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A Festa de Nossa Senhora das Candeias em Mourão

1.1. Apontamento histórico sobre a Vila de Mourão

A região em que se insere a Vila de Mourão é, quanto à presença humana, muito

densa historicamente.35 Os conhecimentos existentes actualmente acerca das populações

que viveram e circularam neste espaço revelam que a área, tanto a mais próxima (margens) como as mais afastadas (vila e freguesias de Mourão) do rio Guadiana, conheceu uma ocupação contínua de grupos humanos desde a pré-história até aos nossos dias, sendo o rio e seus afluentes factores motivadores e determinantes para a existência de vestígios de tal ocupação.

No período pré-histórico e à luz dos mais recentes e diversos trabalhos de inventariação efectuados no âmbito do plano de minimização dos impactos do Alqueva, esta zona apresenta diversos e abundantes registos de presença humana, uns mais completos do que outros, que importa contextualizar de forma a permitir o esclarecimento e a dissipação de dúvidas sobre este período histórico. Atestam, entre outros, a tal presença, visível nas indústrias líticas, restos de cerâmica e manifestações de arte rupestre megalíticos.

Inserida na divisão administrativa da Lusitânia, Mourão possui, como exemplo mais marcante da presença romana no seu território, o Castelo da Lousa, localizado a cerca de 3km a norte da antiga aldeia da Luz, na confluência do barranco do Castelo com o rio Guadiana. Actualmente, submerso pelas águas da barragem do Alqueva.

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Este apontamento tem como referência fundamental o estudo de Jerónimo de Alcântara Guerreiro (1964). Mourão nos séculos XIII a XVI. Elementos para a sua História. Évora. Servimo-nos também de mais informação recolhida na Câmara Municipal de Mourão e divulgada no sítio electrónico: http://www.mouraodigital.com. A memória local também tem sido objecto de apropriações literárias: “Vila de Mourão, 15 de Setembro de 1640. – Bem-vinda, D. Luísa de Gusmão. […] Julgo que o melhor é deixar aqui a carruagem e subir a encosta até à pequena Ermida de Santa Maria do Tojal, em peregrinação. […] A ermida era pequena, as paredes de xisto sobreposto como fatias de bolo de bolacha, o tecto abobadado como só os alentejanos o sabiam fazer. Pequenina e escura, como se fosse a caixa aveludada de uma jóia preciosa que o sol podia estragar, dela emanava uma serenidade impossível de encontrar num lugar sem a marca do sagrado. Hoje, a imagem não saía no seu andor, para ser vista e adorada pelos peregrinos. Hoje, a Virgem esperava no seu posto a visita da duquesa e da pequenina Catarina. Eram elas, e só elas, que lhe faziam a genuflexão, lhe acendiam uma vela e se ajoelhavam para orar.” Stilwell, Isabel. Catarina de Bragança. Lisboa: Esfera dos Livros, 2008, 31-32.

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Para além deste monumento, outros vestígios arqueológicos associados ao período romano se encontraram espacialmente distribuídos no concelho de Mourão. Entre este período e o medieval, é incerta a caracterização humana de Mourão, mas poder-se-á aceitar uma permanência das populações neste espaço, que conheceu a partir do século VIII a presença dos árabes.Com as suas origens históricas perdidas no tempo e envoltas na tradição, a primitiva vila de Mourão ter-se-ia localizado, eventualmente, na chamada Vila Velha. Perto desse local, na Vila Velha do Mercador, foram encontrados vestígios de habitat do período romano, revelando material cerâmico de construção e blocos relativos as desmantelamento de estruturas. As gentes deste povoado ter-se-ão mudado para outro espaço próximo, mantendo o nome da comunidade, que, por razões desconhecidas, e para as quais se levantam algumas hipóteses, decidiu fixar-se numa cota mais elevada, dando origem ao actual povoado mouranense.

Relativamente à titularidade desta localidade, esta apresenta-se como um elemento que se integra na indefinição de fronteiras entre os vários reinos resultantes da reconquista cristã. Ora pertencendo aos reis de Castela e Leão, ora sob o domínio do reino de Portugal. Após a Restauração, no âmbito da Independência de Mourão sofreu o impacto, das frequentes escaramuças fronteiriças, sendo a sua praça assolada pelo exército inimigo em diversas ocasiões.

No século XVIII, Mourão sofreu os efeitos do terramoto de 1755, o que, conjuntamente com os trabalhos de arranjo, ampliação e consolidação da estrutura defensiva do castelo, iniciados no século XVII, e o estado de destruição que as sucessivas investidas inimigas provocaram no casario, levou ao redesenhar da traça urbanística da actual vila.

No século XIX, a nova reforma administrativa levou à criação de novos limites concelhios, o que no caso de Mourão fez com que este fosse extinto e anexado ao concelho de Reguengos de Monsaraz, durante um período que medeia entre 1855 e 1861 e 1895 a 1898. Na sequência da política iniciada por Fontes Pereira de Melo, a vila de Mourão perdeu o isolamento a que estava votada a nível das comunicações terrestres, quando, em 1879, durante o período do Ministro das Obras Públicas, Augusto Saraiva de Carvalho, se construiu a ponte ligando Mourão a Reguengos de Monsaraz.

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Esta obra permitiu estabelecer mais facilmente os contactos e trocas com a vizinha Espanha.

Foi já no século XX, principalmente durante a década da Revolução de Abril, que se consolidaram os direitos democráticos e se assumiu uma nova perspectiva sobre o entendimento de preservação do património histórico e cultural, que o castelo de Mourão foi sujeito a campanhas de restauro, as quais resultaram no seu actual estado de preservação, principalmente no que diz respeito ao alçado principal e onde se encontra localizada a actual Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias.

Na época em que o monarca (D. Dinis) e o bispo de Évora (D. Geraldo) assinam a carta de entendimento - ante a porta da sua Igreja e na presença do tabelião Manuel Domingues -designar-se-ia por Santa Maria de Mourão, ou Nossa Senhora do Tojal, como passou a ser conhecida no século XVI, ou Nossa Senhora das Candeias, a partir de 1750, nome pela qual ainda hoje é designada. Era uma Igreja cujo estilo se desconhece, gótico ou romano – as duas hipóteses são válidas – e estaria integrada na Ordem de S. Bento de Avis, a partir de 1320.

Ao que parece, este templo que seria de dimensões pequenas, mas suficiente para o número de vizinhos, veio a tornar-se pequeno com o desenvolvimento da Vila. De tal forma que no século XVI, o visitador apostólico Jorge Rodriguez ordenou a sua demolição e a construção de um templo maior, que comportasse, dignamente, todos os cristãos da Vila. Depois da dilatação, por despacho do bispo-infante D. Afonso de Portugal, foi demolida e iniciada a construção, de arquitectura mais ampla, todavia sem que se lhe conheça a traça e o estilo.

A demolição total da Igreja teve lugar em 1664, por acordo entre o Conselho de Estado e Guerra e a Mesa de Consciência e Ordens Militares. O despacho para construção do novo templo foi assinado pelo Príncipe D. Pedro, em 20 de Fevereiro de 1681, como regente, no impedimento de D. Afonso VI. Era governador das Armas da província do Alentejo o general D. Dinis de Melo e Castro, o futuro 1º Conde das Galveias. Traçou o seu risco o engenheiro D. Diogo Pardo de Osório, estratega que se celebrizara, em 1663, nos assédios de Évora pelos espanhóis. Restabelecida a paz, o novo templo, o terceiro, foi então principiado. É o que hoje podemos visitar, de construção ampla e equilibrada. Sofreu graves danos, com o terramoto de 1755, o período tardio da restauração e a falta de complementos artísticos. Tem planta

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rectangular, abraçada por um friso robusto de pedra local, e o coro inscreve-se no seu pórtico, rasgado por uma balaustrada marmórea e de cancelos cilíndricos. Tem quatro altares laterais – dois de cada banda – e cabeceira de três altares. A capela-mor, de elevado arco mestre, redondo e composto na cimafronte por pujante arranjo mural – que enche todo o espaço até à abóbada – arranca, lateralmente, de dois painéis figurativos de S. Pedro e S. Paulo e de uma alegoria da Veneração de Nossa Senhora das Candeias. Remata axialmente com a cruz comendatária, de cerca de 1770. O altar-mor é composto por retábulo de talha policroma, de fustes salmónicos sem guarnição, extremados por outros concêntricos, que envolvem o frontão, nascentes de mísulas palmares. Dois nichos envieirados conservam as imagens (século XVII e XVIII) de Nossa Senhora da Conceição e de Nossa Senhora da Purificação – destinadas a sair nas procissões. O trono, dourado, é trabalho de ensamblador anónimo de meados do século XVIII.

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