquisa.

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2 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA EM MARC BLOCH: A QUESTÃO DO MÉTODO

Se o que se quer analisar é a cientificidade da História e suas decorrências pedagógicas num campo específico de formação de professores e historiadores, cabe neste momento trabalhar alguns conceitos essenciais em Marc Bloch (1886-1944) para que seja possível, a partir disso, compreender os critérios e conceitos de cientificidade nesse autor e saber por que a História precisa ser definida como ciência, ciência que deve ser ensinada e aprendida, ou seja, que se expressa na efetividade, e não apenas com declarações. Muito mais do que isso, é preciso perceber que o que está em jogo nos critérios e categorias de cientificidade é justamente o método científico e seu ensino.

2.1 A História no campo epistemológico (séculos XIX e XX)

Não basta conceber uma determinada ciência nas suas origens com vistas a validar o seu presente, mais importante é buscar entender suas condições de possibilidade nos campos do saber.

No campo epistemológico moderno, é possível compreender que não há mais uma historicidade comum e universal, uma narrativa comum do mundo. Qualquer saber, qualquer ciência, qualquer objeto, seja científico ou não, possui uma historicidade singular, com leis internas de funcionamento e segundo uma cronologia decorrente de cada coerência singular.

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Em visão retrospectiva, é possível constatar que a História só se pôs como um problema para o homem, isto é, só emergiu como algo que necessitava ser compreendido e explicado, a partir da época moderna. A razão é relativamente simples. Enquanto os homens garantiam a própria existência no âmbito de condições dominantemente naturais, relacionando-se com a natureza através da categoria da “providência”, o que implicava o entendimento de que o meio natural lhes fornecia os elementos básicos de subsistência os quais eram apropriados em estado bruto exigindo, quando muito, processos rudimentares de transformação que, por isso mesmo, resultavam em formas de vida social estáveis sintonizadas com uma visão cíclica do tempo, não se punha a necessidade de se compreender a razão, o sentido e a finalidade das transformações que se processam no tempo, isto é, não se colocava o problema da história.

O mundo das ciências no século XIX e início do século XX já não era mais o mesmo, e tanto Bachelard como Marc Bloch e muitos outros autores tinham consciência disso. “A teoria cinética dos gases, a mecânica einsteiniana, a teoria dos quanta, alteraram profundamente a noção que ainda ontem qualquer um formava sobre ciência”, escreve Bloch (2001, p. 49) em seu tempo. Nesse sentido, é possível entender que, para Bloch, a progressão de determinada ciência, quando de fato ocorre, altera outras ciências, e mais do que isso, altera toda uma realidade e todos os campos epistemológicos. Ele escreve que a noção de ciência não foi diminuída, mas flexibilizada, “substituindo por muitos pontos, o infinitamente provável, o rigorosamente mensurável pela noção de eterna relatividade da medida” (2001, p. 49).

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Essas periodizações, que ele chama de epistémê, nada mais são do que ordens estabelecidas por rupturas no campo epistemológico. Ao tratar do objetivo de sua obra, Foucault (1985, p. 12) escreve no prefácio:

Não se tratará, portanto, de conhecimentos descritos no seu progresso em direção a uma objetividade na qual nossa ciência de hoje pudesse enfim se reconhecer; o que se quer trazer a luz é o campo epistemológico, a

epistémê onde os conhecimentos, encarados fora de qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua positividade e manifestam assim uma história que não é a de sua perfeição crescente, mas, antes, a de suas condições de possibilidade; neste relato, o que deve aparecer são, no espaço do saber, as configurações que deram lugar às formas diversas do conhecimento empírico. Mais que uma história no sentido tradicional da palavra, trata-se de uma “arqueologia”.

Foucault, no último capítulo (cap. X) dessa obra, intitulado As ciências humanas, ao expor sobre as condições de possibilidades das ciências humanas, defende que o aparecimento delas não pode ser tratado como fenômeno de opinião, mas sim como “um acontecimento na ordem do saber”, pois pela primeira vez aparece o homem que se constitui na cultura ocidental, que é o que é necessário pensar e o que se deve saber. Ou seja, o aparecimento das ciências humanas na história não nasce de um racionalismo premente, de algum problema científico não-resolvido, de algum interesse prático “que resolveu passar o homem para o campo dos objetos científicos” (FOUCAULT, 1985, p. 362).

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Ora, é esta unidade que se achou fraturada, no começo do século XIX, na grande reviravolta da epistémê ocidental: descobriu-se uma historicidade própria à natureza; definiu-se mesmo, para cada grande tipo do ser vivo, formas de ajustamento ao meio que iam permitir em seguida, definir seu perfil de evolução; mais ainda, pôde-se mostrar atividades tão singularmente humanas, como o trabalho ou a linguagem, detinham em si mesmas, uma historicidade que não podia encontrar seu lugar na grande narrativa comum às coisas e aos homens (...) (FOUCAULT, 1985, p. 385).

Ponderando a partir dessa análise foucaultiana, é possível afirmar que a História para Bloch se manifesta enquanto ciência de modo independente, pois agora ela não precisa mais se inspirar nas ciências da natureza física, visto que até nessas ciências esses gabaritos exatos deixaram de ser aplicados. Para Bloch, a História possui uma regionalidade científica dela mesma, original a ela. Falando das ciências do homem e incluindo a História, ele diz que:

Não sabemos ainda muito bem o que um dia serão as ciências do homem. Sabemos que para existirem – mesmo continuando, evidentemente, a obedecer às regras da razão –, não precisarão renunciar a sua originalidade, nem ter vergonha dela. (BLOCH, 2001, p. 49).

Ou seja, a História, como toda e qualquer ciência, sofre os abalos quando alguma ciência progride, mas isso não significa dizer que a História, para se fundar como ciência, precisa se igualar a outras regionalidades de ciência, pois, como afirma Bloch, o que é necessário para ela se fundar como ciência com sua originalidade é obedecer às regras fundamentais da razão, que para ele parece ser constantemente progressiva.

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Como saber científico, a História é e pode ser aprendida e ensinada. Assim, convém, a partir de Bloch, perceber o que é inegociável na educação da ciência histórica, e especificamente na formação de professores. Isso será abordado com mais propriedade a partir daqui. Convém visualizar panoramicamente a trajetória da produção científica de Bloch, para perceber basicamente suas influências científicas tanto recebidas como oferecidas, para localizar e evidenciar as categorias centrais do seu discurso explicitador da sua noção de História e historiografia e, por decorrência, as questões relativas aos processos formativos do pesquisador/professor de História. Todavia, faz-se necessário discorrer antes sobre o que foi a Escola dos Annales em sua fase embrionária.

2.1.1 O surgimento da Escola dos Annales: a primeira geração

Por mais que os seus membros neguem a sua existência no sentido de uma escola, como diz Peter Burke (1997, p. 11), a Escola dos Annales, ou História Nova, nascida em 1929 na França, surgiu a partir dos debates nos campos epistemológicos do século XIX e sobretudo da produção intelectual no campo da historiografia no século XX, com a organização do periódico que teve quatro títulos:

Annales d’Historie Économique et Sociale (1929-39); Annales d’Historie sociale (1939-1942, 45); Mélanges d’ historie sociale (1942-4); Annales: économies, sociétes, civilisations(1946-). Dos membros do movimento, e alguns ligados, Burke (1997, p. 11) elenca:

O núcleo central do grupo é formado por Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. Próximos desse centro estão Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon e Michel Vovelle, quatro importantes historiadores cujo compromisso com uma visão marxista da história – particularmente forte no caso de Vilar – coloca-os fora desse núcleo. Aquém ou além dessa fronteira estão Roland Mousnier e Michel Foucault. Este aparece esporadicamente neste estudo em razão da interpenetração de seus interesses históricos com os vinculados aos

Annales.

As diretrizes da revista e dos estudos que apresentava tratavam de substituir a tradicional narrativa de acontecimentos por uma busca analítica de uma

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atividades humanas, e não apenas a história política. E em terceiro lugar, como coloca Peter Burke (1997, p. 12), a colaboração com outras disciplinas: a geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a lingüística, a antropologia social, etc.

Diante disso, Peter Burke escreve que sua preocupação na obra A Escola dos Annales (1929-1989) é qualificar o movimento dos Annales não como uma escola, no sentido de um grupo monolítico com práticas uniformes, quantitativa no que concerne ao método, determinista em concepções e hostil à política e aos eventos. Burke (1997, p. 12) escreve que “esse estereótipo dos Annales ignora tanto as divergências individuais entre seus membros quanto seu desenvolvimento no tempo. Talvez seja preferível falar num movimento dos Annales, não numa ‘escola’”.

O movimento é dividido tradicionalmente em três fases. Na primeira, entre 1920 a 1945, Peter Burke caracteriza o grupo como pequeno, radical e subversivo, batalhando contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos através de suas pesquisas. Marc Bloch faz parte dessa fase, como já enfatizado.

A segunda fase, que mais se aproxima de uma escola, segundo Burke (1997, p. 12), funda-se lidando com novos conceitos como estrutura e conjuntura, e novos métodos – “especialmente a “história serial” das mudanças na longa duração”. O exponencial dessa fase foi o historiador Fernand Braudel.

A partir de 1968 surge no movimento dos Annales a terceira fase. Segundo Peter Burke, essa terceira fase foi marcada pela fragmentação. Muitas características anteriores das outras duas fases se perderam. Para Burke (1997, p. 13), a unidade com os pressupostos dos Annales se dá apenas no nível da admiração e na crítica doméstica daqueles que reprovam a pouca importância atribuída à política e à história dos eventos. Membros dessa fase transferiram-se das pesquisas da história socioeconômica para a sociocultural. Já outros aventuram-se numa espécie de redescoberta da história política e mesmo no estilo narrativo. Para Burke (1997, p. 13), o que une essas três gerações, o que lhes dá certa unidade é a “interação fecunda entre a história e as ciências sociais”.

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O movimento dos Annales, em sua primeira geração, contou com dois líderes: Lucien Febvre, um especialista no século XVI, e o medievalista Marc Bloch. Embora fossem parecidos na maneira de abordar os problemas da história, diferiam bastante em seu comportamento. Febvre, oito anos mais velho, era expansivo, veemente e combativo, com uma tendência a zangar-se quando contrariado por seus colegas; Bloch, ao contrário, era sereno, irônico e lacônico, demonstrando um amor quase inglês por qualificações e juízos reticentes. Apesar ou por causa dessas diferenças, trabalharam juntos durante vinte anos entre duas guerras.

Os encontros de Bloch e Febvre em Estrasburgo duraram entre 1920 a 1933. Tais encontros foram de vital importância para o movimento dos Annales, principalmente porque ambos estavam cercados por um grupo interdisciplinar extremamente atuante, segundo Burke (1997, p. 27). Nesse ínterim, logo no final da Primeira Guerra Mundial, Febvre tenta elaborar uma revista internacional com a intenção de dedicá-la aos estudos de história econômica, mas devido a grandes dificuldades foi abandonado.

Em 1929 é Marc Bloch que tem a iniciativa de organizar uma revista, nesse caso, francesa. Ambos, Febvre e Bloch, tentaram solicitar a direção da revista ao historiador de renome na época Henri Pirenne, mas este nega o pedido. Assim, Bloch e Febvre assumem os cargos de editores da revista.

O primeiro exemplar surge em 15 de janeiro de 1929. A comissão editorial reunia, além de “historiadores, antigos e modernos, um geógrafo (Albert Demangeon), um sociólogo (Maurice Halbwachs), um economista (Charles Rist), um cientista político (André Siegried, um antigo discípulo de Vidal de la Blache)” (BURKE, 1997, p. 33).

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2.2 A produção historiográfica de Marc Bloch

A obra de Marc Bloch é vastíssima, não pela quantidade publicada, mas pela influência que exerceu no campo da historiografia mundial no século XX. Além disso, o resultado de seus pensamentos e ponderações acerca da História deram fundamento para a criação de uma escola historiográfica de renome, onde juntamente com Lucien Febvre gerou em 1929 a prestigiosa escola do Annales, que teve um papel fundamental na constituição de um novo modelo de historiografia. Não é por acaso que Marc Bloch é considerado por muitos o maior medievalista e historiador do século XX.

Diante disso, justifica-se porque apresentar e refletir sobre os conceitos de Bloch pontuados e trabalhados na sua última obra de 1949, Apologie pour l'histoire ou métier d'historien (Apologia da história ou o ofício de historiador), obra que, devido ao assassinato do autor pelo exercito alemão em plena 2ª Guerra Mundial, ficou inacabada. Primeiro, porque trata-se de uma obra que se objetiva a perguntar e responder questões de base, questões atualíssimas, que oferecem reflexões sobre os porquês da existência da História como ciência e dos seus processos epistemológicos (BLOCH, 2001, p. 15). Em segundo lugar, com a ajuda de Le Goff, também é possível lançar questões como: esse último trabalho de Bloch trata da metodologia da História, que traduz de fato a metodologia aplicada em suas obras, ou marca uma nova etapa de sua reflexão e projetos? Ambas as questões levantadas por Le Goff, e que ele trabalha no prefácio do livro de Bloch, são questões de referência e dignas de muita atenção, pois ambas tratam o livro como um marco nas reflexões metodológicas sobre a História. A intenção de Le Goff é tentar dizer o que significou esse texto no contexto geral da historiografia, em particular na historiografia francesa de 1944, e o que ainda significa hoje.

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trabalho; a história comparada e a Europa; as representações coletivas; figuras de historiadores; o ensino da história” (BLOCH, 1998, p. 10). A utilização dessa obra nesta pesquisa foi importante, pois como escreve Étienne Bloch (1998, p. 6) ela reúne em detalhes o que foi sintetizado em Apologia da História:

No livro que vamos ler surgem-nos claramente os eixos desse <<pensamento de historiador>> de Marc Bloch e as suas idéias sobre o exercício do ofício de historiador, a que haveria de dar uma forma sintética, infelizmente inacabada, na sua obra póstuma Apologie pour L’histoire ou Métier d’historien.

As outras obras escritas de Marc Bloch sempre foram elaboradas a partir de muita pesquisa e sempre inseridas no debate contra os positivistas. Em 1924 publica Os reis taumaturgos, obra que procurava entender o poder de toque (curas) praticado pelos monarcas ingleses e franceses durante a Idade Média. Ao fim, Bloch reconhecia ter feito uma história do milagre. Seu direcionamento era sempre para uma história da longa duração, de períodos históricos em estrutura e maiores do que os tradicionais e que se modificam de maneira mais vagarosa. Segundo Lilia Moritz Schwarcs, na apresentação à edição brasileira Apologia da História (BLOCH, 2001, p. 9), com essa obra Bloch se estabelecia como uma espécie de fundador da “antropologia histórica” ao selecionar eventos marcados pelo seu contexto, mas acionados por estruturas e permanências sincrônicas anteriores ao momento mais imediato. Em questão, por exemplo, estava o poder monárquico. Para Peter Burke (1997, p. 129), Os reis taumaturgos foi uma obra notável em três aspectos: primeiramente, porque não se limitava a um período convencional, no caso a Idade Média; em segundo lugar, a obra se destaca por ser uma contribuição ao que Bloch chamava de “psicologia religiosa”. Escreve Burke (1997, p. 129) sobre este aspecto que: “O núcleo central do estudo era a história dos milagres e concluía com uma discussão explícita do problema de como explicar que o povo pudesse acreditar em tais ‘ilusões coletivas’ (...)”. O terceiro aspecto é a presença daquilo que o próprio Bloch chamava de “História comparativa”, quando fazia comparações com sociedades distantes da Europa sobre as temáticas tratadas na obra (BURKE, 1997, p. 30).

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